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Marabaixo: dança de lamento e patrimônio cultural

No Sábado de Aleluia, 08 de abril, inicia no Amapá o Ciclo do Marabaixo, que acontece até a celebração de Corpus Christi, em 11 de junho.


Por Camila Biank


Na sexta feira, 31 de março, ocorreu a abertura do Ciclo do Marabaixo, maior manifestação cultural do Estado do Amapá. O evento aconteceu por três dias consecutivos, realizado por meio da Central do Ciclo do Marabaixo no Centro de Cultura Negra do Amapá, fundação que fomenta, reconhece, valoriza, e preserva a cultura negra no Estado.


Foto: Camila Biank

O encontro de diversas comunidades como a Favela e o Laguinho, comemorou mais uma abertura do Ciclo, que ocorre anualmente como um evento anterior ao próprio Ciclo do Marabaixo. A programação da abertura contou com homenagens das coroas de santo da Santíssima Trindade e Divino Espírito Santo, apresentações de rodas de capoeira, show de música com Verônica dos Tambores, retirada dos mastros, distribuição de gengibirra, caldos, feiras de Afro-empreendedora e quilombola, exposição do museu do negro, e claro, muita dança do Marabaixo.

Apresentação da Verônica dos Tambores agita a festa do Marabaixo. Foto: Camila Biank

De acordo com a ativista cultural e marabaixeira Daniela Ramos, a abertura do Ciclo do Marabaixo e das comemorações feitas em barracões é importante porque reúne todo mundo em um só ambiente. Esse ano foram montados cinco barracões, dentre os principais estavam o da Tia Biló, matriarca do Marabaixo do Laguinho, que era filha do Mestre Julião Ramos, o precursor do Marabaixo no Amapá e líder da comunidade negra na década de 40 e 50; e também havia o barracão do Mestre Pavão, neto de seu Julião Ramos.


Neste ano cinco barracões foram montados em comemoração ao Ciclo do Marabaixo: dois do Laguinho, dois da Favela, e um que veio de Campina Grande, que realiza há 20 anos o projeto revivendo o Ciclo do Marabaixo na Zona Rural, que é a simbologia do que acontece no bairro do Laguinho e da Favela. Cada barraca representa uma cor e uma ornamentação diferente, umas com exposições das coroas da Santíssima Trindade e Espírito Santo, e outras com culinárias como caldo, porco guisado, arroz, maniçoba, vatapá, entre outras degustações; e também ofereciam o que não podia faltar em nenhum dos barracões: a distribuição da gengibirra, bebida símbolo do Marabaixo.


Marabaixeiros dançam com alegria e entusiasmo. Vídeo por Camila Biank


Durante a noite agitada com o período de três dias de festa, a população amapaense foi prestigiar de perto o evento histórico cultural. Diante de barracas afro quilombolas havia variedades de vendas atrativas com artesanatos, pinturas, esculturas, fotografias, vendas de todo tipo de acessórios artesanais. O momento não atrai apenas amapaenses mas também pessoas de outros Estados, como o caso do jovem mineiro de 26 anos, Jônatas Araújo. “Eu tô encantado, porque eu participava de movimentos negros, então tudo que é voltado pra nossa cultura eu gosto de me envolver, eu gosto de participar. E eu tô achando uma oportunidade incrível de poder conhecer mais sobre a cultura negra aqui do Estado”, diz o jovem entusiasmado.


O jovem mineiro Jônatas Araújo tirando sef com os amigos no evento. Foto: Camila Biank

O CICLO DO MARABAIXO


O Ciclo do Marabaixo começa no Sábado de Aleluia, 08 de abril, e termina no dia de Corpus Christi, 11 de junho, nominado como o dia do Senhor. Em Macapá, normalmente o Ciclo é comemorado no Centro de Cultura Negra, localizado no bairro Laguinho, onde os marabaixeiros alojaram-se quando saíram da frente da cidade. Além disso, a celebração do Ciclo do Marabaixo tem uma característica diferente: é comemorado na casa de festeiro e sua família - congregação um pouco mais fechada -, desse modo não cabe realizá-lo no Centro de Cultura Negra. De acordo com a Marabaixeira Daniela Ramos, “o Ciclo do Marabaixo é uma festividade de tradição secular realizado pelas famílias tradicionais descendestes dos negros africanos que moravam em frente a cidade, no lago de São João, onde hoje é a praça Barão, e a vila Santa Engrácia, hoje conhecida como a praça Zagury”, diz Daniela.

