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Novos horizontes, velhas saudades: os caminhos da migração amapaense

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    AGCom
  • 2 de nov.
  • 6 min de leitura

IBGE aponta que o número de amapaenses vivendo em outros estados mais que dobrou. ​


Por Paulo Rafael

O porto é um dos pontos de partida de muitos amapaenses. Foto: Fecomércio AP.
O porto é um dos pontos de partida de muitos amapaenses. Foto: Fecomércio AP.

Com um crescimento de mais de 100%, a quantidade de amapaenses morando em outro estado passou de 36,2 mil para 74,2 mil, entre 2010 e 2022. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Amapá registra hoje o terceiro maior percentual de saldo migratório negativo do país, com uma taxa de –2,40%. O número dá forma concreta a uma percepção popular: há mais pessoas deixando o estado do que chegando.

“O que a gente esperava como resultado do Censo é isso, saber quantos saíram e para onde foram. Hoje a gente já sabe que os que não ficam no Pará, seguem para o Sul e, posteriormente, para o Nordeste, Sudeste”, explica Joel Lima, geógrafo e chefe da Seção de Disseminação de Informações do IBGE no Amapá.

Em um estado sem ligação rodoviária com o restante do país, os caminhos dessa migração são marcados pelo simbolismo. Seja no balanço das embarcações sobre o Rio Amazonas ou no silêncio dos portões de embarque no aeroporto de Macapá, esse fluxo deixa de ser apenas número e passa a ser feito de histórias e, sobretudo, saudade.


Em busca de oportunidades no Pará


“A decisão de mudar foi impulsionada pela busca por uma formação de qualidade em Medicina Veterinária, com estágios, congressos, cursos e outras oportunidades acadêmicas que são oferecidas nesse estado que é o mais próximo do Amapá. O fato de estar mais perto também foi importante para minha escolha”, relata Laura Paixão, de 26 anos.​

A proximidade apontada pela veterinária é parte de uma relação histórica. Até 1943, o Amapá fazia parte do Pará, e essa ligação se reflete até hoje em semelhanças culturais. Mas não é só o hábito de comer açaí com peixe que conecta os dois estados. O Censo 2022 aponta que a cada 10 pessoas que saem do Amapá, quatro vão para o Pará. O estado é o que mais recebe migrantes amapaenses, com 12.848 pessoas entre 2017 e 2022.


Registro de Laura Paixão em Belém. Foto: arquivo pessoal.
Registro de Laura Paixão em Belém. Foto: arquivo pessoal.

“Enfrentei alguns ajustes, mas não tanto culturais, já que temos uma ‘cultura parecida’. Há uma aproximação em termos de comida, pessoas, alguns ambientes, cultura, gírias. Porém, não se compara quando falamos de oportunidades e infraestruturas”, comenta a veterinária.


Além dos motivos pessoais, é preciso considerar aspectos socioeconômicos do Amapá. O estado tem um dos piores índices de desenvolvimento humano (IDH) do Brasil. Segundo dados do IBGE, no 2º trimestre de 2023, a taxa de desocupação estimada para o Amapá foi de 12,4%. De acordo com dados de 2024, o rendimento domiciliar per capita é de R$1.514,00.

No outro lado, está Santa Catarina, com uma das menores taxas de desocupação do país (3,5%) e rendimento domiciliar per capita de R$2.018. Este é o segundo destino mais popular entre os amapaenses que deixaram o estado.


A vida no sul do Brasil


Joel Lima em seu ambiente de trabalho no IBGE. Foto: Paulo Rafael.
Joel Lima em seu ambiente de trabalho no IBGE. Foto: Paulo Rafael.

Santa Catarina recebeu 6.267 amapaenses entre 2017 e 2022. Já o estado do Paraná ficou em terceiro lugar, com 3.309 migrantes amapaenses neste mesmo período. “Hoje Santa Catarina é o estado que tem a menor taxa de desocupação. Não é que a pessoa que foi para lá olhou os dados e foi, não. Ela ouviu de um amigo que foi ‘olha, lá eu consegui emprego, então lá tu consegues um emprego’”, comenta o chefe da Seção de Disseminação de Informações do IBGE no Amapá, Joel Lima.


​Ele também explica que o IBGE considera os perfis distintos entre os que escolhem o sul do país e os que preferem o Pará. “A nossa tese é que, talvez, esse nosso conterrâneo que está indo para o sul, vá se empregar na atividade rural, ou nos empregos comerciais. Já aqui no Pará é mais em busca desses empreendimentos minerais ou onde tem essas grandes atividades econômicas daqui”, comenta.


Para Iuana Rios, 28 anos, os motivos são mais complexos. A acadêmica partiu de Macapá para Curitiba, no Paraná, há oito anos. “Não me sentia muito segura em alguns lugares andando sozinha, e a noite eu evitava 100%. Em relação à saúde pública, que eu pouco usei, não por falta de vontade, mas porque o acesso não era muito bom”, explica.


