Entrevista com Igor Cardoso, diretor de âAusĂȘnciaâ
- Léo Nilo
- 23 de mai. de 2021
- 6 min de leitura
Atualizado: 24 de mai. de 2021
Igor responde sobre a produção independente no estado, as consequĂȘncias criativas da pandemia e a importĂąncia da subjetividade.

Igor Cardoso Ă© o diretor e roteirista do curta-metragem âAusĂȘnciaâ, escolhido como um dos competidores na Mostra FĂŽlego, do Festival Imagem-Movimento (FIM), principal evento de cinema do AmapĂĄ. O filme, independente e completamente realizado durante a pandemia do COVID-19, estĂĄ disponĂvel atĂ© 5 de junho na Mostra Audiovisual [em] curtas:
AGCOM: Como o projeto AusĂȘncia começou? De quem foi a ideia original e como ela se desenvolveu a partir daĂ?
IGOR: Eu falava com um amigo hĂĄ mais ou menos um ano. A gente conversava bastante sobre cinema, principalmente sobre pessoas que estĂŁo aqui no estado e querem realizar filmes, mas nunca tĂȘm um norte, nunca sabem muito para onde ir. Elas ficam geralmente com muita dĂșvida sobre a quem recorrer para esse tipo de coisa. SĂł que, por sorte, por cursar Artes Visuais, eu conheci muita gente interessada nisso. E eu sempre tive essa vontade e a ideia tambĂ©m, em particular, sobre o roteiro. JĂĄ que estĂĄvamos começando a entrar numa Ă©poca de pandemia, achei que seria um bom momento para ter coragem para começar. Eventualmente, eu acabei encontrando algumas pessoas que tambĂ©m tinham muito interesse em realizar o projeto, e acabamos formando uma equipe rapidamente, porque eram amigos de amigos que se conheciam e toparam o projeto.
AGCOM: Seu amigo acabou entrando na equipe?
IGOR: Sim, o Ian veio a ser nosso produtor. Outra pessoa que foi importante nesse ponto foi o Kleber WÀndel. Eu jå conhecia o trabalho dele hå algum tempo, e achei que, para encontrar pessoas confiåveis nesse sentido, com um interesse por cinema também, eu tinha que ir às pessoas que pudessem me ajudar, por exemplo, com equipamento, que é uma questão extremamente fundamental. Eventualmente, conversamos e ele demonstrou interesse muito grande na parte mais técnica. Através dele, eu também conheci outras pessoas. Ele falou com algumas envolvidas em produtoras e gente que pudesse nos ajudar a filmar em locais.

AGCOM: O filme foi filmado e pĂłs produzido de forma completamente independente, usando equipamentos que a equipe jĂĄ possuĂa. Quais os principais desafios da produção independente, especificamente em MacapĂĄ?
IGOR: Acho que, principalmente para pessoas que trabalham hĂĄ algum tempo com produção de arte em geral, ou pensam em ganhar a vida com isso, a gente nota que MacapĂĄ Ă© uma cidade que tem muita demanda, mas muitos nĂŁo estĂŁo dispostos a pagar por isso. EntĂŁo, quando eu penso em realizar um trabalho independente, independentemente do que tu quer realizar, tu encontra esses desafios muito maiores em relação a questĂ”es monetĂĄrias. Ou, por exemplo, achar um modo de conseguir aliar tanto a tua visĂŁo artĂstica quanto o que vai precisar gastar para aquilo. Uma coisa que foi bem interessante desse processo foi que pudemos ter acesso a tantas pessoas interessadas em fazer parte do projeto pela vontade de estar no projeto. NĂŁo precisamos gastar tanta coisa assim, o mĂĄximo de dinheiro mesmo foi em passagem para pagar Uber e ĂŽnibus. EntĂŁo a gente acabou nĂŁo pagando ninguĂ©m. Os maiores desafios foram, principalmente, a questĂŁo da prĂłpria pandemia e ter que se reunir num perĂodo assim, a gente estava ali saindo do pĂłs-apagĂŁo. E, conseguir achar lugares para filmar. Fazer algumas tomadas em casas, por exemplo, ou a tomada em bares, foi uma questĂŁo de ter que entrar em contato com pessoas e torcer para que elas aceitassem.

