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“É difícil ser avaliado pela sua raça”, diz presidente da bancada de heteroidentificação da Unifap

Atualizado: 28 de out. de 2022

Por: Giovane Brito, 13 de junho de 2022


Alexsara Maciel, professora do curso de Ciências Sociais da Unifap (Foto: Lilian do Rosário/ AGCOM)


Alexsara Maciel é graduada em bacharelado de Ciências Sociais, Mestre em História Social pela Universidade Estadual de Campinas, em São Paulo, e Doutora em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia, em Minas Gerais. Um percurso acadêmico extenso, realizado desde as décadas de 80 e 90, quando ainda nem existia a Lei de Cotas Raciais, que completa 10 anos, em 2022. Certamente, um caminho de muitas dificuldades dadas as condições de racismo estrutural e do machismo, da sociedade brasileira. Atualmente, é professora no curso de Ciências Sociais, completando 29 anos na profissão, neste ano. Ela é a atual presidente da Comissão de heteroidentificação na Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), ação responsável pela avaliação da autodeclaração Étnico-Racial para a entrada nos cursos de graduação por meio das cotas raciais. A Lei de Cotas, como ação afirmativa, procura combater as desigualdades sociais enfrentadas por grupos que sofrem e sofreram historicamente restrições de acesso à educação e melhores rendas.


AGCOM conversou com a professora sobre as dificuldades que são enfrentadas pela banca de avaliação e como esse processo tão importante acontece na universidade.

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AGCOM: Há quanto tempo a política de cotas existe na Unifap?

Alexsara: Existe desde o estabelecimento da Lei Nacional 12.711/2012, que estipula que todas as universidades federais façam uma separação de cotas, em todos os seus cursos. Mas, a reserva de cotas não significa que a pessoa tenha que tirar uma nota pequenininha. A política de cotas não é algo gigantesco como as pessoas imaginam. É algo pequeno ainda. Um exemplo disso é que no curso de Ciências Sociais, Licenciatura em Sociologia, são 30 vagas ofertadas; destas 30 vagas, apenas 7 são para cotas. Aí, vem a cota deficiente, cota egresso de escola pública, cota de renda per capita e cotas raciais. Parece que é 50% das vagas, mas não é. Ainda é muito pequeno o efetivo de cotas para essas pessoas que são consideradas minorias na sociedade. Então, essa política deve ser mais ampla. Por enquanto, nós temos que nos fortalecer e agradecer de ocorrer essa reserva de cotas mesmo que seja pequena, porque aí já entram 7 pessoas em um curso com uma oferta de 30 vagas.


AGCOM: Qual a importância da política de cotas para o nosso estado?


Alexsara: A política de cotas é muito importante porque ela é a efervescência de políticas afirmativas. É um processo grandioso de reparação histórica. Existem vários trabalhos e pesquisas que mostram a ausência dessas pessoas nas universidades. A população indígena é muito massacrada, nós temos uma grande população indígena no Amapá que não está dentro das universidades federais. No estado, nós temos 76% da população negra e você verifica que essa juventude negra não está dentro das universidades. As deficiências das escolas públicas não trazem esse aluno para passar pela ampla concorrência. Mas, que fique bem claro, o aluno precisa ter nota para passar nas cotas.


“O fato dele ser negro não vai fazer ele ingressar sem uma boa pontuação. Essa política não é uma bem feitoria. ”


“Tem um detalhe que eu gostaria de referendar, o cotista entra cotista, mas quando ele ingressa, não se declara cotista”


AGCOM: Quais os desafios que a banca enfrenta?


Alexsara: São muitos, vai da emoção que leva ao choro para raiva quando você vê os brancos burlando e ganhando na justiça as vagas. Vou descrever um fato que quase me fez chorar. Entrou um rapaz pardo, cabelo não muito cacheado, ele estava muito nervoso. Quando eu fui perguntar para ele a importância das cotas raciais para sua entrada na universidade, ele falou “se não ocorresse as cotas, mesmo eu tendo tirado quase 600 no Enem, seria muito difícil para mim, porque eu sou um menino preto, que foi concebido por um homem que passou rapidamente por onde minha mãe estava no Afuá, minha mãe é empregada doméstica e eu fui criado por ela e minha avó. E hoje eu estou aqui na sua frente com essas cotas, sem elas dificilmente eu serei esse profissional que pretendo me tornar”. Esse rapaz descreveu a vida dele por completo e isso é um impacto para mim como pessoa negra, como professora da Unifap e por saber todas as dificuldades dos meus alunos negros na universidade. E, um outro aluno, negão, disse assim, “eu sou um rapaz triste, porque eu passei minha vida sofrendo. Sem as cotas, eu não serei o que eu tenho de sonho como jovem”. Naquele momento, eu tive que falar sem chorar, mostrando quem eu sou hoje e falei que ele também pode chegar aonde eu cheguei. Então, isso tem um impacto muito grande, na questão da emoção e na da militância como pessoa negra. É muito difícil dizer que é fácil lutar contra o racismo, porque não é nada fácil.


AGCOM: Todo processo passa pela tentativa de erros e acertos, então como a Comissão lida para tratar os seus erros e continuar os seus acertos?


Alexsara: É um processo bem lento, eu vejo como um processo pedagógico. Durante a avaliação à distância, nós da Comissão decidimos que deveria ser uma avaliação presencial. Com isso, vieram alguns problemas, como candidato que não chegam no horário ou não acreditam nesse processo e acabam debochando. Mas, quando você trabalha com pessoas tem essa possibilidade. Então, eu vejo hoje com sucesso a avaliação presencial e vejo efetivamente que a luta do movimento negro está sendo positiva e quanto mais a coletividade se une, mas nós temos resultados. A comissão é muito séria, mas estamos lidando com seres humanos aí devemos ter uma delicadeza muito grande no trato com o outro.

“Eu percebo que é muito difícil você ser avaliado pela sua aparência e pela sua raça, mas se não for desse jeito os brancos tomam conta das vagas”


AGCOM: O que aconteceu na avaliação a distância que ressaltou a importância dessa avaliação presencial?

Alexsara: No edital, pedia que a pessoa gravasse um vídeo com a autodeclaração. O percalço do vídeo era que a pessoa poderia usar vários recursos para tentar burlar a avaliação. Usava maquiagem, usava uma luz mais escura, fazia bobe no cabelo e no vídeo parecia que a pessoa era negra e nós tivemos várias denúncias sobre essas irregularidades.


AGCOM: Que tipo de formação a Comissão de heteroidentificação passa para se tornar apta a fazer essa avaliação?


Alexsara Maciel: Tivemos um curso de capacitação feito pelo Ministério da Família e dos Direitos Humanos. Todo membro tem que fazer e a presidência tem que ser um professor que tenha doutorado e pesquisa em questões raciais. Os demais membros podem ser mestres ou servidores da instituição, desde que tenha feito o curso de capacitação.


“É uma aventura fazer parte da comissão de heteroidentificação, é uma das coisas mais interessantes que eu já fiz aqui na Unifap e olha que eu já fiz coisas muito interessante aqui, mas é algo que vai dá emoção da raiva, do choro ao riso.


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