A comemoração do Ciclo é dividido em dois momentos, o religioso e o momento lúdico que envolve as danças e a interação de apresentações entre as pessoas e as artes expostas.


Em entrevista à Agcom, a Diretora e Presidente da Fundação Marabaixo Josilana Santos, diz que: “Eu sou mulher, marabaixeira, negra, feminista, quilombola e amazônida. É uma responsabilidade muito grande porque eu venho dos movimentos sociais, e a gente assume esse espaço com o dever de fazer gestão e política, e garantir ações afirmativas para o nosso povo que tanto precisa. A população negra é a maioria, a população nesse Estado tem uma cor, tem uma raça, e é preta. Então isso precisa ser visto em todos os espaços. E o Ciclo do Marabaixo é um dos maiores eventos tradicionais da nossa cultura, da nossa religiosidade. Começa no sábado de aleluia vai até o domingo do senhor, de abril a junho, e aqui a central – na abertura do Ciclo - foi uma síntese do que acontece dentro dos barracões. Então o sentimento é que a luta é constante”, esclarece com alegria nos olhos Josilana Santos.


Marabaixeiras em preparo para dança do Marabaixo. Foto: Camila BiankFoto: Camila Biank

Marabaixo é um dança de lamento trazida pelos negros africanos. Laura Ramos, uma das maiores representantes do Marabaixo, pedagoga e artista, explica que, “esse nome Marabaixo, segundo Luiz Pereira que é um estudioso, se dá nessa travessia de África para o Brasil. Como demorava muito tempo eles diziam que iam de mar abaixo, e dentro desses navios negreiros os negros eram uma embarcação como se fosse uma mercadoria. O Estado do Amapá não foi um porto de desembarque de negros escravizados. Portanto, os negros que aqui chegaram são advindos do Maranhão, Rio de Janeiro e Salvador, que aportaram por Belém. Como naquela época o Amapá fazia parte do Grão-Pará, muitos deles vieram para cá para a construção da Fortaleza de São José, e desembarcaram ali pelas bandas do Mazagão Velho”, conta Laura Ramos.


Laura Ramos diz também que o Marabaixo é a maior e mais autentica manifestação cultural do Estado do Amapá, sendo uma dança de cortejo religioso do catolicismo de preto, que traz santos homenageados no ciclo da programação, como a Santíssima Trindade e o Divino Espírito Santo. A dança acontece em círculos e com os pés arrastados no chão, “esse arrastados de pés no chão simbolizam possivelmente, como é uma dança de negros, dança de senzala, representa os negros acorrentados aos pés um dos outros, por isso que essa dança se dá com esse movimento arrastado com os pés no chão”, diz a marabaixeira Laura Ramos.


Laura Ramos do Marabaixo, descendente do Mestre Julião Ramos, Neta da tia Biló, junto a amigas marabaixeiras. Foto: Camila Biank

O PRECONCEITO QUE IMPEDE O CONHECIMENTO


Embora o Marabaixo seja conhecido e reconhecido como um Patrimônio Cultural do Estado do Amapá, ainda assim há muitos amapaenses que desconhecem a história do Marabaixo, e muitas vezes se utilizam de falas preconceituosas sobre essa manifestação. Nesse contexto, o preconceito racial enraizado ainda impede que a sociedade tenha conhecimento sobre esta manifestação cultural.


A pedagoga Laura Ramos pontua que a “Lei 10.639 nos dá obrigatoriedade para que a história africana e afro-brasileira seja contada na sala de aula. Então é inevitável nós falarmos dessa lei, trabalharmos essa lei, [...] que é a nossa cultura, que é nossa história; e que de forma lúdica, pedagógica a gente trabalhe o Marabaixo de boa. E Marabaixo é um tema transversal, porque você trabalha a ciência, geografia, matemática. Você constrói uma caixa de marabaixo, você precisa de medidas, para você falar do espaço onde nós vivemos; você estuda geografia, pra falar dos versos ladrões do marabaixo, você vai para o português, então é um emaranhado de coisas”, afirma, a pedagoga.


