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Feminicídio: o silenciamento das mulheres vítimas de violências de gênero

Após um ano do assassinato de Raiane Miranda, julgamento do autor do crime segue sem data

(Foto: Lorena Lima)

Na noite 31 de julho de 2020 o homem George de Oliveira Correa assassinou com uma faca a ex-namorada Raiane Miranda de Almeida em frente a residência dela. O autor do crime não aceitava que Raiane seguisse sua vida independente, a família da vítima afirma que o relacionamento era abusivo, e um mês antes da ocorrência a vítima decidiu terminar o relacionamento.

Raiane Miranda, assassinada pelo ex namorado (Imagem de redes sociais)

Após o rompimento, George de Oliveira Correa enviava mensagens ameaçando Raiane e familiares. Raiane Miranda estudava enfermagem e era mãe de uma criança de 2 anos. O assassinato completou um ano, o criminoso continua preso e o andamento do processo em segredo de justiça, ainda sem data de julgamento.


“Faz um ano da morte da minha filha, está muito recente e ainda não conseguimos acreditar. É inaceitável a forma como aquele homem tirou a vida dela. Nada do que fizermos trazer ela de volta, mas vamos lembrar da morte dela e pedir justiça, que a data do júri seja decidida.” desabafa Clene Miranda, mãe de Raiane.

(Imagem divulgada nas redes sociais da família de Raiane Miranda)

“Além de lembrar da filha assassinada, a Clene ainda está indignada com o não julgamento daquele criminoso, que com uma faca cravada tirou a vida de uma jovem linda, mãe e filha exemplar. Ele não aceitou o fim do namoro e perseguia ela depois do rompimento, mandava mensagens ameaçando ela e outras pessoas da família. Chegou até a avisar que iria matar a Rayane”, relata Ronaldo Batista, tio da Raiane.

Polícia Civil cede imagens que mostram George de Oliveira ameaçando a vítima antes de executá-la (Print divulgado pelo G1)

“Seis dias antes de sua morte ela compartilhou uma publicação sobre estar se sentindo maravilhosa, feliz e amada, e isso refletia muito como estava retomando sua vida após um mês do término”, lamenta o tio.

Raiane Miranda dias antes de ser assassinada (Print de suas redes sociais)

Durante o velório a mãe da Cabo Emily Miranda, morta a tiros pelo ex-namorado Kassio Mangas levou um ramo de flores e abraçou Clene Miranda, mãe de Raiane Miranda. “Aquele abraço pra mim foi de tanta dor, tanto sofrimento, mas ao mesmo tempo de solidariedade. Foi um gesto que me comoveu muito e foi duro de ver, e ajudou a confortar a Clene naquele momento”, desabafa o tio.

FEMINICÍDIO

O assassinato de Raiane Miranda foi mais um feminicídio, homicídio por razões da condição de sexo feminino. De acordo com dados da Delegacia de Crimes Contra a Mulher de Santana, no mesmo ano (2020) se contabilizou um total de seis feminicídios e sete tentativas de assassinato em razão da condição de gênero. De acordo com a delegada Diana Gomes Macedo o número de casos é ainda maior, pois alguns ainda permanecem em processo de investigação, ou seja, não categorizados como ‘Feminicídio’.

Dados levantados pelo Atlas da Violência revelam que a cada duas horas uma mulher é morta, e quase 50% delas por arma de fogo. Cerca de 38,9% das mulheres assassinadas ocorrem nos seus lares. Só em 2020 no Brasil contabilizou 1350 casos de feminicídio.

O Tribunal de Justiça do Estado do Amapá informou a quantidade de processos de feminicídio distribuídos (registrados) em todo o estado. No ano de 2019 oito casos, enquanto que em 2020 16 casos; representando um aumento de 50% de registros de mulheres assassinadas apenas em um ano. De janeiro a julho deste ano a Delegacia de Crimes Contra a Mulher do município registrou um caso confirmado e sete tentativas de feminicídio.

