Os Caps na luta antimanicomial no Amapá
- AGCom

- há 20 horas
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Como os Centros de Atenção Psicossocial, que representam a força da reforma psiquiátrica, vêm encarando as realidades e dificuldades atuais na atenção à saúde mental.
Por Allan Valente**

Marcado pela reforma psiquiátrica ao final dos anos 1970 e meados dos anos 1980, o movimento de luta antimanicomial desafiou o estigma e o preconceito na sociedade, sob o olhar não apenas da dependência química, como também de pessoas dentro do espectro de vulnerabilidade mental.
Criada a partir da quebra de padrões em tratamentos baseados em internação compulsória, a luta antimanicomial partiu da insatisfação de técnicos, familiares e dos próprios doentes, que foram privados de sua liberdade ao longo da história. Hoje, graças a esse movimento de reforma na psiquiatria brasileira, as políticas de tratamento oferecerem alternativas de recuperação e liberdade ao paciente.
O Amapá vem seguindo esse modelo, mas ainda sofre pela falta de infraestrutura. Os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) são instituições públicas voltadas para empregar essas políticas. No Amapá, eles já têm mais de 14 anos de atividades, cuidando de pessoas com dependência de álcool, drogas e transtornos mentais. O estado todo conta com oito Caps, dentre eles, o Caps AD/Espaço Acolher, localizado no bairro do Laguinho, e o Caps Gentileza, no bairro Jesus de Nazaré, ambos em Macapá (AP).
Ana*, 49 anos, e Rogério*, 58, são pacientes do Caps AD, ambos dependentes de substâncias lícitas e ilícitas. Os dois são moradores de rua, vivendo onde já foram as antigas instalações do Caps, na esquina da Rua Hamilton Silva com a Avenida Cora de Carvalho, na capital amapaense.
Seu Rogério foi abandonado pela família e Ana, após o assassinato do filho e a prisão de seu esposo, abandonou sua casa, preferindo entregar-se ao vício. É visível a degradação física e mental dos dois indivíduos, vivendo em condições subumanas, dormindo sobre colchões rasgados e em condições mínimas de higiene.
“Estou há cinco meses sem fumar crack. Creio no Meu Deus que vou permanecer limpa. Não quero mais encostar droga na minha boca”, promete Ana. Ela afirma não ter parado o tratamento, mas continua bebendo. Seu Rogério é de poucas palavras, mas diz que também irá aderir ao tratamento e beber menos.

Avanços e desafios
O Centro de Atenção Psicossocial oferece aos seus pacientes a liberdade para entrar e sair, por isso sua criação. De acordo com o atual coordenador do Caps AD, Rômulo Pantoja, o Centro veio para substituir os manicômios, sem isolar o indivíduo da sociedade. Implementa uma política de redução de danos, uso reduzido de substâncias, mas também a ressocialização do indivíduo na sociedade. “O Caps desempenha um papel de suma importância dentro de uma Raps [Rede de Apoio Psicossocial]. O paciente é acolhido e trabalhamos com ele essa reinserção social. Tentamos retomar os valores sociais perdidos com o uso de substância” explica o gestor.
Apesar dos resultados efetivos no trabalho, com altas e revisões médicas nos planos terapêuticos dos pacientes, Rômulo diz ainda sentir entraves na falta de uma unidade de atendimento e albergues para comportar os pacientes. “Muitos de nossos pacientes estão em situação de rua e vulnerabilidade social. Eles até têm casa e família, mas por causa do uso de drogas não podem mais voltar”, lamenta o coordenador.
Mesmo com resultados positivos no tratamento, a gestão de programas como o do Caps apresenta fragilidades em alguns pontos. O manual de referências técnicas para a atuação de psicólogos, defendido pelo Conselho Federal de Psicologia, aponta tópicos na gestão que desfavorecem um melhor desempenho nos trabalhos oferecidos pela rede de tratamento. Fatores como falta efetiva de investimentos e atravessamentos políticos partidários revelam uma saúde pautada em políticas de governo e não de Estado, podendo atrapalhar o desenvolvimento dessas ações sociais geridas pelo órgão público.
“Hoje o movimento de luta antimanicomial virou um movimento político, onde pessoas defendem pautas políticas. Acabou tirando a discussão sobre o assunto”, avalia o psicólogo Mateus Oliveira, que já trabalhou no Caps e, hoje, afastado da instituição, tece duras críticas ao encaminhamento tomado.
Mateus alega que o movimento renegou a ciência e a mão-de-obra especializada. “A grande dificuldade é que eles elegeram um inimigo, a psiquiatria. Como a saúde mental vai funcionar sem a psiquiatria?”, questiona. E complementa: “Outra problemática é conseguir profissionais médicos para otimizar o serviço. Qual profissional médico vai querer trabalhar no Caps, uma instituição com poucos recursos?”, indaga.

Para o psicólogo Antônio Carlos Silva, os tratamentos do centro psicossocial ainda são insatisfatórios porque os pacientes precisam de assistência psicológica e a demanda é maior que a oferta. “O colaborador, por si só, não pode fazer o trabalho sozinho, ele precisa de investimento, de compreensão de dados quantitativos estimados de população atendida”, observa.
O psicólogo se refere à carência de profissionais e de informação sobre a quantidade exata de pacientes recuperados no Centro. Os profissionais das redes de atendimento da saúde mental não sabem estimar dados quantitativos ou qualitativos sobre o tratamento oferecido. “Sim, tivemos significativos ganhos desde a reforma psiquiátrica em relação à luta antimanicomial, para revermos a ideia de prisão no tratamento da saúde mental. Mas entendemos também que ainda há uma lacuna em termos quantitativos”, alerta Silva.
Realidade
Conforme informações do site do Governo Federal, o orçamento investido na saúde mental no país aumentou 53%, com previsão de investimento no valor de R$ 4,7 bilhões, tendo uma expansão considerável.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que mais de 1 bilhão de pessoas sofrem com problemas relacionados à saúde mental no mundo; destes, 14% são adolescentes que estão predispostos ao uso de entorpecentes e suicídio. O Ministério da Saúde registrou, de 2022 a 2025, dados contínuos no aumento de pessoas em casos de ansiedade e depressão no Brasil.
O Caps AD no Amapá atende em média mil pacientes, de acordo com seu coordenador Rômulo Pantoja. Um número excedente que merece uma revisão das autoridades da saúde, melhorando o atendimento e a eficiência no tratamento e na luta antimanicomial para que pessoas como Rogério e Ana possam viver com mais dignidade e cidadania.
*Nomes fictícios
**Matéria produzida na disciplina “Laboratório de Produção Jornalística”, ministrada pela professora Ma. Jacqueline Araújo.




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