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Cineasta Rayanne Penha e os modos de fazer audiovisual amazônida

Sua trajetória perpassa a construção de uma identidade, memória e território no Amapá.


Por Luhana Baddini

Atualmente, a cineasta trabalha em produções com a Netflix. Foto: Arquivo pessoal.

A jornalista, diretora e roteirista Rayane Penha tem experiência de mais de 10 anos no audiovisual. Ela conta seus principais desafios para fazer cinema no Amapá, suas conquistas e realizações como cineasta, que trouxeram visibilidade para as questões de identidade, território, memória e cultura em sua obra “Utopia”, reconhecida nacionalmente. A produção foi exibida em vários festivais pelo Brasil.


Em entrevista, a cineasta conta como foi o processo em se reconhecer diretora e roteirista negra, quais são suas próximas produções e parcerias, incluindo a Netflix. Ela ainda apresenta os impactos que seus filmes trouxeram na sua comunidade, além da afirmação de seu lugar como mulher negra e do interior, e seu olhar ímpar na produção audiovisual brasileira.


Nos conte um pouco sobre você e sua trajetória no audiovisual no Amapá. Qual foi o momento que despertou seu interesse pela área e como você decidiu se envolver nesse campo?

Eu comecei a trabalhar com audiovisual quando tinha 16 anos. Não sabia o que era audiovisual. O único contato que eu tinha de entendimento sobre isso era televisão. Eu nunca nem tinha ido ao cinema, nem sabia que cinema existia, era uma coisa muito distante da minha realidade. Acho que a primeira vez que fui ao cinema, eu devia ter uns 18 anos, ou mais. E aí, eu estudava numa escola pública aqui e fui fazer o projeto, do governo do estado, que dava oficina de teatro e cinema. O projeto chamado Cine Juventude, da Secretaria Estadual de Políticas para a Juventude, desenvolveu vários projetos nas escolas, criamos um curta de ficção, era um média, acho que tinha uns 30 e poucos minutos. Então, assim, hoje eu fico pensando, né? Como que a gente fez aquilo? Mas fez.


Como você avalia a representatividade das mulheres pretas no cenário audiovisual do Amapá?

É muito importante, porque é onde a gente acaba se enxergando, né? Assim como foi pra mim impactante ver a Cassandra Oliveira, que é uma mulher negra daqui, que foi estudar cinema e produziu várias coisas incríveis, tinha referências, eu vejo que poder também estar nesse lugar pra outras pessoas, principalmente meninas, pra mim é um impacto muito positivo. Por exemplo, sempre que as pessoas me chamam pra qualquer coisa, sei lá, falar com alguém aqui, dar alguma oficina ou passar os meus filmes, eu sempre libero tudo ou vou lá, porque eu tento muito tentar transferir ao máximo aquilo que eu tive, que às vezes outras pessoas não tiveram, pra que isso continue, né? Para que outras pessoas venham e consigam também estar nesses lugares, não sei de referência, mas que consigam estar produzindo, estar realizando, contando suas histórias.


Quais foram os principais desafios que você enfrentou no início?

É um choque, assim, que dá, né, quando a gente vê, eu queria participar disso aí, queria produzir e tal, mas eu não tinha nem celular, nem computador. Fui ter computador com 20 e poucos anos, assim, já depois de trabalhar e conseguir comprar. Mas a câmera, eu lembro que era minha obsessão, ter uma câmera, e foi muito doido, porque demorou tanto pra eu conseguir, que quando eu tive, meio que já não fazia efeito pra mim, porque quase nunca usava, e aí veio o celular, cada vez mais, celulares que dá pra você fazer coisas ali muito bacanas. O TV Juventude, que fez um projeto de TV para a internet, todo mundo sacou muito rápido as coisas de mexer em câmera, de som, de direção, de escrita também. E é muito doido, porque na época era muito escasso esse acesso a material. A maioria de nós, 99% , eram alunos de escolas da periferia, de escola pública, então ninguém tinha computador, ninguém tinha nada. Na época que a gente fez um projeto, a gente tinha que fazer oito documentários.


Como o cenário atual tem mudado em termos de oportunidades e reconhecimento para pequenos e médios realizadores?

Essa mudança é muito recente. Eu acho que teve um lugar de virada para cá, de forma mais ampla, a partir da Lei Aldir Blanc. Ela veio e trouxe essa possibilidade de vários realizadores daqui conseguirem realizar, e às vezes realizadores mais antigos, que já estão há muitos anos nessa trajetória, de conseguirem realizar algum trabalho de forma mais, não é nem consolidada a palavra, mas com mais possibilidade de fazer alguma coisa sem ser na guerrilha que a gente acaba fazendo da forma que dá, porque não consegue ter o acesso que a grana possibilita para a gente. E a Lei Aldir Blanc é de 2020, então é um período muito recente. A gente tem uma trajetória de muito tempo. E o outro momento importante foi em 2017/2018, que teve o primeiro edital de audiovisual daqui e teve 12 produções que conseguiram ter esse acesso, que era o edital de arranjo regional, que antes dava uma contrapartida e o governo dava outra parte.


Você poderia compartilhar alguma história inspiradora em que seu trabalho no audiovisual impactou positivamente a vida de alguém ou algum projeto?

