top of page
  • Foto do escritorThales Lima

Moradores do Bailique cobram por uma solução definitiva para a falta de água doce no verão

Resposta pode estar no inverno com o armazenamento da água da chuva. A Prefeitura não tem uma data para implementar uma solução no arquipélago.

(Foto: Katiane/Arquivo Pessoal)

Há quatro meses sofrendo com a salinização das águas do rio Amazonas, moradores do arquipélago do Bailique, a 180 quilômetros de Macapá, ainda não possuem uma solução efetiva para a falta de água na região, durante o verão. Comunidades temem que mais uma vez o inverno chegue e não seja desenvolvido nenhum projeto que viabilize a doações de caixas d’águas para armazenamento da água da chuva.

Morando há vinte anos na comunidade do Livramento, Katiane dos Santos, 36 anos, pescadora artesanal, possui uma dinâmica anual para tentar se manter na época das águas salgadas no rio Amazonas, armazenando água doce da chuva na sua caixa d’água.

“Alguns tem caixa e se preparam, a gente armazena esperando esse período do salgado. Porque ele vem chegar, isso é natural. Ocorre de setembro a janeiro. A gente tem que se organizar pra isso. Só que tem algumas famílias que não conseguem se organizar, principalmente aquelas carentes. Elas não têm depósitos de água”, comenta Katiane.

Moradores do Livramento armazenam água da chuva durante o inverno e reutilizam quando o rio fica salgado. (Foto: Katiane dos Santos)

A pescadora comenta que a ajuda temporária da Prefeitura de Macapá foi, somente, no mês de outubro. Na época, cada família recebeu 15 pacotes contendo seis garrafas com 1,5 litro cada. O que amenizou a situação, porém não trouxe uma solução mais efetiva. Após esse período, não veio nenhuma visita ou ajuda por parte da Administração Pública Municipal.

“Então, essa ajuda é temporária. Uma família de 5 ou 6 pessoas, ela acaba dentro de uma semana. Não resolve o problema. O que eu gostaria é que fosse doado caixas d’águas para essas famílias. Que elas possam armazenar sua água com caixas d’águas de 3 mil litros, 5 mil litros durante o inverno, e as famílias tratam sua água com hipoclorito, cloro”, exclama a pescadora.

Segundo a Prefeitura de Macapá, foram distribuídos ao todo 28. 830 fardos de garrafas d’água e atendeu mais de 80 comunidades no Bailique. No entanto, trouxe um novo problema para as comunidades. Um grande acúmulo de garrafas pet descartados na natureza são relatados por moradores.

SOLUÇÃO SUSTENTÁVEL

No início de dezembro, começam as grandes chuvas na região, durante 6 a 8 meses. O que seria oportuno à coleta dessa água doce e armazenamento para ser utilizada durante o verão, quando a água fica salgada.

A Prefeitura de Macapá diz que está realizando os estudos na região, juntamente com o Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá (IEPA) e teve auxílio de um pesquisador do Nordeste especializado em dessalinização. Além disso, com recurso do programa Calha Norte, pretende adquirir 700 cisternas com capacidade de 10mil litros para armazenar água da chuva, mas não revelou quando as cisternas serão instaladas.

Outra iniciativa que está em fase final de instalação para solucionar o problema da falta de água no Bailique é desenvolvido pela Associação das Comunidades Tradicionais do Bailique – ACTB. O Projeto “Água e Vida” tem financiamento internacional holandês e busca ser um modelo a ser replicado pelos governos, prefeituras ou entidades.

“A ideia é muito simples, são caixas d’águas de 5 mil litros que vão ser distribuídas para cada comunidade de acordo com o número de famílias. A ideia é atender nessa etapa 28 comunidades, com no mínimo 700 litros de água por família. Obviamente não é o suficiente. A gente fez um cálculo muito simples, no mínimo uma família utiliza 16 mil litros de água para beber, fazer comida e tomar banho. O projeto vem contribuir muito com os custos de cada família”, explica Geová Alves, presidente da ACTB.

O projeto mostra que a solução pode ser construída do conhecimento da comunidade, aproveitando das características que a região possuí (Foto: Katiane dos Santos)

O presidente da associação fala que, sem saída, os moradores têm duas opções: buscar água doce muito longe ou comprar água mineral. O projeto teria o objetivo inicial de minimizar os custos de vida com a compra de água mineral ou combustível para ir buscar água. E posteriormente, aumentar essa quantidade de litros d’água por família. O Projeto Água e Vida iniciará a instalação das caixas d’água no início de janeiro e pegará os 8 meses de chuvas.

