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Direito à educação: políticas públicas ao acesso e permanência de pessoas trans na Unifap

Preconceito, barreiras institucionais, nome social e cotas para transgêneros são dificuldades enfrentadas na universidade por estudantes trans.


Por Fernando Tavares e Giovane Brito

Políticas públicas são necessárias para educação de transgêneros | Arte: Arthur Bugre

‘’Você é uma aberração!” “Você não deveria existir!” “Preferia que morresse”. “Não gosto que se vista dessa maneira”. Essas e dentre outras agressões verbais são ecoadas por pais e familiares que deveriam ser fonte de apoio de pessoas transexuais e travestis, mas em vez de abraçar, são os primeiros a ‘largar de mão’.


Está é a realidade de inúmeras pessoas transgêneros no processo de seu autoentendimento como pessoas transexuais e travestis no mundo. Vítimas de agressões físicas e verbais, deméritos, preconceitos e falta de apoio público, são situações recorrentes em suas vidas. Essa foi a experiência vivida por Céu Leehí, no auge dos seus 19 anos e durante a pandemia da Covid-19, que foi expulsa de casa e ficou sem o amparo de seus familiares.


Primeira acadêmica travesti do curso de administração na Unifap | Foto: Gabriela Matos/Unifap

“Eu sempre fui uma criança visivelmente trans, mas eu só fui entender e me assumir antes da pandemia começar. Acredito que é um processo de auto-entendimento mesmo. Após me assumir, fui expulsa de casa, isso um mês antes da pandemia começar. Com o começo da pandemia veio o lockdown e com isso perdi meu emprego. Em menos de dois meses fui expulsa de casa e perdi meu trabalho”, relembra.


Três anos após a terrível pandemia, Céu, agora com 22 anos, é estudante de administração na Universidade Federal do Amapá (Unifap). “Dentro do curso sempre encontrei muitas dificuldades para permanecer estudando. Diante de todas as dificuldades e preconceitos que enfrentamos todos os dias. Na Unifap, os movimentos sociais sempre batem muito na tecla da permanência de pessoas trans dentro da instituição”, conta.


Conforme citado por Céu, a educação deve ser uma frente incentivada para pessoas transgêneros. Cidadãos à margem da sociedade, excluídos e até mesmo esquecidos por políticas públicas, encontram-se sem perspectivas de vida e acabam outras formas de sustento, como a prostituição.


A educação é um direito garantido na Constituição Federal de 1988, no artigo 205, sendo um dever do Estado e da Família, originada e fomentada com a participação da sociedade. O ensino é um preparo para cidadania e habilitação para o mercado de trabalho. Entretanto, nem todos têm as mesmas oportunidades, de acordo com dados da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), cerca de 82% dos estudantes transexuais e travestis abandonam o ensino médio entre os 14 e os 18 anos. Esse abandono no colegial resulta em 0,2% de estudantes trans ocupando as instituições federais de ensino.


A Lei n° 12.711\12, também conhecida como Lei de Cotas, garante uma porcentagem de vagas em instituições de ensino público para o acesso de alunos negros, indígenas, pessoas com deficiência e estudantes de escolas públicas. No entanto, não integra pessoas transexuais e travestis.

O jovem relata a transfobia no âmbito acadêmico | Foto: arquivo pessoal

Os olhos puxados e castanhos escuros, além do estilo alternativo do estudante de sociologia da Unifap, Valentir Deniur, transmitem resistência. Ele tem 22 anos, se identifica como transmasculino e comenta que sempre foi estudante de escola pública. Em 2018, terminou o ensino médio com muitos sonhos e, logo, ingressou na Unifap. Sendo beneficiário da política de reservas de cotas para estudantes de escolas públicas e de baixa renda, dessa forma, começando sua caminhada no ensino superior.


O acadêmico destaca que no ensino superior os obstáculos para sua formação são outros comparados ao ensino médio. No ensino médio, suas dificuldades eram voltadas para barreiras estudantis. Já na faculdade, elas continuaram com o agravante dos questionamentos sobre sua existência.


A universidade pública tem a fama de lugar da liberdade e inclusão, ‘’onde tudo pode’’ e ‘’todos são aceitos’’, mas o preconceito e discriminação estão em todos os ambientes. Com isso, Deniur descobriu que as suas antigas barreiras estudantis ainda permaneciam.


‘’Foi como um choque de realidade quando entendi que alguns preconceitos se estendiam para o sistema e inviabilizavam a estabilidade e permanência acadêmica das pessoas trans’’, disse.


Valentin é resultado da política de reservas de cotas existentes nas instituições federais de ensino e acredita na democratização da destinação de vagas para pessoas transgêneros como forma de reafirmar esses espaços de ensino a pessoas marginalizadas pela sociedade.


“É importante para reduzir as desigualdades históricas e promover as oportunidades de acesso à universidade, oferecendo a oportunidade de um ensino continuado para pessoas trans e capacitando o desenvolvimento de habilidades e, consequentemente, criando mais oportunidades de emprego e participação no coletivo social’’, explica o estudante.


