A maior ameaça ocorre nos territórios de Savana. Faltam investimento, monitoramento e combate para preservação do ecossistema no estado.
Anália Barreto e Giovane Brito
A pluralidade da Amazônia amapaense se expressa na sociobiodiversidade do seu território que, em 142.815 km², abriga diferentes ecossistemas e comunidades singulares. No entanto, essa riqueza é ameaçada por empreendimentos hidrelétricos, extração de madeira, mineração, o crescente rebanho bubalino em campos alagados e a monocultura do grão da soja, na savana amapaense.
O Amapá está inserido completamente no bioma Amazônia e 72% de suas terras são áreas protegidas, segundo o Atlas das Unidades de Conservação do Estado do Amapá. O território é composto pelos ecossistemas de florestas tropicais, terra firme e várzea, manguezais no litoral e a savana amazônica, que se caracteriza pela formação de vegetação semelhante à do Cerrado.
O monitoramento e a proteção em áreas de florestas freiam a destruição. Diagnósticos anuais do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), operado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), apontam que o Amapá tem a menor taxa de desmatamento da região amazônica. Porém, quando se olha para além das florestas amazônicas, não se tem informações concretas sobre a exploração que atinge os outros ecossistemas do Amapá.
De acordo com o pesquisador Marcelo Carim, do Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE), é necessário pesquisar para quantificar a utilização desses territórios. “No Amapá, não se tem uma visão clara dessa exploração. Você sabe que tem ocupação, você sabe que tem a intenção de produzir grãos, você sabe que precisa transformar campos, mas o que está sendo explorado de fato!? A ideia ainda é uma incógnita. Você tem que conhecer o ambiente, é necessário estruturar estudos sobre”, explica o pesquisador.
Monitoramento no Amapá e seus desafios
O Prodes gera dados de desmatamento por corte raso na Amazônia Legal, desde 1988, tornando-se referência no combate ao desmatamento. Essas informações são fundamentais para formulação de políticas públicas de combate à derrubada da floresta. Entre 1988 e 2020, o Amapá registrou 1.696 km² de área desmatada, o que corresponde a menos de 0,40% do índice total de desmatamento da Amazônia Legal para este mesmo período, conforme o Prodes.
Quando falamos em desmatamento e monitoramento no Amapá, é imprescindível considerar a posição geográfica do estado, localizado na região costeira, próxima ao Oceano Atlântico, que dá condições específicas e únicas ao território no país. Esse é um primeiro desafio para o monitoramento. O Amapá está situado na faixa equatorial sob forte influência da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) que caracteriza o céu da Amazônia amapaense com alta incidência de nuvens o ano inteiro. Segundo Cláudia Funi, especialista em geoprocessamento e ordenamento territorial do Núcleo de Pesquisas Aquáticas do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Amapá (Iepa), a presença desse fenômeno na região dificulta o mapeamento das alterações nas coberturas da terra pelo monitoramento Prodes.
“O Amapá é um dos estados com maior incidência de nuvens do planeta. Então, nessa metodologia, é necessária a luz do sol. Com as nuvens não é possível ver o que está embaixo. A gente sai perdendo em relação aos outros estados que não têm essa dificuldade porque, às vezes, o Amapá fica até 90% encoberto, e isso reflete nos dados que apontam uma baixa no desmatamento”, defende Cláudia.
No Plano de Prevenção e Controle de Desmatamento, Queimadas e Incêndios Florestais do Estado do Amapá (PPCDAP) também consta a observação sobre a ZCIT e sua influente cobertura, havendo a necessidade de separação das imagens de satélite com 20% de nuvens a menos e da utilização da metodologia visual e manual para alcançar menor interferência na construção do Boletim de Desmatamento no estado. Lúbia Vinhas, pesquisadora da Divisão da Terra e Geoinformática no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), explica que a construção da metodologia do monitoramento Prodes considerou o contexto da Amazônia e suas características particulares “como padrões de chuva e cobertura de nuvens a depender da latitude para definir quais as melhores janelas de observação nas imagens por satélite”, explica.
Segundo a pesquisadora, a própria análise garante que a taxa seja uma estimativa que considera os anos anteriores como parâmetro. “A gente vem utilizando o Prodes porque a série é importante, você consegue saber se o desmatamento aumentou ou diminuiu. O Prodes tem uma metodologia clara e aberta e o que ele entrega é baseado nessa metodologia”, complementa Lúbia.
Um segundo desafio é a característica do desmatamento amapaense, geralmente realizado em ramais e espacialmente menores que a imagem capturada pelo sistema nacional. Entretanto, fragmentos menores conseguem ser vistos por meio da metodologia utilizada pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema). O diretor de desenvolvimento regional da Sema, Marcelo Almeida, afirma que a metodologia utilizada pela Sema para monitorar o desmatamento no Amapá também é baseada em sensores ópticos, mas diferente do Prodes, cuja resolução espacial é de 30m². A Sema analisa imagens que podem chegar até 5m² de resolução espacial. “A taxa Prodes é para comparação, a nossa metodologia consegue enxergar muito mais desmatamento que o Prodes. Usamos uma tecnologia bastante rudimentar, você vai fazendo manualmente e temos 3 ou 4 técnicos analisando as imagens por ano”, explica.
