Crônicas de professor amapaense contam sobre os desafios da adolescência
- AGCom

- há 5 dias
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Tiêgo Alencar relata como foi o processo de construção de sua primeira obra “Do avesso e outras crônicas”.
Eduardo Lima*

A coletânea “Do avesso e outras crônicas” foi lançada este mês pela editora Minimalismo. O livro traz a proposta de narrar as provações da juventude e uma jornada de autodescoberta, além de discutir sobre relacionamentos, crenças e sexualidade. Os contos foram escritos ao decorrer da vida do autor e reunidos para sua obra de estreia.
Tiêgo Alencar, 31 anos, é formado em Letras Português e Francês e professor há 11 anos. Começou a escrever quando ainda era estudante sobre suas vivências na escola. Em 2023, ao começar a lecionar no Instituto Federal do Amapá (IFAP), Campus Santana, o ambiente motivou o educador a continuar produzindo textos. Em entrevista, ele revelou os detalhes do desenvolvimento de seu primeiro livro.
Eduardo Lima: O que te motivou a escrever “Do avesso e outras crônicas?”
Tiêgo Alencar: Antes de qualquer coisa, a escola, pra mim, sempre foi um meio paradoxal. Eu sempre vivi um paradoxo na escola: enquanto aluno, essa experiência pra mim não foi tão legal, mas enquanto professor, essa experiência pra mim foi maravilhosa em todos os espaços por onde passei, enquanto docente do ensino médio e do ensino fundamental. E chegar até o IFAP (Instituto Federal do Amapá), eu não sei o que foi que os passarinhos te contaram, mas definitivamente ter vivido essa experiência no IFAP, pra mim, foi um ponto fora da curva. Eu percebi essa interação, esse diálogo com vocês [alunos], que eu poderia ressignificar um pouquinho disso e talvez repensar as minhas próprias experiências enquanto aluno, na escrita. Num dia específico, não lembro qual, não necessariamente agora, mas eu conversava com um aluno sobre escrever, sobre essa necessidade que a gente tem de as vezes não conseguir falar, mas aí a gente consegue escrever. E aí esse aluno específico pegou disse: “professor, mas o senhor já escreve. O senhor deveria escrever, porque do jeito que o senhor fala, eu consigo ler na sua voz aquilo que o senhor tá falando”. E eu fiquei muito pensativo em torno disso. “Gente, como é que pode, a pessoa dizer que tá me lendo enquanto eu tô falando sobre literatura ou sobre movimentos literários ou o que quer que seja”. Isso gerou uma fagulha na minha cabeça. Então, foi basicamente esse o cenário em que “Do Avesso” surge enquanto um livro.
Eduardo Lima: Por que “Do Avesso” como história de entrada?
Tiêgo Alencar: Bem… “Do Avesso” sempre foi uma expressão, também, que me causou algum incômodo, porque se a gente veste uma camisa do avesso, a gente tá vestido de alguma forma. Não que isso, necessariamente, seja algo ruim, mas as pessoas vão olhar pra aquilo e achar estranho: “nossa, a pessoa tá com a camisa do avesso”, muito embora isso não signifique nada em termos práticos. Eu pensei em "Do Avesso” pra começar aí o livro, a primeira crônica, porque é uma crônica que fala sobre despertar da sexualidade, algo que, pra mim, foi muito importante, que a escola teve um papel muito importante. E falar disso, pra mim, era urgente naquele momento, e pensar nessa noção de sexualidade na adolescência, pra mim, é algo que ainda precisa de uma discussão significativa, especialmente quando a gente fala de sexualidades não hegemônicas, quando a gente fala de bissexualidade, de homossexualidade. Então, “Do Avesso” surge exatamente nessa minha reflexão, quando eu paro e penso: “caramba, que estranho olhar pra um garoto e pensar que isso não é algo ruim”, porque todas as minhas experiências de proximidade com meninos foram traumáticas, eu detestava os meninos de todas as formas. E, até que um belo dia isso não aconteceu, e foi quando eu percebi que tinha sido virado do avesso, foi quando virou uma chave na minha cabeça.

Eduardo Lima: O que devemos esperar ao começar a leitura de “Do avesso e outras crônicas”?
