Fruto segue ganhando visibilidade mundo afora, é essencial na mesa dos amapaenses e fundamental para movimentar comércio local
O açaí é um fruto popular na mesa dos lares amazônicos, rico em nutrientes, como minerais, lipídios, e proteína, além da alta concentração de antioxidantes e vitaminas. Portanto, há anos compõe a base alimentar da região amazônica, seu local de origem, chamado também de “ouro roxo”, “ouro negro” ou “superfruta”.
O produto vem atraindo atenção do restante do Brasil e até mesmo do mercado internacional, que compra o açaí e transforma em outros produtos alimentícios, como xaropes, energéticos, cápsulas concentradas, sorvetes, cosméticos, medicamentos, entre outros. Com o sucesso do açaí como produto de exportação, a procura pela matéria prima vem crescendo, o que tem encarecido a venda do fruto.
O fruto possui diversas maneiras para ser produzido, que variam de acordo com sua forma de consumo. A mais comum na região norte é o açaí “batido” , em estado de emulsão, ou para acompanhar a comida no almoço, ou como uma sobremesa. São raras as outras formas de consumo além deste e do sorvete, e, até mesmo o sorvete de açaí nortista é somente a fruta batida com açúcar, sem energéticos ou leite, no máximo tem a adição da famosa tapioca granulada.
O açaí em estado emulsificado, é nada mais do que o fruto amassado para obtenção de sua polpa, para consumo fresco e na hora. Mas não pense que a polpa obtida é fina como a de sucos, o que se assemelha a consistência do suco é a “chula”, um açaí aquoso, que de tão fino, não é valorizado comercialmente. Para obtenção de uma polpa de qualidade, é necessária a descontaminação do fruto, para evitar a Doença de Chagas.
O batedor de açaí Arnaldo Carvalho, explicou quais as etapas para preparo mais comum das batedeiras de açaí do Amapá, feitas artesanalmente. Primeiramente o açaí passa pela “catadeira”, uma mesa vazada que separa o fruto dos demais resíduos, como por exemplo pedaços de talo da palmeira; em seguida passa por uma lavagem básica; depois fica de molho no cloro por 20 minutos; por fim, é feito o branqueamento.
O branqueamento é nada mais que um choque térmico. O fruto é deixado de molho em uma água de 80° por 10 segundos e em seguida adicionado à água com gelo. Esse processo é necessário para eliminar qualquer contaminação que possa existir, como por exemplo o protozoário do Barbeiro (responsável pela Doença de Chagas). Somente após todo esse manuseio, vai ser processado nas máquinas industriais para obtenção do açaí na forma cremosa, pronto para o consumo.
Lucijane é batedora e proprietária do Amazonas Açaí. Ela discorre sobre esse manuseio: “É um processo simples, mas de muita eficácia. (...) nas grandes indústrias fazem a pasteurização, que é praticamente a mesma coisa, é o choque térmico, só que aqui é um processamento artesanal”.
EXPORTAÇÃO E SUAS CONSEQUÊNCIAS
O problema da popularização do fruto é que, quanto mais comercializado, mais encarecido. Com o comércio exterior vindo na porta do ribeirinho para comprar o fruto, sobra pouco para produção local, consequentemente, aumenta o valor.
No dia 17 de maio foi organizada uma Paralisação dos Batedores no Amapá, na Rampa da Orla do Santa Inês -também conhecida como Rampa do Açaí, pois quando o fruto chega dos interiores, é vendido lá. O ato foi para reivindicar a diminuição da safra e o aumento do preço. Lucijane e Arnaldo estavam à frente da paralisação.
A batedora afirma que o Pará e o Amapá lideram os números de exportação dos últimos anos. Expõe ainda, ser a sua única fonte de renda, assim como da maioria dos batedores. “É preocupante pra gente, porque vai chegar o momento que as batedeiras vão começar a fechar, e o açaí é um alimento que tá na mesa do consumidor nortista”, alerta a empreendedora.