Utilizando-se de metodologia manual, o desmatamento contabilizado pelo Boletim do Desmatamento no Estado do Amapá, entre 2002 e 2020, foi de 3.104,79 km². O Relatório Anual de Desmatamento no Brasil 2022 mostra, respectivamente, Pará, Amazonas e Mato Grosso como os líderes do ranking de alertas de desmatamento, enquanto o Amapá ocupa a 23º posição. O que poderia trazer ao Amapá a certeza do estado mais preservado da Amazônia. Mas, um porém: no Amapá, a savana amazônica não é monitorada nem pelo Inpe, nem pela Sema.
O que acontece na savana, fica na savana
No contexto amapaense, a savana amazônica corresponde a 889.714,6945 km², localizados em 11 dos 16 municípios do estado. Esse ecossistema para os instrumentos de monitoramento, tanto na esfera federal quanto na estadual, é caracterizado como área de não-floresta e não possui nenhum instrumento de fiscalização do uso, ocupação ou conservação.
Na pesquisa Padrões espaciais e temporais do desmatamento na Reserva Extrativista do Rio Cajari, de Cláudia Funi, a savana amapaense é de uma condição única em toda a Amazônia. Somente na nossa região há contato da savana com o Atlântico e com a floresta de terra firme. Funi acredita que muito do desmatamento que ocorre no Amapá acontece no encontro entre a floresta e a savana, correspondente à área sem monitoramento. “Nas imagens ópticas de monitoramento por satélite do Prodes, esse encontro entre a savana e a floresta também é considerado não-floresta e todo o desmatamento que acontece nessa faixa deixa de ser avaliado para a taxa”, complementa Cláudia.
O instrumento público mais recente que se tem sobre a savana amapaense é o Zoneamento Socioambiental do Cerrado do Amapá (ZSC), que indica o ecossistema com “grande potencial para a produção de grãos, silvicultura e pecuária”, ressaltando a proximidade com os mercados importadores a fim de tornar a savana amapaense “um ecossistema competitivo no mercado internacional”.
No entanto, um estudo realizado pela Embrapa, em 2007, já apontava que o aumento das emissões de gases do efeito estufa - entre eles o CO² - também são atribuídos às práticas agrícolas como a aplicação de fertilizantes, revolvimento do solo ou incorporação de resíduos. A instalação do cultivo de soja se mostra uma ação contrária ao enfrentamento à crise climática.
Além disso, a única lei que versa sobre áreas de savana é o Código Florestal Brasileiro, Lei Nº 12.651 de maio de 2012, no Cap IV. Estabelece que somente 35% desse ambiente deve ser preservado dentro da Amazônia legal e os outros 65% podem sofrer exploração. Para subsidiar a criação de um Código Florestal Estadual, que direcione o uso da savana aqui no Amapá, são necessários estudos de impacto ambiental, reconhecimento de fauna e flora bem como dos recursos naturais.
Para Marcelo Carim, atuante na pesquisa de não-florestas no ZEE do Amapá, o monitoramento só será possível nesse ecossistema quando houver a criação de uma métrica. “Precisa ser funcional, ela tem que entender um ambiente como um todo, com suas complexidades e talvez essa condição da Amazônia que é muito mais da nossa Amazônia”, afirma.
A Coordenadora para Clima e Serviços Ambientais da Sema, Mariane Nardi, ressalta a importância de uma estrutura governamental para o monitoramento do ecossistema de Savana e conta como a falta de verba dificulta na ampliação e manutenção da preservação do meio ambiente no estado do Amapá. "Devido a taxa de desmatamento do estado constar nos monitoramentos como uma das menores do Brasil, cria-se uma dificuldade de investimento para preservação do estado, afetando o combate à destruição dos nossos ecossistemas e a criação de políticas públicas ambientais", explica Nardi.
Mesmo com as dificuldades de investimento para proteção e desenvolvimento de políticas de preservação ambiental no estado, algumas ações vêm sendo realizadas como o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento e Queimadas no Amapá (PPCDAP) e o Programa de REDD+ Jurisdicional e Voluntário. O primeiro busca a redução do desmatamento e das queimadas no Amapá enquanto o segundo incentiva, por meio de recursos financeiros, atividades florestais sustentáveis que contribuam para o cuidado e controle dos serviços derivados das florestas.
Para este ano, a Sema-AP prevê o lançamento do Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE), até o final de 2023. Esse será o diagnóstico com maior dimensão da savana, revelando relação sistêmica e conectividade com os demais ecossistemas. Com a divulgação dessa pesquisa, ainda sem data de lançamento, será possível delimitar medidas de preservação das biodiversidades presentes no estado e incentivar alternativas de uso sustentável dos recursos naturais e utilização econômicas e sociais adequadas a realidade cultural e regional da área pesquisada. Os monitoramentos são indispensáveis na criação de políticas públicas voltadas para a proteção ambiental, através de mapeamento para apoiar o planejamento territorial da localidade em algumas vertentes, mas principalmente auxiliar no entendimento da realidade dos locais que ainda passam pelo processo de descobertas científicas.
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