AGCOM: VocĂȘ comentou que a ideia do curta veio jĂĄ dentro da quarentena. Como vocĂȘ acha que esse perĂodo influenciou nĂŁo sĂł a produção, mas os prĂłprios temas do filme?
IGOR: Uma coisa que vimos crescer, jĂĄ depois do fim da produção, foi a significĂąncia da palavra ausĂȘncia para todas as pessoas que participaram do projeto, principalmente os demais artistas. Agora estamos com essa ideia, que a gente vai trabalhar um pouco mais para frente, jĂĄ no lançamento do curta, de lançar algumas artes onde cada artista vai ter um pequeno teaser sobre a visĂŁo que ele tem do que significaria ausĂȘncia. Quanto Ă influĂȘncia da pandemia, no caso, eu acho que a questĂŁo do isolamento e as transformaçÔes que cada uma das pessoas passou nesse meio tempo, jĂĄ que ficamos ilhados por um bom tempo. As pessoas falaram sobre como elas repensaram muita coisa, como que a ideia de estar cada vez mais isolado e passar por um perĂodo tĂŁo complicado e tĂŁo Ășnico fez com que muitos fantasmas voltassem Ă mente. Essa ideia me interessava muito, eu ficava pensando o tempo todo sobre como era refletida na realidade a nossa visĂŁo em relação a essa experiĂȘncia que estĂĄvamos tendo durante a pandemia. Me ajudou muito a construir a histĂłria a partir do ponto em que a personagem tivesse se fragmentando e se afastando da realidade dela cada vez mais, em decorrĂȘncia de uma ausĂȘncia. No caso do curta, pode ser sobre um relacionamento, pode ser sobre uma amizade, pode ser sobre um parente, mas tambĂ©m, no fundo, simboliza um pouco desses sentimentos que as pessoas estavam tendo durante a pandemia, e principalmente a forma que refletem em como agimos, como sentimos.
Eu ficava pensando o tempo todo sobre como era refletida na realidade a nossa visĂŁo em relação a essa experiĂȘncia que estĂĄvamos tendo durante a pandemia - Igor Cardoso
AGCOM: AusĂȘncia Ă© um filme bastante transparente em relação Ă s suas referĂȘncias, Apichatpong, Gus Van Sant e Mekas sĂŁo citados pelo nome. Como vocĂȘs organizaram as influĂȘncias dentro do projeto?
IGOR: Nesse sentido, toda a parte criativa foi coordenada por mim, principalmente em relação a essas referĂȘncias. Mas, curiosamente eu tenho notado que algumas pessoas tĂȘm visto com... os olhos certos, eu acho, porque embora eu tenha essas referĂȘncias de forma a homenageĂĄ-los. CitĂĄ-los e dar aquela leve piscadinha para as pessoas que vĂŁo saber do que eu estou falando, Ă© mais uma questĂŁo de humor na verdade, porque o personagem do LuĂs, no filme, reflete um lado mais punheta da cinefilia, sobre como algumas pessoas que tĂȘm certos tipos de embasamento vivem querendo externalizar isso a todo momento. Aquela cena, em especĂfico, demonstra um pouco de como a personagem estĂĄ completamente desligada, ela nĂŁo liga nem um pouco. Mas tudo o que ele sabe fazer, tudo o que ele sabe falar Ă© citar essas coisas, e fica bem distante da esfera dela.

Eu acho que uma coisa importante que tem acontecido Ă© esse lado mais subjetivo da visĂŁo das pessoas. Tenho conversado muito com algumas pessoas a respeito das leituras sobre o que o filme exemplifica, porque nĂŁo Ă© um curta complicado nem nada nĂ©, mas enquanto a gente fazia, a gente discutia muito sobre como produzir alguma coisa ou terminar um corte que refletisse numa coisa completamente subjetiva. Tem certas cenas do curta, por exemplo, que a gente acabou cortando para que o certo realmente fosse feito na mente de cada pessoa, e daĂ ela tivesse pensamentos de acordo com o momento em que encontra o filme na vida. A gente pensava muito sobre as experiĂȘncias que cada um tem durante a vida ou pelo que elas passaram na pandemia, ou passaram nos Ășltimos tempos. Elas encontram o filme desse jeito e dependendo da prĂłpria histĂłria, elas pudessem enxergar um pouco dessas coisas tambĂ©m no curta, enquanto outras pessoas veem de forma completamente diferente certas partes e tudo bem. Eu acho que o grande saldo positivo Ă© dar um rosto para um objeto que consiga ser humano a um nĂvel mais profundo, sabe. Se conectar com essas coisas de forma muito mais latente do que seria, por exemplo, fazer uma comĂ©dia ou algo assim.
AGCOM: AusĂȘncia Ă© um dos competidores do Festival Imagem-Movimento (FIM), principal evento de curta-metragens do estado, que ocorrerĂĄ mĂȘs que vem. Qual a expectativa da equipe para o festival?
IGOR: Acima de qualquer coisa, a gente quer muito que esse curta metragem chegue às pessoas, sabe. Porque estar no festival jå é um grande ato, principalmente para um grupo pequeno de universitårios, que fez um curta metragem sem nada no bolso e que foi selecionado para competir com alguns outros curtas que tiveram muito mais orçamento, muito mais ajuda. A gente pensou muito nisso principalmente porque as pessoas que estão dentro da equipe são completamente aficionadas por cinema. A gente meio que começou a produzir agora, é o primeiro curta-metragem de algumas pessoas e tivemos que desenvolver vårios papéis, né. Então ver o resultado disso é muito bonito. Acabamos sendo selecionado para alguns outros festivais e esperamos ser selecionados para ainda mais, mas o FIM era o nosso principal objetivo, justamente por ser o maior festival de curta metragem do estado. Foi uma grande felicidade ser selecionado e as nossas expectativas se viram muito mais para que as pessoas acabem acessando e vendo, do que pensando em algo competitivo.