“O projeto é isso, uma mudança. Porque a gente percebe que todo ano a Prefeitura decreta estado de emergência, mas não faz nada. Apenas compra água mineral e distribui nas comunidades, o que ajuda, mas não é suficiente. E acaba levando outro problema para dentro da comunidade que é o acúmulo de garrafas pet”, completa Geová.

SALINIZAÇÃO DAS ÁGUAS

O fenômeno da salinização das águas do rio Amazonas acontece todos os anos, devido ao baixo volume de chuvas na região influenciado por variabilidades climáticas como os La Niña ou El Niño. Ou seja, La Niña forte é o Amazonas jogando mais água para o oceano. El Niño forte o rio Amazonas estaria jogando menos água para o mar.

Outro fator importante destacar é a localização do arquipélago do Bailique, na foz do rio Amazonas, estando suscetível a esse fenômeno. O que chama atenção dos moradores é a intensidade da salinização do rio nos últimos anos. Ocorrendo sempre no período de setembro a janeiro, com a volta das chuvas na região.

Não há nenhum estudo que encontre uma verdadeira justificativa para o aumento da salinização. Mas pesquisadores acreditam que o fenômeno pode estar relacionado com a instalação de usinas hidrelétricas, na extensão do rio Araguari. Imponente rio que tinha sua foz no oceano, acima da foz do rio Amazonas. Conhecido por ocorrer o fenômeno da pororoca, que não existe mais. Atualmente parte do rio está morrendo e, com o tempo, onde era sua foz já existe vegetação.

Ao todo são três Usinas Hidrelétricas (UHE), geridas por capital privado instaladas no Amapá: UHE Coaracy Nunes, operação desde 1976; UHE Ferreira Gomes, operação desde 2014; UHE Cachoeira Caldeirão, operação desde 2016. Foi ainda durante testes de uma das turbinas para o funcionamento da UHE Ferreira Gomes que ocorreu uma grande mortandade de peixes no rio Araguari.

Outro fator provável que pode ter influenciado com o enfraquecimento da foz do rio Araguari está relacionado com a criação de búfalos na região. Aliado a fenômenos de grandes chuvas que alagam o solo, surgem valas com o pisoteio dos animais. Essas depressões contribuem para um alargamento do Canal de Urucurituba, por onde o rio Araguari desvia seu curso e deságua no rio Amazonas.

Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade Tropical – PPGBio mostrou que o aumento do Canal Urucurituba está provocando diversos impactos na região do Baixo Rio Araguari. (disponível: https://www2.unifap.br/ppgbio/2018/01/17/estudo-mostra-alteracao-na-foz-do-rio-araguari-que-levou-ao-fim-da-pororoca/)

Segundo a geóloga especializada em geofísica marinha, Valdenira Santos, pesquisadora do IEPA, não dá para dizer com exatidão quais seriam as causas da salinização nas águas do rio Amazonas devido à falta de dados sobre os eventos naturais. Mas acredita que deva estar relacionado, também, ao aumento do nível do mar.

“O aumento do nível do mar pode trazer esse aumento do nível de sal, pela questão do oceano chegando mais perto da terra. Se essa entrada do mar tentar pela foz, vai encontrar muita água doce sendo jogada pelo Amazonas. Hoje a mistura da água doce e salgada, ela acontece a vários quilômetros lá pra costa. Mas tudo depende da variabilidade climática que diminui a quantidade de água doce, então a água fica mais salobra”, conta Valdenira.

A pesquisadora frisa a necessidade de serem construídos dados desses eventos para entender quais as causas e quais medidas serão necessárias. Chama a atenção pelo fato da zona costeira do Amapá estar abaixo do nível do mar. Pela ausência de dados, não é possível medir quais impactos trariam para a sociedade.

“Hoje, o que tem que fazer é ter dados confiáveis para planejamento de obras, por exemplo. Os tomadores de decisão precisam ter informações e dados para tomarem decisão. O conhecimento local é necessário. Essas informações são necessárias para que lá no futuro não tragam novos problemas. Trabalhando junto com a natureza”, encerra a Valdenira.


0 comentário
bottom of page