Ela cursa Design de Produtos e vê melhoria na qualidade de vida na capital paranaense. “Me sinto relativamente segura. O acesso à saúde é fácil e rápido. Tanto eu quanto minha família sempre tivemos assistência do posto de saúde. O transporte público é muito bom e o trânsito não é algo que incomode. Tem muita coisa para fazer, muito local aberto e fechado para visitar e aproveitar momentos de lazer”, relata.


​Mesmo satisfeita, Iuana sente falta das amizades que construiu no Amapá. “A parte mais especial do estado para mim são as pessoas e os relacionamentos que tive durante a vida lá. A comida vem em segundo lugar, com certeza. A culinária é incrível e é algo que faz muita falta aqui. Apesar de ter acesso às culinárias do mundo inteiro, o fato da comida do Norte não ser mais parte do dia-a-dia faz muita falta”, relembra a jovem.


​A historiadora Alessandra Vales, pesquisa a história social do trabalho e os processos de migração, e compreende o lado difícil de partir. “A maioria dos que vão embora fica longe dos familiares, então tem a saudade e a falta de amparo afetivo. São alguns dos impactos”, aponta.


Migrando mais cedo


Apesar de novas oportunidades, ir embora do Amapá também significa abrir mão de um calor que aquece muito mais que a pele. A falta do açaí é apenas o símbolo de uma saudade que acompanha quem cresceu ao som das marcantes do brega, do cheiro de pitiú das feiras e do pôr do sol inigualável perante o rio Amazonas.

O santanense Luiz Cardoso, 22 anos, lembra da família ao contar que deixou o Amapá em busca do sonho de ser pesquisador. “O que mais pesou para mim foi pensar que deixaria aqui minha mãe, meu bem mais precioso, minha família e meu amigos. Até porque, foram quase 21 anos vivendo aí, não seria fácil deixar tudo de uma hora para outra”, comenta.


Luiz e a mãe, Socorro Benjamin, no dia de sua despedida (Foto: arquivo pessoal).
Luiz e a mãe, Socorro Benjamin, no dia de sua despedida (Foto: arquivo pessoal).

Ele se formou em Tecnologia em Secretariado em 2024, e com a aprovação no mestrado em administração, na Universidade Estadual de Maringá, ele partiu. “No dia que fui, tive bastante pessoas que me acompanharam até o aeroporto, estar ali ainda não parecia real, mas estava acontecendo e foi então que a ficha caiu”, relembra.

O Censo 2022 mostra que o Amapá é o terceiro estado com população mais jovem do país, com idade média de 27 anos. É justamente essa juventude a que mais deixa o território. Grande parte dos migrantes são pessoas em idade universitária ou em busca de emprego que o mercado local não oferece.

A experiência de Luiz se assemelha à de Iuana. “Acredito que o mais difícil foi a questão de não ter minha base afetiva aqui. Chegar em casa e não ter minha amiga para conversar ou no fim de semana não ter como ir ver meus pais, irmãos, sobrinha e cunhadas. Tudo isso foi difícil de se adaptar, de acreditar que estava sozinho ali”, explica.

A migração de jovens pode significar uma transformação sociodemográfica para o Amapá no futuro. “Isso vai impactar no crescimento. Por isso que a gente tinha antes uma estimativa de alcançar um milhão de habitantes por volta de 2046. Hoje a gente já espera que em 2045 comece a reduzir a população no Amapá. Isso com os dados que temos hoje”, comenta Joel Lima.

O geógrafo aponta que esses impactos modelam as políticas públicas que serão pensadas pelos governos. “Quando a gente fala em impacto, não necessariamente é ruim, porque, por exemplo, se você estimava que ia precisar de vagas de creche para 60 mil crianças e agora você precisa só de 40 ou 50 mil, significa que vai precisar fazer menos investimento. Então é importante saber dessas informações para investir adequadamente”, destaca.

Alessandra Vales acredita que a migração pode significar alteração na produtividade amapaense. “Poderia ser uma mão de obra que traria benefícios econômicos para o Amapá”, explica.

Apesar de não ter dados específicos por faixa etária, o IBGE considera a maioria de migrantes interestaduais como “pessoas em idade economicamente ativa”. Entre eles, 31,5% têm de 20 a 29 anos, e 19,8% de 30 a 39 anos.

No entanto, os projetos econômicos no Amapá podem influenciar fortemente na vinda de novos habitantes. “No censo de 2030 já pode mudar porque está tendo um movimento de possível crescimento da migração para o Amapá”, detalha Joel.

Até lá, cada barco que parte do porto de Santana ou avião que decola de Macapá, o Amapá perde mais do que números em tabelas, perde histórias, laços e futuros possíveis. Os dados do Censo de 2022 revelam um alerta e uma reflexão: é possível permanecer no estado?

As vozes de Laura, Iuana, Luiz e tantos outros amapaenses lembram que a migração não é somente estatística. “A sensação é de estar sozinho. Mas espero um dia retornar e retribuir todo esforço que fizeram por mim”, sonha Luiz.

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