O deputado federal e ex-governador do Amapá, Camilo Capiberibe, expressa sua preocupação: “O açaí tá ficando muito caro no mercado local, mas isso não acontece só aqui, acontece em Belém e onde tem uma produção maior de açaí (...). Então, essa paralisação expressa uma coisa positiva e negativa ao mesmo tempo. Positiva porque o nosso açaí tá sendo vendido pelo mundo inteiro, tá chegando renda na comunidade do interior, mas tá encarecendo o produto na cidade”.
Lucijane cita também o Comitê Municipal da Cadeia Produtiva do Açaí de Macapá, recém criado, e a importância do seu papel em criar e efetivar políticas públicas que favoreçam os batedores e priorizem o comércio local. Ela e outros batedores se reuniram com o prefeito de Macapá, Antônio Furlan, e abordaram essas problemáticas.
No Brasil, o maior produtor de açaí é o Pará, seguido pelo Amazonas e o Maranhão. Porém, segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o amapaense é o maior consumidor de açaí do país. A pesquisa aponta que, em média, uma única pessoa consome 26 litros de açaí por ano no Amapá.
POLITICAS PÚBLICAS LOCAIS
"Esse olhar para o açaí como instrumento poderoso de desenvolvimento econômico e geração de emprego e renda, é uma coisa que remonta ao Programa de Desenvolvimento Sustentável do Amapá (PDSA)”, conta o Dep Camilo. Ele narra as realizações feitas na gestão do ex-governador João Capiberibe, como o lançamento de uma linha de financiamento através da Agência de Financiamento do Amapá (AFAP) para modernizar as batedeiras.
Posteriormente, no governo de Camilo Capiberibe, foi lançado um programa através da Secretaria de Ciência e Tecnologia, para treinamento dos batedores, garantindo assim, o manejo adequado do produto, que elimina qualquer risco da Doença de Chagas.
Surge em maio deste ano, o Comitê Municipal do Açaí, por iniciativa da gestão municipal, em parceria com os mandatos do deputado Camilo e da vereadora Janete Capiberibe, da Embrapa-AP, da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP) e da Universidade Estadual do Amapá (UEAP). O objetivo do Comitê é criar políticas públicas que garantam a ampliação da cadeia produtiva e a sustentabilidade local.
A melhora da infraestrutura da Orla do Santa Inês para os ribeirinhos que trazem o açaí dos interiores é uma das políticas idealizadas pelo comitê que já está em implementação. Neste sábado (12), ocorreu a inauguração de uma das três tendas propostas e a instalação de banheiros químicos na Rampa do Açaí.
Além disso, o Comitê visa investir na expansão dos açaizais, para aumentar a produtividade do plantio, gerando fruto para dentro e fora do estado. O deputado afirma que pretende-se realizar uma reunião com o Banco da Amazônia (BASA), a fim de verificar a possibilidade de financiamento para as propostas.
O deputado cita alternativas que poderão colaborar para o alcance do objetivo do Comitê: "As formas de aumentar a produção, para um ciclo mais rápido, são o avanço tecnológico que a Embrapa pode fornecer e o treinamento dos ribeirinhos para que possam expandir seus açaizais e aprimorar o manejo.”
Camilo finaliza reforçando que atualmente, o ouro roxo é uma das maiores fontes de renda para o Amapá e a Amazônia, gerando 3 bilhões de reais de divisa para o Brasil. Apesar de haver lucro local, fora do país, o lucro é ainda maior, pela diversidade de produtos fabricados além da polpa.
INOVAÇÃO NA FORMA DE CONSUMO
Sabe-se das cápsulas, cosméticos, xaropes, etc. feitos com o açaí, mas, recentemente começou a ser produzido o Café do Açaí. Pode parecer estranho um café que não é feito do fruto dos cafeeiros, mas, quem já provou afirma que o sabor é bem semelhante.