COTAS PARA ESTUDANTES TRANSGÊNEROS NA UNIFAP

Campus Marco Zero da Unifap | Foto: Fernando Tavares

Em dezembro de 2022, a Unifap por meio do Conselho Universitário (Consu) criou sua própria resolução para ações afirmativas destinando 75% das vagas disponibilizadas nos cursos de graduação e pós-graduação.


A resolução também totaliza cinco reservas de vagas para cada curso, direcionadas aos candidatos trans, indígenas, estudantes da zona rural, refugiados, quilombolas e estudantes de escolas públicas.


Contudo, após a publicação do edital do processo seletivo, houve resistência, essa ação afirmativa não agradou a todos. Devido à repercussão, foi aberta uma Ação Civil Pública pelo Ministério Público Federal (MPF).


O que seria uma conquista para democratizar mais o acesso à educação superior de estudantes em vulnerabilidade social, ético-racial ou de gênero foi descontinuado para esses grupos sociais.


Políticas públicas não são esmolas, são deveres e direitos com grupos sociais vulnerabilizados socialmente, conforme a Lei n° 12.711\12. A estudante Céu relata que de oito a dez pessoas trans saem da escola ainda no ensino fundamental. Com isso, serão poucas pessoas trans que terão acesso à universidade, ainda mais, das que entram encontram dificuldades. “A Unifap, enquanto uma instituição, precisa alcançar a população trans’’, pontua a estudante.


Ações afirmativas voltadas para pessoas transexuais e travestis é uma das maneiras para reduzir as desigualdades históricas e promover as oportunidades de acesso à universidade.


"Além disso, a reserva de vagas demonstra o compromisso da instituição com a inclusão e a justiça social. A presença de pessoas trans na universidade também contribui para aumentar a conscientização sobre questões de gênero e identidade, promovendo um espaço mais educativo e inclusivo", ressalta Valentin.


Nome social


Ninguém gosta de ser chamado de forma errada. Você gosta quando as pessoas trocam uma letra do seu nome? Ou então quando falam totalmente errado? O nome é importante para todas as pessoas. É a história da pessoa. É o registro. É a identidade. É a marca. É existência.


Quando você chama uma pessoa transgênero pelo nome morto é anular toda uma trajetória, é reviver o passado. Por outro lado, quando você respeita o nome social garante o direito de existir, reconhecer e dar dignidade e pertencimento a pessoa.

Na Unifap, a Resolução n° 013/2009 aprovada pelo Conselho Universitário (Consu) garante o nome social para estudantes transexuais e travestis nos registros acadêmicos, assim reconhecendo e incluindo essa população nos espaços educativos. O nome social é assegurado pelo Decreto n. 8.727, aprovado em 28 de abril de 2016 pela ex-presidente Dilma Rousseff.


"Eu fui a primeira pessoa trans da Unifap a ter acesso a nome social, mas não foi um processo fácil de lidar. Nem todos os professores aceitaram, houve resistência. A atualização do nome no sistema da Universidade também foi a primeira de algumas barreiras institucionais que encontrei pelo caminho", relembra.


Assim como Valentin, Céu também vivenciou transtornos acerca do seu tão querido nome social. ‘’Quando eu adotei o nome social, o meu pronome passou a ser outro, no início houve resistência dos professores. Quando faziam a frequência, já estava meu nome no sistema, mas por algum motivo, chamavam pelo nome morto ou tratavam por outro pronome’’, afirma.


A estudante conta que tinha que ficar destacando aos professores a maneira correta de ser chamada durante a aula, ocasionando, um desconforto para si, aos colegas de sala e professores, além disso, tinha que ficar pressionando o antigo coordenador do curso para chamar atenção dos campo docente.


Mesmo com a Unifap aderindo à obrigatoriedade do nome social, muito ainda precisa ser feito. Segundo o psicólogo Alexander Oliveira, outras medidas afirmativas devem ser pensadas para cuidar da saúde mental de pessoas transgêneros e promover políticas afirmativas de permanência desses estudantes.


"Quando pensamos no acesso de pessoas trans na universidade, é sempre bom pensar em políticas de permanência também. A assistência psicológica é um dos braços para garantir essa permanência. Devem existir campanhas de afirmação do nome social, ações de políticas acerca do direito trans na Universidade para viabilizar a continuidade do curso, criando desta forma um ambiente que garante o direito a todos os estudantes dentro da Universidade e criar um ambiente mais livre do preconceito", conclui o psicólogo.


O que é Transgênero?


Sabe aquela peça de roupa que te deixa extremamente incomodada ou aquele sapato que parece que vai comprimir o seu pé, causando desconforto, vermelhidão, queimação e calos?


Essas situações desconfortáveis aos nossos olhos parecem algo comum, mas para pessoas transgêneros pode envolver crises de identidade. Em algum momento da vida, eles ou elas já se sentiram incomodados com o seu corpo, não se reconhecendo pelos traços biológicos. Por isso, mulheres e homens transexuais e travestis se classificam na transgeneridade.


Transgênero é um termo “Guarda-chuva", significa uma denominação que pode caracterizar outros termos como classificação de homens trans, mulheres trans e travestis.



*Reportagem produzida na disciplina de Jornalismo Literário, ministrada pela professora Laiza Mangas.

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