Pra mim não tem ganho maior do que a vez que eu fui no mercadinho, lá do bairro onde a minha mãe mora, que é lá no Zerão, quando a gente veio do Vila Nova, que foi de onde eu vim. Na época eu fui lá e fui no mercadinho comprar alguma coisa e um senhorzinho do mercado falou que tinha visto meu filme em algum lugar desses festivais on-line e tinha gostado muito, queria o filme por WhatsApp para compartilhar com as pessoas. Isso pra mim foi a maior vitória, anotar o telefone dele em um pedaço de papel para ele conseguir mandar o filme pelo WhatsApp. Foi muito impactante pra mim, assim como eu ter visto as pessoas da comunidade onde eu vim vendo os meus filmes e se identificando com eles. Isso eu vejo como algo de um impacto muito grande hoje.


De que maneira suas produções audiovisuais destacam a cultura e as histórias do Amapá?

No meu caso, esse contexto de ser uma mulher negra, da Amazônia brasileira, do Amapá especificamente, eu não consigo desvincular desse lugar, porque perpassou pela minha história, pela minha existência, e é o que eu melhor sei. Comecei a pensar o quanto os meus filmes têm uma memória muito afetiva em mim também.


Como o audiovisual pode ser um instrumento para a preservação e promoção da diversidade cultural?

É muito importante contar nossas histórias e afirmar que a gente tem uma cultura. Quando as pessoas vêm de fora, ou quando elas conhecem a gente de um lugar de fora, elas sempre olham para a gente de um lugar estereotipado, ou acham que tudo aqui é a mesma coisa, que aqui é Pará, que aqui é Manaus, que o Norte é uma única coisa, e não é. A gente tem culturas diferentes, formas de existir diferentes, inclusive dentro do próprio Estado. Então, eu acho muito importante a gente ter pessoas do Oiapoque contando suas histórias, de Laranjal do Jari contando suas histórias, de Macapá, de Santana, porque vão ser olhares completamente diferentes, porque as pessoas estão em realidade diferente. Então, eu vejo como algo extremamente necessário a gente contar nossa história, falar do nosso jeito, da forma que a gente vive e existe aqui. Porque isso é um lugar também de a gente produzir memória, porque eu vejo que as pessoas têm esse lugar de ignorância, para além de uma falta de interesse também, porque não existe esse lugar do imaginário. Nunca se viu na televisão, em um cinema, pessoas falando como a gente, contando as nossas histórias. Então, acho que quanto mais a gente tiver a oportunidade de fazer isso, melhor.


Quais recursos e oportunidades são necessários para fortalecer ainda mais a presença do cinema amapaense no cenário nacional?

Eu acho que toda produção é importante, ela vai contribuir de alguma forma para o cenário, tanto dentro quanto fora do Estado. Eu parto da premissa de que a gente tem que fazer aquilo que a gente quer, principalmente, porque a gente vem de uma realidade distinta. Mas eu acho que o desafio maior ainda é conseguir ser distribuído dentro da região. Você, por exemplo, ter um longa-metragem aqui do Amapá e ele passar nos cinemas daqui, acho que esse vai ser o maior desafio, se a gente conseguir ter um longa-metragem produzido aqui de uma forma mais bem estruturada, longas nós temos, mas não tem nesse lugar de ter alcançado esse processo todo de uma produção.


Que conselhos você daria para jovens realizadores que desejam seguir uma carreira no audiovisual no Amapá?

Hoje em dia eu já consigo olhar com mais esperança para esse lugar. Eu acho que a gente consegue sim alcançar os espaços. Hoje em dia a gente consegue ter mais acessos e algumas coisas acabam andando mais rápido. Mas, temos essa consciência de que algumas coisas demoram e que a gente também saiba medir a nossa trajetória e não comparar a trajetória do outro, porque, às vezes, a gente faz uma comparação desleal e que a gente não consegue aquilo que o outro está conseguindo. Mas temos também que entender de onde a gente está partindo, de que lugar a gente está e que lugar aquela outra pessoa está e de onde ela ainda partiu. Eu acho que devemos entender também esse lugar político e, aí quando eu falo nesse lugar político, está para além de governo, de gestão, e sim o nosso lugar político dentro disso, onde que a gente está e qual a consequência disso. Mas também, eu acho que buscar olhar para as potencialidades disso também é uma forma interessante.


Como você enxerga o futuro do audiovisual na região norte e quais são suas esperanças para esse campo?

Eu fui chamada para esse projeto da Netflix porque eles queriam uma realizadora da região norte, mas que morasse na região. E a maioria das pessoas que têm algum acesso ao mercado, não moram mais aqui, por não conseguirem encontrar uma mudança efetiva dentro desse cenário, mas eu acho que é preciso permanecer aqui. Eu acho que essa própria experiência agora da Lei Paulo Gustavo vai ajudar a melhorar essa situação. O filme “Noites Alienígenas” é a nossa referência de mercado, porque foi distribuído nas salas de cinema, trazendo esse outro lugar de visibilidade, que antes a gente achava que só os festivais poderiam trazer, mas tem vários filmes da região que conseguiram alcançar essa trajetória de festivais e ter ganhado prêmios, mas que às vezes, mesmo assim, ainda não traz um processo de visibilização maior. A sala de cinema acaba trazendo, mesmo que o público não tenha uma adesão tão grande. E os streamings, né, pois mais do que o cinema, é grandioso você conseguir ter um filme em um streaming. Ele está lá para que as pessoas vejam na televisão e no celular.


*Entrevista produzida na disciplina de Redação e Reportagem II, ministrada pelo professor Alan Milhomem.




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