Em sua primeira edição, o Seminário debateu tema atual e localizou as questões no território do Amapá.
Por Lylian Rodrigues
Na terça-feira, dia 21 de março, aconteceu o I Seminário Raízes Culturais e Defesa das Identidades. A data foi escolhida especialmente no dia Internacional de Combate à Discriminação Racial. “Pensamos em fazer um evento em que pudéssemos juntos significar, questionar e ressignificar o que é ser amapaense com toda essa pressão da globalização cultural, do soft power estadunidense e também chinês que vai invadindo e roubando um pouco da nossa identidade, desnudando quem somos”, nos responde Artur Lopes, mentor e coordenador do projeto, coordenador no Coletivo Arte da Pleta. O Seminário contou ainda com as parcerias do Coletivo Jurema, do Fórum de Cultura Popular, Coletivo Psicodélico, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e do Senador Ranfolfe Rodrigues.
Em razão das questões de diversidades étnico-raciais do nosso estado, representantes negros e indígenas puderam debater sobre a identidade cultural do povo amapaense. Também estiveram presentes professores, pesquisadores e fazedores de arte e cultura para o debate proposto pelo evento com o desafio de buscar respostas sobre ser amapaense.
Para a professora universitária Mariana Gonçalves, do curso de história da Universidade Federal do Amapá, este debate é fundamental para estabelecer negros e indígenas como sujeitos históricos. “O sistema educacional montado ainda na criação do território e ratificado pelo Estado nos impõe um sistema educacional para o qual não existe disciplinas como história e geografia do Amapá. Entendo que isto é um processo ideológico de apagamento, silenciamento, do papel de agência que principalmente populações negras tinham até antes do território. Nos sabemos que a invisibilidade indígena é uma constante no Brasil e aqui não é diferente”, explica. Identidade é um conceito político e o debate deste seminário é como estabelecer uma política de memória, “é importantíssimo para a história problematizarmos historicamente o nosso presente”, afirma
“Sobre Identidades amapaenses, locais, tem mais afirmações do que debates e essas afirmações quase sempre hegemônicas, são de uma unicidade preocupante”, nos faz pensar a professora Mariana. Outra reflexão em torno da cultura hegemônica do Estado brasileiro diz respeito ao tombamento do Marabaixo pelo IPHAN, reduzindo apenas a uma dança, ressaltando sua corporeidade, “não como uma festa religiosa, não como uma memória, não como episódios nos quais a população negra demonstra a sua resistência, acima de tudo”, conclui. Ficam de fora elementos importantes, inclusive da comunidade, da família, da fé, do santo que é uma segunda instituição a se problematizar quando se pensar a herança da identidade.
As populações negras e indígenas têm vivido muitas batalhas neste território nacional para narrar suas histórias e heranças culturais.
“De forma geral, nós indígenas somos minorizados pela sociedade. Então, um evento como essa nos dá a oportunidade de compartilhar as nossas histórias e nossas realidades, trazendo a voz dos povos indígenas ao público para que possam eles conhecerem”, afirma Isa Karipuna, mestranda no Programa de Pós-Graduação em Letras, da Unifap e professora.
O diálogo sobre identidade, segundo Isa Karipuna, “traz reflexão sobre a valorização dos povos indígenas, trazendo consigo debates sobre preservação ambiental, cultura, educação, valores e respeito às diferenças. Dialogar sobre essa temática, resgatar a história dos povos originários, os primeiros habitantes do território brasileiro, que tem uma significativa contribuição para a cultura atual do país. Além de refletir sobre ‘os saberes e a cultura tradicional", conclui.
Dilziane Palikur é também estudante do mestrado e concentra sua pesquisa sobre a sua língua materna. “É a única identidade que nos resta. Minha língua materna, Parikwaki, é uma mistura que envolve a língua caripuna, kheoul, o francês e o português. Depois do contato com os não-indígenas, outras culturas entraram nas aldeias e a cultura tradicional foi modificada. Missionários converteram em pecado nossa cultura, nossas danças e cânticos. Hoje, nos resta a língua e ainda é ameaçada”, alerta Dilziane.
O artesanato indígena é uma forte marca identitária que resiste ao longo do tempo e em razão da ancestralidade. “É feito dentro da aldeia, ensinado de mãe para filha e para neta. A gente não faz curso, a gente constrói. Faz porque se sente bem, até a saúde fica bem”, relata a artesã indígena Dilza Palikur sobre as peças que ficaram expostas durante todo o momento do Seminário.
FOMENTO PARA CULTURA
A arte é um importante elemento na construção da cultura assim como na manifestação e na identificação de etnia, modos de vida, relações sociais e raciais. Para o coordenador do evento, Artur Lopes, este deve ser um marco histórico no sentido de um novo movimento cultural do Amapá, para repensar o que é fazer arte e cultura. “Não adianta para o gestor público lançar um edital e simplesmente dar o dinheiro para o fazedor de cultura e arte sem antes der definido para nós o que é ser amapaense, que fomento e que cultura a gente vai fomentar em razão desta identidade”, explica Artur Lopes.
Clícia Vieira é Secretária do Estado da Cultura do Amapá e esteve presente para demonstrar e firmar o interesse do Governo do Estado com um Plano de Aproximação com os municípios em áreas sede ou zonas rurais pelo viés de Cultura. Em pouco tempo, em três meses, ela já explana a participação da Secretaria em Assembleia dos Povos Indígenas do Oiapoque. “O governo vai lançar editais específicos para povos indígenas e povos quilombolas; assim como fomentos direto. Queremos dar acesso para expressões artísticas, conhecer e ser reconhecido como artistas indígenas”.
O Amapá é um recorte da Amazônia e com uma herança histórica do Pará, de forte troca cultural, “mas depois da criação do estado em 88, é um marco para se olhar como povo amapaense e fazer isso pelo viés cultural”. Para Mapige Gemaque, “os artistas têm trabalhado com temas e questões que atravessam eles, tanto no território como no lugar de falas. Todo grupo social tem uma cultura e uma construção de identidade e o que aconteceu durante muito tempo é que os artistas foram obrigados a seguir o que estava em moda na Europa e no resto do Brasil. Nós, artistas da Amazônia, hoje, estamos ocupando nosso lugar de fala, nossa territorialidade e nos colando como artistas da Amazônia diante do nosso tempo frente a nossas questões e enfrentamentos”, encerra a artista.
Comments