Tiêgo Alencar: Coisas aleatórias sobre um adolescente… Tem bastante coisa sobre adolescência, sobre essa transição da infância pra adolescente. Mas eu acho que a imagem da capa não é aleatória: aparece alguém com a mão levantada, um menino, centralizado ali na escola, que a minha experiência na escola dita esse tom exatamente. Estender a mão e falar parece um ato tão natural dentro de sala de aula hoje e na minha época de estudante não era, se eu fazia isso eu era alvo, eu virava alvo por responder um professor ou dar uma resposta correta. Por incrível que pareça eu era bom de matemática na escola, sabia?! E, até o fato de responder, isso já virava uma situação, então eu acho que, entre várias coisas, dá pra esperar bastante reflexões sobre um período de amadurecimento da vida, que envolve, principalmente, minhas experiências na escola. Enquanto professor, eu senti essa urgência em falar sobre, até porque eu acho que é uma forma de olhar pra trás sem um jeito tão doloroso. Então, dá pra esperar um pouco disso tudo: histórias sobre amor, sobre aprendizado, sobre religião, sobre sexualidade, tem de tudo um pouco.
Eduardo Lima: Quais foram suas maiores inspirações e apoios para a construção do livro?
Tiêgo Alencar: Ai, nossa! Tem tantas… Só consigo pensar nas maiores, né?! Bem, pra fins de crônica, crônica mesmo, é impossível não falar do Machado de Assis, porque ele tem várias crônicas sensacionais e ele, pra mim, é o grande escritor da Língua Portuguesa. Dificilmente alguém vai chegar no nível que ele escreveu, mas isso eu tô pensando numa referência bem maior no que diz respeito à escrita. O que Machado de Assis vai falar em vários contextos, seja numa crítica social, seja na política, seja colocando polêmicas ali, por isso me inspirou muito a escrever, também, não só “Do Avesso”, acho que eu escrevo de maneira geral, tenho uma influência tremenda dele. Mas, recentemente, eu acho que posso citar um cronista, que é sensacional, chamado Antônio Prata, que eu conheci em uma revista que eu lia na época. Eu não comprava essa revista porque eu não tinha dinheiro, mas na escola as minhas amigas sempre tinham essa revista, que era a Capricho, e o Antônio Prata tinha uma coluna na revista Capricho e era justamente falando da visão dele, enquanto homem, sobre coisas do universo masculino e que também tinham a ver com o universo feminino. Eu sempre li aquilo pensando: ele é um cara escrevendo numa revista que tem o público-alvo feminino, então isso é muito interessante. Então, eu passei a olhar pras crônicas do Antônio Prata, também, como uma referência. Ele tem um livro chamado ”Adulterado”, que é uma das minhas melhores inspirações pra “Do Avesso”, que também é uma coletânea de crônicas. E quando ele menciona “Adulterado”, ele também fala sobre essa nossa visão sobre a divergência das coisas: “por que que a gente estranha tanto aquilo que destoa de um padrão, de uma norma, de algo fixo?”. E na verdade, faz parte de uma experiência que nos coloca em caixinhas. Infelizmente “Adulterado” funciona dessa jeito. E eu aprendi com Antônio Prata que a gente não deveria, necessariamente, pensar nisso como algo ruim e sim como algo que poderia ser passível de inspiração. E a última coisa que eu posso citar é a Clarice Lispector. Porque, assim, é golpe baixo falar da Clarice né, eu gosto muito das crônicas dela, ela passeou por todos os gêneros, ela tem romance, ela tem conto, ela tem tudo. E a prosa dela em conto e em crônica é um negócio fabuloso, ela nunca escreve demais, aquelas coisas imensas, mas tudo que ela coloca ali é extenso suficiente pra que a gente entenda a força das palavras dela. E ela fala sobre coisas tipo como amizade, sobre, cotidiano, sobre a vivência dela, enquanto uma mulher ali naquela sociedade, se firmando enquanto mulher escritora [...].
Eduardo Lima: Como foi a busca por uma editora que se adequasse às suas perspectivas?
