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Foto do escritorLéo Nilo

Entrevista com Maria Paula, diretora de “Cada Ponto Um Pensamento”

Atualizado: 12 de jun. de 2021

Conversamos sobre seus planos futuros no audiovisual e a política do trabalho têxtil.

“Cada Ponto Um Pensamento” é um mini documentário com reflexões sobre o bordado e o trabalho têxtil, protagonizado por mulheres conectadas pela arte. O filme é um dos curta-metragens selecionados para competir na mostra Fôlego do Festival Imagem-Movimento (FIM) de 2021, e pode ser acessado no link a seguir. Continuando a cobertura do FIM pela AGCOM, conversamos com a diretora do filme, Maria Paula.


AGCOM: De onde surgiu a ideia de fazer o curta?

MARIA: Ele veio da minha prática do bordado. Eu venho trabalhando com bordado desde o início da graduação, eu comecei a cursar Artes Visuais em 2016 e rolou uma não-identificação com as disciplinas do curso. Aquela arte europeia, aquela coisa que não fazia parte da minha realidade. Eu sempre gostei muito dessa questão do têxtil, de costurar. Eu costurava na mão, quando era criança fazia roupas para as minhas bonecas e tudo mais. Na graduação eu entrei em contato, mas de forma autônoma, com a arte têxtil, que foi o bordado. E aí eu comecei a bordar desde então e fui construindo a minha narrativa a partir dos bordados, trazendo o que eu gosto de falar, a questão do feminismo, do anarquismo, questão de raça, de identidade, eu trago nos meus bordados. E nesse caminho eu encontrei outras mulheres que também bordam e convidei elas para fazer esse mini documentário. Cada uma tem a sua potência, cada uma tem a sua característica. E eu quis trazer isso no curta, porque pra mim não faria sentido falar só de mim, e fiz essa construção com outras mulheres, a questão da valorização da arte têxtil. Que não é muito conversada tanto no âmbito acadêmico quanto no nosso dia-a-dia. A arte têxtil é classificada como artesanato, algo que eu pauto muito, por que não é chamada de arte? Essa coisa que a gente cria, essa coisa que a gente inventa, que demanda tempo de criação. Por que é falado que é artesanato? Demanda tanto tempo quanto um artista pintando uma tela. Dá muito trabalho você pensar no que você vai bordar, e na hora de bordar tem todas as técnicas, os pontos e tudo mais. A partir disso, eu tento trazer no mini doc essa questão de arte versus artesanato. E com as leituras que eu já fiz, eu percebi que é uma questão mesmo de classe. Artesanato é o que mulheres majoritariamente fazem, pobres, e arte é mais reservada para a classe elitista, para o academicismo. A ideia veio daí, dessa construção de bordadeira, costureira, de construção com outras mulheres e não-identificação com a arte acadêmica.

Bastidores das gravações do curta. (Foto: Maria Paula/Arquivo Pessoal)

AGCOM: No curta é bastante enfatizada a questão mais política do bordado. Como ela acontece?

MARIA: Eu acredito que a arte têxtil, o bordado, seja mais uma ferramenta da gente falar coisas que a gente queira falar, seja ela questões políticas. Que a política está em tudo, eu acredito que a política não é só a política partidária, mas a política da vida, a política do porquê eu me visto assim, a política do porquê as coisas são assim. Eu tento trazer nos meus bordados essa questão, do anarquismo, a questão do feminismo e de raça. Então a gente pega esse instrumento que é a arte têxtil, o bordado, e começa a manifestar o que a gente está sentindo. Isso faz parte de uma construção política, porque a gente vai se entendendo a partir dessa prática, do fazer, do pensar. E o nome do curta é "Cada Ponto um Pensamento". Porque, por exemplo, tem um bordado meu que é uma mulher segurando a cabeça de um homem numa bandeja, o nome dessa obra é "A Mulher Tem que Servir o Homem". Então eu vou pensar por que que estou bordando isso, e todas as questões relacionadas com isso. Então não é uma questão só estética, tem toda uma questão de vivência, de traumas, de leitura sobre essa determinada temática, não é uma coisa que veio do nada. Cada artista têxtil tem o seu processo, tem a sua forma de construção. A Ana borda Orixás, por exemplo. A Heloísa borda pessoas que ela admira. A Isabela borda em fotos, memórias afetivas. Então cada uma tem o seu processo, e por que a gente não é valorizada? Porque a gente não entra nesse campo do academicismo, dessas artes plásticas que tem uma tela. É isso que eu tento trazer no curta, esse trabalho que precisa ser valorizado, porque muitas mulheres criam. A arte têxtil é imensa, tem o crochê, tem a costura, tem a alfaiataria, enfim, tem diversos diversos campos dentro da arte têxtil que é importante falar.

