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A Natureza dá conta: A história do homem que mora em um container

Pedro Aquino Santana vive em paz com a natureza em sua casa nada convencional.

Professor Pedro em frente à sua casa. | Foto: Ingra Tadaiesky

Quando pensamos em cientistas, no primeiro momento sempre nos vem à mente os “loucos”, logo em seguida num lapso de realidade nos damos conta que não estamos em um filme de ficção científica e a imagem muda e passa a ser algo oposto à loucura: uma figura de extrema seriedade, geralmente usando um jaleco. Pedro Aquino de Santana consegue vestir a figura “louca” e séria na mesma proporção, um cientista real com ideias “meio louquinhas”, como ele mesmo diz.

O professor de sociologia do Instituto Federal do Amapá- IFAP, vive em uma casa nada convencional: uma casa container. Esse objeto pesado de carga é seu lar e seu projeto de pesquisa desde sua chegada na cidade de Macapá há 5 anos, quando, junto a uma ocupação, se alojou em uma Área de Proteção Ambiental (APP) na zona norte da cidade.

“Aqui é uma ocupação, eu cheguei aqui sem dizer quem eu era, o que eu fazia da vida, só cheguei e disse que eu era um sem-teto, até aí eu não estava mentindo e eles me receberam aqui como qualquer outro, só descobriram quem eu era quando a polícia chegou para tirar a gente”, conta Pedro.

A operação da polícia era para fazer a reintegração de posse das terras e retirar todas as pessoas da área. A essa altura, Pedro já estava residindo o container e se destacou das outras casas que ainda eram apenas barracos. Pela proporção, os oficiais abordaram primeiramente o professor.

“Quando ele me abordou eu puxei o crachá de professor e o projeto de pesquisa aí eu disse ‘olha, eu estou aqui para fazer pesquisa, eu sou professor’”, fala. A escolha do local se deu de forma natural, segundo Pedro uma ocupação possui a seleção natural pela necessidade, assim ele possui um tecido social da cidade de Macapá com aquele grupo de 14 famílias.

Após o cancelamento da operação policial, ele foi destinado para a Secretaria de Meio Ambiente e passou por uma série de trâmites legais para a permanência no local, no entanto, por ser uma APP, as famílias que ali estavam teriam de ser removidas, mas Pedro não aceitou isso. Após 6 meses de negociação, a área os foi concedida desde que assinassem um termo de fiéis depositários e a partir desse momento, o professor mergulhou fundo no projeto da casa ecológica.

A CASA

Antes da casa container ser projeto, Pedro pensava em produzir uma casa que subisse e descesse conforme a maré para que moradores de áreas de ressaca não vivessem na completa insegurança de moradia. No entanto, o projeto era muito mais caro e complexo do que imaginara. Certo dia, um amigo professor de biologia o deu a ideia de uma casa container.

“Eu fiquei pensando e aí fui pesquisar e observei que um container de carga como esse, tem mais ou menos uns 20 milhões em operação no mundo hoje, dos quais daqui 20 anos estarão todos vencidos e a grande maioria vai ser jogado no fundo do mar. Não há política reversa para isso, só um ou outro maluco do meu tipo que faz alguma coisa”, fala o cientista.

A liga de ferro que constitui um container recebe o tratamento para a água do mar e garante que não enferruje com facilidade, resultando assim em uma grande durabilidade. No entanto, uma casa de ferro localizada na linha do equador possui um ônus: o calor.

“Eu passei 6 meses sofrendo muito aqui, o calor era insuportável porque a condução do metal é muito alta", fala Pedro. Após muita pesquisa e tentativas, certo dia, voltando do IFAP ele se depara com sacas de caroços de açaí em frente a uma batedeira no sol de meio-dia e notou que não estava quente, era um isolante termoacústico.

