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“Era como se fôssemos um grande consumidor de outras culturas”, diz Osmar Júnior

Em entrevista, o cantor amapaense compartilha suas vivências e os desafios encarados durante a carreira.


Por Amanda Cruz e Talita Paiva


Ao longo da carreira, Osmar Júnior já gravou cinco discos. Foto: Arquivo pessoal.

Nascido e criado no Estado do Amapá, o cantor, produtor, compositor e poeta, Osmar Júnior Gonçalves de Castro, conhecido artisticamente por Osmar Júnior, 51 anos, é um dos maiores nomes da música amapaense. Ele iniciou a carreira como músico aos 14 anos. Em 1980 começou a compor músicas, que foram ouvidas em sua voz e na de outros cantores da região.


Ao longo da carreira, Osmar Júnior já gravou cinco discos: “Revoada” (1992), “Quando Voltam os Guarás”(1999), “O Encanto da Ciência” (2002), “Osmar Júnior Ao Vivo no Forte”(2002) e “Osmar Júnior no Bar do Abreu”(2009). Ele também é autor da famosa a canção “Igarapé das mulheres”, um clássico da música regional que retrata um pouco da realidade das mulheres locais.


Mas não para por aí, nesta entrevista Osmar Júnior conta detalhes da sua carreira, suas influências, sua participação no Movimento Musical Costa Norte, críticas e até mesmo arrependimentos.


Como nasceu seu desejo pela música?

Quando você vê alguém cantando, tocando na televisão, um artista, você se interessa, e comigo não foi diferente. Foi simples, eu simplesmente gostei da música, e a literatura também sempre esteve na minha vida, o que me ajudou nesse processo. Enquanto eu ainda morava no Igarapé das Mulheres, escrevi a música “Igarapé das mulheres”. Eu tinha por volta de 16 ou 17 anos de idade e foi a primeira música que eu escrevi. Também tive uma influência muito forte de um senhor que tocava violão e morava do outro lado da rua da minha casa, lá conheci muitos músicos e isso me influenciou. Depois fui chamado pra fazer parte da banda “Placa Luminosa”, que hoje em dia se chama “Placa”, que foi muito importante na minha vida porque eu fui guitarrista e vocalista dela durante a década de 80. Então, eu posso dizer que a minha música tem uma influência do rock, principalmente o rock progressivo, o rock do Pink Floyd por exemplo, eu curti muito a década de 80. Eu fui músico de outras bandas de rock, e essa é uma parte da minha vida que poucos sabem. Mas mesmo com raízes no rock, eu nunca deixei de me apresentar em festivais daqui da região, além de sempre demonstrar meu interesse pela antropologia, sociologia e história do Amapá, embora eu seja um autodidata, eu não tenho formação.


Você citou que não tem formação. Houve alguma dificuldade que impossibilitou isso?

A música não deixou eu fazer isso. Eu tenho essa necessidade sim, eu só não consegui ter tempo, porque eu faço música e também entrei para o mundo da literatura e ficou muito complicado, porque as pessoas pararam de ler.


Além de cantor e compositor, você é poeta. Como a poesia entrou na sua vida e influenciou suas composições?

Eu lia muitos livros, minha mãe era bibliotecária. Eu lembro de abrir um livro chamado “Histórias e Lendas do Brasil contadas por Arrelia” que era um palhaço, não sei por onde anda esse livro, mas foi a partir dele que eu comecei a conhecer mais sobre as lenda. A música e a poesia eram duas coisas que eu amava, então resolvi uni-las. Comecei a ler bastantes livros que contavam lendas nortistas, eu achei muito interessante e descobri que nós tínhamos a nossa própria história, do norte do Brasil. Depois disso minhas composições começaram sempre a carregar essa história.


O movimento musical Costa Norte, grupo formado por cantores da música regional nortista que você participou, influenciou e criou conceitos da música popular amapaense, com seus valores sociais e culturais da região. Como se deu a criação desse movimento?

A partir do meu interesse com as histórias nortistas e estilo musical próprio, resolvi fundar o Movimento Costa Norte. Percebi que aqui no Amapá não tinha ninguém conhecido que representasse essa história. Havia alguns cantores, é claro, bandas também, mas não tinha tanta visibilidade. Havia alguns festivais aqui no estado, mas eram pouquíssimas as vezes que isso acontecia, uma ou duas vezes no ano. Olhava pra Belém e via Nilson Chaves, Fafá de Belém, eles tinham gravadora e tudo mais e pensava o porquê de não ter isso aqui. Via a juventude da minha época dançando rock, lambada, axé, brega [...] coisas de fora. Era como se fôssemos um grande consumidor de outras culturas, foi então que percebi que precisávamos de algo nosso. Eu sabia que movimento não se cria sozinho, então, em 1980, eu fundei, não sozinho, mas com Amadeu Cavalcante, Val Milhomem e Zé Miguel, o Movimento Costa Norte. Criamos com o intuito de produzir muitos frutos da nossa história nortista, da nossa fauna e flora, das ideologias, da poesia cantada, da política e realmente trazer à tona a nossa região que até então era bem pouco conhecida e felizmente conseguimos. Hoje, tudo que você vê por aqui, tem um pouco dessa influência, quando se trata de algo autoral. As vezes sinto falta disso, de alguém que carregue essa identidade, até porque nós somos essa resistência que não admite que o Amapá é apenas uma terra sem criatividade.


Em toda sua carreira, tem alguma conquista em especial que você se orgulha e gostaria de ressaltar?

É exatamente isso que falei anteriormente, a identidade cultural, a identidade que deixei na música como legado para as novas gerações, não somente eu, mas outros cantores também que já citei aqui.


Se pudesse voltar no tempo, você mudaria algo em sua carreira? Se arrepende de algo? Ou faria diferente?

Embora o ideal não fosse esse, eu acho que talvez eu deveria ter saído de Macapá, pra levar algo para outros lugares [...] mas se eu saísse daqui, nós perderíamos um poeta. Talvez se eu saísse daqui muitas portas se abririam pra mim, mas eu sempre achei isso muito triste. Já fui em muitos outros países e percebi que lá qualquer pessoa faz sucesso e isso atinge outras cidades ao redor. No Brasil, geralmente o artista precisa vencer São Paulo e Rio, se não ele não existe como artista, esse é o grande desafio da nossa geração. Eu já nasci não aceitando isso, então talvez eu devesse ter saído daqui, mas não saí.


*Entrevista produzida na disciplina de Redação e Reportagem II, ministrada pelo professor Alan Milhomem.


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