Centro de Atendimento a Mulher e a Família em Santana (Foto: Lorena Lima)

A denúncia é uma medida capaz de combater o feminicídio. Por ano a Delegacia da Mulher registra em torno de 1200 a 1400 ocorrências, sendo 70% dos boletins de ocorrência categorizados em violência doméstica. A delegada Diana Gomes explica: “Quando se analisa esses dados percebe-se que a denúncia funciona como um freio na violência dentro de casa, não total. Contra a violência fatal o registro de b.o melhora muito, por mais que a mulher não volte para dar prosseguimento ao processo. Só o fato de ela se empoderar e ir à delegacia fazer o registro é um passo muito grande a se dar “. E acrescenta: “em alguns casos a mulher estava sofrendo violência há anos, desde quando somente namorava, com imposição de limitações da vida plena dela”.

Delegada Diana Gomes (Foto: Lorena Lima)

Para a assessora de comunicação do Levante Feminista, Bhyane Ferreira, muitos casos de feminicídio não são levados em conta, porque há subnotificações, ou seja, feminicídios não cometidos diretamente por homens mas mortes causadas indiretamente por eles. “Joaquina Lima Ferreira sofria de violência de gênero e acabou se suicidando, há um problema em enquadrar como feminicídio. As leis não funcionam para puni-los. É preciso apostar na conscientização de homens como supostos agressores, pois quem mata uma mulher mata uma humanidade”, explica.

No dia 25 de junho o Levante Feminista junto a outras instituições realizou nas ruas de Macapá a carreata ‘Justica por Elas’. Bhyane comentou o evento:“Nós saímos da zona norte até o mercado central, em um trio, além das meninas do levante, também estavam presentes familiares das vítimas falando sobre os casos. A Lia e a Suane Durante o percurso iam falando sinais de Violência, onde procurar ajuda, e levantando situação para reflexão e conscientização”.

Carreata Justiça por Elas (Fotos: Bhyane Ferreira)

VIOLÊNCIAS DE GÊNERO

“A violência contra a mulher é uma patologia cultural e social, é preciso combatê-la com a denúncia. É uma condição cultural do homem, como afirma Bourdieu, a inferioridade feminina é tão intrínseca e arraigada na nossa consciência que não há como transpor essa condição de submissão. Existe dentro da mulher essa consciência da dominância masculina, homens que mesmo denunciados e com a prisão preventiva não melhoram, está na mente deles serem dominadores”, argumenta a delegada Diana.

Para Diana, mesmo na modernidade meninas jovens se submetem aos homens, deixam de sair porque o namorado não deixa ou evitam maquiagem para não ‘serem vulgares’. “Em uma relação de controle e força, quando a mulher rompe esse controle e o homem não trabalha mentalmente entender que houve a separação ele demonstra através da maior manifestação da força: tirando a vida.”

No começo de junho deste ano, Iverson de Souza Araújo foi denunciado na delegacia da mulher em Fortaleza por cometer violência doméstica. Os vídeos foram publicados pela ex-mulher, nos quais ela era espancada na frente da própria filha recém nascida. Iverson (conhecido como Dj Ivis) está preso.

A repercussão nacional do caso em específico gerou diversos debates, como a culpabilização da vítima. Diana Gomes comenta brevemente o caso: "Saiu um áudio da mulher no qual ela ameaçava se jogar do prédio, um radialista que comentou o caso citou isso, consequentemente culpando a mulher pelas agressões cometidas por Iverson de Souza. Dando a entender que a atitude dele é justificável”.

Uma problemática na violência de gênero é a busca por justificar crimes contra a mulher, especialmente casos de assédio sexual, e até mesmo estupro. De acordo com a delegada em um caso no Amapá um homem de aproximadamente 60 anos cometeu violência sexual contra uma menina de 13 anos, e na sentença dizia “no Norte não tem meninas, e sim mulheres de 12 a 13 anos”. Ela ressalta: “O juiz favoreceu o homem, culpabilizando a garota por ter ‘seduzido’ ele”.

Conversar sobre uma questão amplia-se as ideias, por isso o debate acerca das violências de gênero é uma ferramenta excepcional no combate ao machismo estrutural que impede as mulheres de viverem plenamente suas ambições, sonhos e liberdades. Uma das formas de combater a desigualdade entre mulheres e homens é educando não só mulheres, como também homens, pois o machismo faz mal a todos na sociedade.

A masculinidade tóxica fere a mulher e reprime o próprio homem agressor. Manter a discussão e a luta contra as injustiças vivas e constantes faz grandes diferenças na mentalidade popular.


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