Com essa descoberta, ele colocou no teto do container uma manta térmica dupla face e, em cima, o equivalente a 110 latas de caroços de açaí. Quando os caroços apodrecem, se tornam terra vegetal e dão o espaço para o nascimento de plantas, o que ajuda ainda mais na refrigeração da casa. Já as paredes são revestidas de PVC, manta termoacústica, compensado e bolinhas de isopor.

Pedro na parte superior do container onde cresceram plantas devido ao caroço de açaí. | Foto: Ingra Tadaiesky

Esse foi o primeiro projeto bem sucedido do cientista, e logo após desenvolveu sistemas de tratamento de água, energia elétrica e tratamento de esgoto. Tudo é sustentável. A energia elétrica da casa é proveniente de captação solar, eólica e uma pequena hidrelétrica urbana movida a água de qualquer destino, principalmente da chuva.

O tratamento de esgoto é feito através de uma fossa biodigestora criada por Pedro, e cada uma das 14 famílias que moram na ocupação possuem uma em casa. Todas as engenhocas que o professor montou são com matéria-prima reciclável, como a hidrelétrica que capta a água em um reservatório feito com o teto de um ônibus, ou as fossas biodigestoras feitas com pneus velhos.

Hidrelétrica urbana no quintal. | Foto: Ingra Tadaiesky

Pedro construiu tudo sozinho, com a ajuda apenas dos moradores da ocupação. Ele não possui formação acadêmica em engenharia, física ou química, mas aprendeu tudo o que sabe com muito estudo independente. Antes de ser professor de sociologia, trabalhou em bicos para sobreviver e sustentar sua família, foi carpinteiro, eletricista, ajudante de pedreiro, entre várias outras ocupações e de cada uma tirou conhecimentos que traz até hoje.

“Quando cheguei no IFAP pensei ‘tem muito professor que pode me ajudar, cada um de uma área’, fiz um projeto e coloquei 40 professores e eles nunca apareceram, eu comecei a observar e disse ‘se eles aprendem, eu também', passei a estudar física, química, biologia, todos os assuntos que iam me interessando”, conta.

Formado aos 45 anos, a primeira vez que Pedro entrou em uma sala de aula foi como professor. Toda sua formação foi por ensino a distância, e hoje, é um nome conhecido na engenharia ambiental. Além da casa, ele desenvolve com alunos vários projetos sustentáveis, como uma vassoura feita de garrafa pet e móveis feitos de latão.

“Minha vida toda foi trabalhando em função de construir um mundo diferente, sempre foi. Quando eu comecei a estudar, ter contato com a ciência e estar dentro de uma universidade como professor, essa coisa tomou outro rumo. Na academia a ideia surge com mais propriedade e mais próxima da execução”, conta ele.

As suas criações e forma de vida são inspirações para seus alunos, e de sua casa já saíram cinco teses de conclusão de curso. Pedro conta que, a sua ideia sempre foi desenvolver debate, trazendo o entendimento que se pode viver de forma sustentável e muito mais barata que a forma tradicional.

Foto: Ingra Tadaiesky

Ele não sabe com exatidão o custo e valor da casa, mas dá a garantia de ser menos da metade de uma casa normal e com nenhum impacto ambiental. “Eu te garanto que aqui tá muito mais bem cuidado do que quando chegamos!”, brinca ele.

A sua ciência é desenvolvida com o intuito de ser de fácil acesso, principalmente para pessoas com menos condições financeiras. Atualmente o professor está montando uma segunda unidade em Caviana, na Ilha do Marajó e suas criações são constantemente instaladas nas casas de pessoas que precisam. Ele não cobra para essas pessoas.

“Construir um mundo melhor” já ouvimos essa frase um milhão de vezes em comerciais na TV e em sala de aula quando somos crianças, mas poucas pessoas a levam a sério como o Professor Pedro Aquino de Santana, o cientista “louco” extremamente são. Observando sua vida, nos perguntamos o porquê não moramos em uma casa container, o porquê não vivemos de bem com a natureza e chegamos à conclusão que talvez os loucos sejamos nós.

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