No próximo dia 20 de abril, a biblioteca completará 78 anos de existência e resistência.
Por Flávia Coimbra
A Biblioteca Pública Elcy Lacerda foi fundada há 77 anos, no dia 20 de abril de 1945. O primeiro local de residência foi o prédio que agora funciona o Colégio Barão do Rio Branco, que cedeu espaço para que o – até então – pequeno acervo fosse guardado. A necessidade de sair do anexo da escola e ter seu próprio ambiente veio da popularização dos recursos ofertados, que impossibilitava uma ação que fosse compatível com a alta demanda de pesquisas escolares e empréstimos de livros. Além disso, uma doação de Acylino de Leão, famoso médico e político paraense, garantiu que a instituição tivesse material suficiente para um local maior.
O primeiro prédio da biblioteca foi construído onde hoje funciona a Escola Pequeno Príncipe, antes que o colégio fosse fundado. Depois se mudou para o antigo casarão, onde permanece até hoje. Quando a biblioteca encontrou seu local definitivo, que já tinha sido ambiente da câmara de vereadores, local de atendimento de saúde e tantas outras instituições, a simbologia se fez presente.
Um local que já tinha sido palco para muitas histórias, seria agora a casa dessas memórias, de grandes obras amapaenses e nacionais. A localização foi uma escolha estratégica, pois além de bem localizada, possui amplo espaço, próximo aos principais pontos turísticos da cidade.
Em uma época sem a existência de computadores e internet, toda pesquisa escolar era realizada na instituição, que até o início dos anos 2000 atendeu as necessidades da população. De acordo com José Pastana, atual diretor do espaço, era uma dificuldade para conseguir atendimento.
“Você ficava esperando alguém sair para poder usar a sala ou agendava para outro dia ou outra semana. As escolas não possuíam bibliotecas pessoais e toda pesquisa escolar deveria ser feita lá, piorando a situação”, frisou o diretor.
A chegada de livros didáticos nas escolas e a criação das bibliotecas particulares foram extinguindo a necessidade de frequentar a biblioteca estadual. Essa mudança inspirou uma nova maneira de prestar serviço e as bibliotecas virtuais se tornaram uma realidade, criando diferentes modalidades de funcionamento. O espaço, que até o momento possuía uma única função, foi se transformando para manter sua utilidade, por meio de programações especiais.
CULTURA E ARTE
Buscando manter a relevância, muitos projetos foram desenvolvidos na instituição. Foi criado o programa radiofônico chamado Biblioteca no Ar, que é transmitido todas às segundas-feiras na Rádio Difusora de Macapá, das 9h às 10h. O âncora do programa, e também funcionário da biblioteca, é um dos maiores escritores do estado, Paulo Tarso Barros.
As páginas nas redes sociais, como Facebook, Instagram e YouTube, são responsáveis pela divulgação das atividades. São grupos de contadores de histórias, xadrez, dança do ventre, oficinas de arte, exposições coletivas e projetos educacionais com foco em alunos de baixa renda.
Antes da pandemia, a biblioteca funcionava nos três turnos e às vezes no final de semana, com foco nos cursinhos preparatórios para ENEM e concursos públicos, para a parte da população que não poderia pagar por esse ensino. Além da preocupação com a educação, o objetivo da instituição era abrir um ambiente para que a cultura amapaense tivesse mais um espaço para se desenvolver.
Foi criado um lugar para os segmentos da cultura que não encontravam acolhimento, como é o caso do projeto Literar Amapá, que já utilizou o espaço para saraus literários, exposições, palestras, vendas de livros e apresentações de dança. “A biblioteca já atendeu várias vezes o nosso projeto, é um local que faz parte da nossa história e devemos valorizar o que nós temos", destaca Lucas Rodrigues, um dos professores responsáveis pelo projeto.
Artistas amapaenses que precisam desenvolver seus trabalhos encontram na biblioteca um espaço disponível, em parceria com o Instituto Brasileiro de Museu (IBRAM), que realiza uma semana inteira de evento, uma vez por ano.
O objetivo de despertar o interesse da população e dos artistas não acontece apenas com programações especiais, mas com a existência de salas temáticas no local. A mais famosa é a afro-indígena, que envolve, além de obras, um questionamento sobre o preconceito linguístico que parte da população sofre.
Além disso, a biblioteca conta com uma sala especificamente amapaense, responsável por guardar todas as obras locais já publicadas. A existência desse espaço é o simbolismo de uma tentativa de guardar e celebrar a cultura amapaense, sendo uma ferramenta de memória e liberdade social da cidade.
OS PROBLEMAS
Em sua segunda gestão, José Pastana garante que a necessidade da reforma era tão grande que o espaço já permanecia mais fechado do que aberto. “Encontrei uma biblioteca completamente depredada, não existiam recursos para mantê-la, o que motivou uma intensa busca por parcerias que financiassem a reforma”, conta.
Perto do fim das obras, o desabafo é que diante de tanta importância, continua não existindo verba para a manutenção do lugar. Desamparados financeiramente, a responsabilidade cai sobre os funcionários, que buscam por conta própria encontrar alternativas viáveis.
O diretor, que voltou para a coordenação em 2017, explica que o retorno para o estabelecimento foi um desafio tão grande que a vontade era desistir. “Um exemplo disso, dessa dificuldade, é a minha sala, que tinha apenas um pico de lâmpada, porque tínhamos calhas com luzes fluorescentes antigas. Não tinha recurso e faziam gambiarra, prejudicando a iluminação e a maioria das salas se encontrava desse jeito, na gambiarra. Piorou na época de inverno com muitas goteiras. Quando cheguei aqui, alagava tudo e parecia uma cachoeira, o que piorava com a questão também de conflitos com colaboradores", relata.
Após os ajustes elétricos, os espaços foram se ajustando, percorrendo um caminho ainda longe do ideal. Segundo os professores responsáveis pelo projeto Literar Amapá, além da espera, os materiais oferecidos não estavam nas condições ideais. “Os microfones, caixa de som e outros materiais não eram tão bons, e o número de mesas disponíveis poderia ser maior, com uma maior qualidade no espaço oferecido”, afirma Lucas Rodrigues.
No inverno, as goteiras do teto desgastado inundavam as salas. A parceria com comerciantes locais é um dos fatores que possibilitaram a reforma, em conjunto com o apoio da comunidade e de prestadores de serviço, como o caso de eletricistas que ajudaram em manutenções sem cobrar pela mão de obra. Com esses ajustes, foi possível transformar o sistema de funcionamento do local.
Depois das mudanças, já não era mais interessante que o atendimento oferecido fosse apenas o de leitura e empréstimo de livros, incentivando uma reinvenção para trazer a população de volta. De acordo com o diretor, muitas pessoas pensam que a biblioteca não existe mais.
FUNCIONAMENTO E REFORMA
Em obras desde fevereiro de 2022, o prazo para a reinauguração é para abril de 2023. Antes do fechamento temporário, a instituição funcionava de 8h às 18h, com capacidade reduzida devido à pandemia. Entre os planos para o retorno, estão o funcionamento noturno com programações especiais e diversificadas.
As expectativas dos responsáveis pela biblioteca englobam a criação de uma sala de meio ambiente, uma brinquedoteca e salas de gibis. Mas não foram repassadas informações sobre investimentos para que a gestão da Biblioteca Pública tenha condições de se manter ativa e atualizada. Por enquanto, o lugar permanece apenas com doações.
*Reportagem produzida na disciplina de Webjornalismo ministrada pelo professor Alan Milhomem
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