Rosilan Farias é sócia da Raízes do Açaí, uma empresa paraense que produz café a partir do caroço do açaí e palmito da palmeira. Ela conta que a criação foi inspirada em uma reportagem sobre a produção ribeirinha dessa maneira não tradicional de café, em Altamira, no Pará. A idealização foi de seu tio, que já trabalhava com açaí, mas é uma sociedade tripla entre ela, o tio e sua irmã.
A produção ocorre em uma “fabriqueta” na Ilha do Ipanema, no município de Afuá. Os caroços são comprados dos ribeirinhos das Ilhas Queimadas, mas, também há parceria com algumas batedeiras de Macapá, devido à proximidade geográfica. A empresa preza pela sustentabilidade, pois o caroço utilizado para produção antes era descartado. A intenção dessa produção é, também, gerar renda para a comunidade da Ilha, que foi fundada pelo seu bisavô.
Este café é uma alternativa para pessoas hipertensas ou ansiosas, que não podem ingerir cafeína, pois é muito nutritivo. “A gente viu isso como uma oportunidade de negócio, mas não só isso. Uma oportunidade de mostrar pro mundo a potência desse fruto, hoje a gente tem até cápsulas de açaí, né? Mas no caroço é onde tem o maior valor nutricional”, relata Rosilan.
Ela descreve o processo desde pegar o caroço do açaí até obtê-lo no estado final do café. Os caroços devem ser fornecidos logo após a despolpa, inicia-se o produção na higienização dos grãos, depois ficam aproximadamente 5 dias no sol para secar. Após isso, vão para torrefação e moagem. É bem parecido com o modo de produção do café tradicional, a maior diferença é que ele é peneirado para retirar os resíduos do fruto do açaí.
“As pessoas que provam, geralmente ficam surpresas porque o gosto é muito parecido com o café tradicional, só que mais suave. Tem pessoas que dizem que lembra um pouco o açaí. Cada um tem uma experiência, isso é lindo de se ver”, conclui Rosilan sobre o sabor deste curioso produto. A empresa Raízes do Açaí comercializa seus produtos em Belém e Macapá.
Assim como Rosilan, Lucijane vê o café do açaí como uma ótima oportunidade de investimento e conta que já possui estudos que comprovam que o valor nutricional é muito potente. Segundo a batedora, já existem pessoas iniciando a produção de café de açaí em Macapá.
INVESTIMENTO EM TECNOLOGIAS
No Amapá, surge outro empreendimento inovador, a marca de açaí indígena: Uasei, que é produzida pelos povos indígenas do Oiapoque, município do Amapá. O açaí do Oiapoque já é popular no estado pela sua qualidade e sabor puro, porém, não existia produção grande o suficiente para comercialização.
Martinho Damasceno é da liderança dos Povos Indígenas. Segundo ele, o projeto iniciou há muito tempo, mas somente este ano foi possível montar uma batedeira padrão, no KM 18 da BR-156, na Aldeia Manga, gerando renda para os povos indígenas.
São 5 jovens que trabalham todos os dias na batedeira, eles recebem açaí de fornecedores fixos e de famílias indígenas que quiseram vender o fruto para a unidade de processamento. Nesta primeira etapa, o açaí é fornecido aos povos indígenas e à população de Oiapoque. Em Macapá, a venda acontece através de encomendas e, com o objetivo de aumentar a produção, também é disponibilizado aos estabelecimentos comerciais da capital, como restaurantes e pousadas.
O projeto só foi possível graças a parceria dos Povos com o Conselho de Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque (CCPIO), a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), The Nature Conservancy (TNC) e o Instituto de Pesquisa e Formação Indigena (Iepé), que se reuniram para estabelecer como seria o funcionamento da batedeira e o sistema de produção.
Martinho relata que a Embrapa forneceu um curso para os povos indígenas aprenderem sobre o açaí, seu manuseio e as tecnologias para fabricação. “Foi um ganho muito grande para nós, já está começando através desse curso. Já estamos começando a trabalhar com a nova batedeira, o novo modo de fazer o açaí, de produzir a polpa do açaí para vender (...) É muito importante para nós, tá sendo uma fonte de renda”, ele finaliza.
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