MARABAIXO ALÉM DA DANÇA


Quem diz que o Marabaixo é só dança ainda não conhece de fato o que é este patrimônio histórico cultural do Amapá. O Marabaixo vai além da dança, é uma construção histórico cultural dos pretos africanos que chegaram ao Brasil, os quais creem em um espírito divino, como a Santíssima Trindade e o Espírito Santo. A representação é em coroas nas quais são adornadas fitas com a metragem das pessoas que fazem promessas. Em dia de missa são feitas ladainhas rezadas em latim, e há todo uma preparação de comemoração depois que finaliza, desde cafés da manhã a almoço. Além disso, os marabaixeiros baseiam-se no calendário da Igreja Católica, tanto que o primeiro marabaixo se dá no Sábado da Aleluia, e no domingo há o Marabaixo da Páscoa, que é o dia da ressurreição. Nesse sentido, percebe-se que há todo um procedimento que reúne a dança, as crenças, e as práticas culturais dos marabaixeiros.


A marabaixeira Valdinete Costa diz que, “o ciclo do Marabaixo é uma festividade tradicional do Estado, capital Macapá, é a única festividade tradicional da capital que homenageia a Santíssima Trindade e o Divino Espírito Santo”.


Coroa divina. Foto: Camila Biank

Para a história do Amapá, o Marabaixo é o maior símbolo de construção histórica e sociocultural do território. “Apresentar a cultura e a culturalidade do nosso Estado, do nosso povo preto para o mundo, é nosso dever. E é o dever de qualquer gestor fortalecer isso. E o sentimento é que demos um passo. Não é a nossa vitória mas nós já vencemos uma batalha dessa grande guerra que é contra a discriminação racial, cultural, política; e é isso, tô feliz, e a ideia era comunicar, educar o povo sobre o Ciclo do Marabaixo que é nossa maior e mais autentica manifestação cultural brasileira”, conclui a Presidente da Fundação do Marabaixo, Josilana Santos.


DIVISÃO DO MARABAIXO ENTRE A COMUNIDADE DO LAGUINHO E DA FAVELA


Na época que os negros escravizados chegaram na capital Macapá para a construção da Fortaleza de São José, mais tarde eles foram construindo suas casas aos arredores da frente da cidade e realizavam as concentrações do manifesto do Marabaixo nestes lugares. Entretanto, não demorou muito tempo para que essas famílias fossem retiradas do local.


Valdinete Costa. Foto: Camila Biank

Quando veio o primeiro governador Janari, que foi popularizar, organizar a cidade, e colocar prédios institucionais, ele tirou as famílias para saírem da frente da cidade, e deslocou-as para os dois bairros tradicionais, na época Laguinho e Favela. Essa festividade que era feita coletivamente se separou porque uns foram para a Favela, que hoje é o bairro do Santa Rita, e outros vieram para o Laguinho. Então quando houve essa divisão as famílias continuaram com a manifestação, mas cada um onde morava”, relata a marabaixeira Valdinete Costa.

Exposição de fotografias que mostram os antigos marabaixeiros festejando o Marabaixo no Laguinho. Foto: Camila Biank

GENGIBIRRA, A BEBIDA DOS MARABAIXEIROS


Nas rodas de Marabaixo para cantar as cantigas precisa de uma boa entonação vocal, ter o gogó afiado, e a gengibirra além de alegrar a roda de dança, serve para fortalecer as cordas vocais, o que potencializa a voz dos catadores.

Gengibirra, bebida símbolo do Marabaixo. Foto: Camila Biank

A marabaixeira Solange do Carmo Costa, da comunidade Capinas Grande diz como é feita a bebida. “A gengibirra é a bebida tradicional, se usa nas rodas de Marabaixo, nas festas de santo, que é confeccionada por gengibre, açúcar e água ardente. Ai ela é triturada, colocada no liquidificador, depois a gente coa, a gente deixa ela descansar, abaixa uma tapioca, e a gente tira o excesso, uns dizem que é isso que dá aquele ardume da gengibre”, explica dona Solange.




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