Hoje, um a cada quatro adolescentes está viciado em celular. A ‘desintoxicação digital’ surge para tratar esse problema.
O desenvolvimento da internet e tecnologias digitais mudou completamente o dia-a-dia das pessoas, impactando a maneira com que nos relacionamos e interagimos com o mundo. Ainda maior, porém, foi o efeito causado nos nativos digitais, a geração que já nasceu dentro deste contexto hiperconectado. Apesar das facilidades que possibilita, estudos apontam que o uso indiscriminado de aparelhos tecnológicos pode proporcionar diversas consequências negativas para a mente humana, especialmente as em desenvolvimento.
Isabela Leite, estudante de 17 anos, faz parte da geração que cresceu neste contexto e reconhece como o uso da tecnologia molda sua rotina: “O celular é parte de mim a esse ponto. Eu acordo e a primeira coisa que faço é checar o celular”, afirma. Apesar de ressaltar os benefícios de possuir tanta informação na palma da mão, ela conta que o uso já prejudicou seu desempenho escolar, relações pessoais e até a qualidade do sono.
E Isabela não está sozinha. De acordo com dados publicados na revista BMC Psychiatry, 1 em cada 4 adolescentes é viciado em celular, ou seja, experimentam abstinência quando separados dele. E não é coincidência: o aparelho foi desenvolvido para isso. Do design ao conteúdo, tudo no smartphone atual visa capturar a atenção do usuário pelo maior período possível, como as cores fortes e as notificações.
De acordo com a psicóloga Mercês Cunha (CRP/05251), a dependência do jovem em aparelhos tecnológicos não deve ser analisada separadamente, mas dentro do contexto da vida deste indivíduo, que pode estar usando os dispositivos como válvula de escape para outra questão. É, no entanto, muito importante que seu uso seja regulado, pois a vida digital não é suficiente para substituir a lúdica: “[O jovem] não só perde a interação social, mas a parte cognitiva fica comprometida, a questão do raciocínio, das informações, elas vão se comprometer. Ele não está exercitando a mente em outros termos. [...] Ele vai ficar disperso, a atenção dele vai desfocar”, Mercês afirma.
Todo o assunto foi agravado com a pandemia decorrente da COVID-19, que motivou a adoção da quarentena e isolamento social. Impossibilitados de interagir pessoalmente, o tempo gasto em frente às telas duplicou em estudantes do jardim de infância, por exemplo, segundo estudo publicado na Journal of Developmental & Behavioral Pediatrics (JDBP).
Na tentativa de encontrar uma solução para o problema, foi idealizada a desintoxicação digital, que consiste em se afastar deliberadamente do aparelho que causa o vício (seja celular, TV ou videogame) por um tempo determinado, ou limitar o tempo de uso diário deste. Além da desintoxicação, também é possível reconhecer os artifícios do aparelho para chamar atenção e podá-los, como silenciar as notificações desnecessárias ou usar um filtro de cor no celular.
O psicólogo Luiz Henrique Oliveira, porém, ressalta a importância da atuação profissional nos casos de dependência digital infanto-juvenil. Trabalhando em uma equipe multidisciplinar que compreende de psicólogos a educadores físicos, Luiz aponta como tomar alguma ação frente ao problema é essencial para evitar os diversos problemas de desenvolvimento que o uso desordenado pode causar.
As mudanças consequentes do avanço da tecnologia não serão revertidas, cabendo à sociedade se adaptar e encontrar maneiras de lidar com elas. Caso contrário, ninguém consegue prever os possíveis resultados, a longo prazo, da superexposição digital na mente humana, especialmente quando iniciada tão cedo.
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