Tiêgo Alencar: Foi uma saga, viu?!. Eu preciso dizer, assim, pra quem não sabe, que achar uma editora que se interesse pelo escrito do jeito como ele nasce, sem passar por toda uma questão de edição e algo do tipo é difícil. Então, eu já havia mandando “Do Avesso” pra quatro editoras e levei não de quatro editoras. Eu não sei se é porque o livro não é tão extenso, ele deve ficar aí, acho que com umas 60, 70 páginas, é um livro pequeno. E é um texto que, a meu ver, ele ainda é cru, esse é um texto que vai falar muito diretamente da minha vivência, então, assim, eu não penso muito em metáforas, eu não penso muito em coisas nesse sentido que talvez tornarem minha escrita um pouco mais densa. Eu mandei pra quatro editoras e quando eu já tinha desistido, eu estava prestes a lançar “Do avesso” de forma independente ali na Amazon como ebook e tudo mais, porque essa era uma das minhas grandes metas pra esse ano, consegui publicar “Do Avesso” de fato. Assim, pra me ajudar enquanto autor. Ai, eu vi um chamado da Minimalismos. E antes disso, eu tenho dois grandes amigos na universidade, os dois são escritores, o professor Luciano Duarte e a professora Jennifer Iara, ambos são muitos próximos, e eu já havia visto que eles haviam produzido ali. Vi os dois e pensei: “Nossa, eu vou tentar uma última vez, e se não der certo, aí eu vejo o que que eu faço daqui pro final do ano”. Estava eu, quietinho, dando minha aula quando de repente eu recebo o e-mail da Minimalismo dizendo: “Tiêgo, a gente adorou os seus escritos e seria incrível se a gente pudesse publicar isso”. E aí eu fiquei apavorado. Foi quando eu definitivamente vi que não era bobagem o fato de eu já ter mostrado pra uma ou outra pessoa “Do Avesso”. Já haviam dito que aquilo tinha potencial, mas a Minimalismo foi a editora que abriu isso. Então, quando eles receberam os escritos, avaliaram positivamente e eu dei a devolutiva dizendo “eu quero isso”, a gente tentou chegar no consenso sobre várias coisas: projeto gráfico, a imagem de capa. Eu acho que longe de querer algo grandioso, eu acho que queria algo que fosse simbólico suficiente pra marcar esse meu início numa trajetória de escrita literária e a editora fez isso muito bem.
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Eduardo Lima: Pode-se esperar outros livros no futuro?
Tiêgo Alencar: Talvez. Bem, talvez, não sei ainda, eu tenho rascunhos, com certeza absoluta. Eu tenho rascunho de romance e tenho outro rascunho de crônicas, que eles tão bem no início do projeto ainda, que precisam ser desenvolvidos. Mas eu já tenho todo um esboço, do romance em específico eu já tenho todo o esboço da narrativa e tudo. Das crônicas, eu também tenho um esboço geral do que elas vão tratar, eu já tenho duas escritas. Eu não sei como isso vai parar, mas eu acho que já posso adiantar que esse deve ser meu segundo projeto e são crônicas sobre a vida adulta. Já que eu tratei “Do Avesso” sobre adolescência e sobre essa questão toda envolvendo escola, eu acho que a minha vivência enquanto estudante de graduação aí na sua digníssima Unifap (Universidade Federal do Amapá), também foi um período que me marcou muito enquanto pessoa. Então, acho que esse meu segundo projeto com certeza deve ser uma coletânea de crônicas sobre esse meu início na vida adulta. Eu me tornei adulto em 2012, eu já tinha feito um ano de faculdade quando me virei adulto e de lá pra cá muita coisa aconteceu. Eu acho que vale a pena investir um pouquinho nisso, mas ainda é muito preliminar e eu acho que dá pra esperar algo nesse sentido. Quanto ao romance eu não posso entregar muito, mas é algo que envolve, não necessariamente uma experiência autobiográfica, mas coisas que eu vi, coisas que eu vivi, presenciei, experienciei, e que não necessariamente tem a ver com o que eu já fiz anteriormente. Eu acho que esse romance é o que eu devo fazer de mais ambicioso na minha vida, por isso que eu acho que não é um projeto pra agora. Então, é isso, tem projetos, tenho em mente, mas falta um pouquinho pra ir além.
*Entrevista produzida na disciplina de Redação e Reportagem II, ministrada pelo professor Dr. Alan Milhomem



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