Obra "A Mulher tem que Servir o Homem". (Foto: Maria Paula/Arquivo Pessoal)

AGCOM: Como você encara a atitude da população frente ao trabalho têxtil?

MARIA: Hoje eu vejo que a gente tem que educar o nosso público, mostrar que o que a gente faz demanda muito trabalho, demanda muito pensamento, e que essas coisas não vem do nada e que não é algo mecanizado. Porque o que foi condicionado, na nossa sociedade capitalista, é que a gente vai em uma loja e vai ter uma roupa pronta lá por R$20 e a gente vai comprar, mas a gente não pensa nas pessoas que fizeram essas roupas. Eu trabalho, por exemplo, com slow fashion, que é a moda lenta. Para eu fazer uma peça de roupa, tenho que ir na loja de tecidos, tenho que ver um tecido que menos tem impacto ambiental - porque a gente sabe que a indústria têxtil é a segunda que mais polui o meio ambiente, então temos que pensar nisso também, quando vamos comprar um tecido -, depois você tem que fazer um molde do tamanho da pessoa, e depois você costura, e depois tem embalagem, então é um processo lento. A gente tem que falar para as pessoas "olha, demanda muito trabalho eu fazer uma peça de roupa para você", "demanda muito trabalho eu fazer um bordado", "demanda muito trabalho eu fazer um crochê". Sair dessa lógica de imediatismo e mostrar que demora muito mais para você fazer um produto, uma pessoa só, uma artista independente. Mas que tem muito mais valor do que você comprar em uma Riachuelo da vida e deixar a pessoa muito mais rica do que ela já é, o burguês empresário. E valorizar também as artistas mulheres que criam na sua própria cidade. Então nessa lógica de tentar fazer com que o público entenda o quão trabalhoso é, sabe.

Bastidores da gravação do curta. (Foto: Maria Paula/Arquivo Pessoal)

AGCOM: “Cada Ponto um Pensamento” foi seu primeiro trabalho na direção audiovisual?

MARIA: Foi o meu primeiro trabalho. Eu sou formada em Licenciatura em Artes Visuais, então a minha formação é para ser professora de arte, mas como a gente estava na pandemia não teve muita oportunidade de eu dar aula. Aí veio os editais da Aldir Blanc e eu me lancei, com a oportunidade de trabalhar com arte, que é algo que eu gosto, que é arte têxtil. Foi a primeira tentativa de pensar um produto cultural que atinja outras pessoas, com algo que eu faço.

AGCOM: O cinema é algo que você pretende continuar desenvolvendo?

MARIA: É sim. Eu estou com um projeto agora que se intitula "Como Vai, Seu Boto?", uma história toda bordada por mim e por Ana sobre o Boto, sobre essa questão de sempre colocar a culpa no boto, principalmente em comunidades ribeirinhas. A menina geralmente abusada por algum familiar, essa questão do abuso infantil, e colocam a culpa no boto. Esse documentário bordado vem falar que não. É o Boto em primeira pessoa, todo bordado, falando que ele não faz isso, que ele foi procurar saber sobre o que era machismo e que ele não faz mais isso de encantar mulheres. Que era essa a lenda, que ele encanta mulheres e leva para baixo do rio. Ele fala que ele não faz mais isso e que ele repensou essa questão e tem uma família. Esse é o segundo documentário que eu criei como roteirista, como bordadeira. Acho que já pra agosto ele já vai ser lançado. É também do edital da Aldir Blanc.

(Foto: Maria Paula/Arquivo Pessoal)

AGCOM: No caso, o filme é como uma animação?

MARIA: São vários bordados e vai ter uma narração. O Boto em primeira pessoa vai falando e a gente vai dando close na imagem bordada, é como se fosse uma animação. Mas vai ter a gente colocando o bordado na mesa, o áudio vai passando e a gente vai mostrando os detalhes da cena, mas as cenas vão ser todas bordadas.


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