top of page

Isolamento social agrava casos de violência contra a mulher no Amapá

Foto do escritor: Lorena LimaLorena Lima

Apesar da redução de boletins de ocorrência em 2020, o medo da contaminação pela Covid-19 tranca vítimas de violência doméstica com seus agressores.

Foto: Lorena Lima

Durante o ano passado, as medidas de combate à proliferação da Covid-19 como o isolamento social impediram mulheres de denunciarem a violência doméstica. A campanha #FiqueEmCasa apresenta risco às vítimas trancadas com os agressores, na maior parte das vezes o próprio esposo ou namorado. Os homens, acostumados com o ciclo de agressão, vão contra os protocolos de segurança da vida e integridade dessas mulheres.

O isolamento social durante a pandemia do Novo Coronavírus registra redução dos índices de violência, no Brasil. Em contrapartida, a violência contra a mulher teve aumento significativo. Só no município de Santana, em 2019, houve 1.780 registros de ocorrência, 193 inquéritos policiais e 190 medidas protetivas; enquanto em 2020 foram 1.511 boletins de ocorrência. Apesar da redução de registros em comparação a 2019, o ano de 2020 apresentou aumento de medidas protetivas, de 190 para 234.

Em Santana, no mês de outubro do ano passado, a Polícia Civil realizou a Operação Penha, dirigida pelo delegado Edimilson Ferreira. A ação fiscalizou medidas protetivas e descumprimentos junto a agressores que utilizam tornozeleiras eletrônicas.

Segundo o delegado, as delegacias da mulher realizam atendimento 24h e a ligação para o 190 garante a prisão em flagrante dos agressores. “As mulheres têm medo e vergonha de ir a delegacia denunciar, mas a partir do primeiro ato de violência é preciso se dirigir a uma unidade de atendimento à mulher para que seja feito o registro de ocorrência ou registrar na internet, no site da Polícia Civil, onde faremos uma intimação para que ela compareça na delegacia”, explica ele.

Site da Polícia Civil do Amapá, acesso em: http://www.policiacivil.ap.gov.br/

O delegado informa sobre o atual número de boletins. De Janeiro a 15 de Abril de 2021, já se tem 1.497 boletins de ocorrência de violência contra a mulher e 44 requerimentos de medidas protetivas.

Edimilson Ferreira ressalta que a medida protetiva tem uma função pedagógica extremamente importante, pois inibe na mente do homem a possibilidade de agredir novamente uma mulher. “Ele vai pensar dez vezes antes de bater, porque vai pensar que o descumprimento da medida pode leva-lo a prisão, não será réu primário e vai ter antecedente por mais que a mulher não se sinta segura”, comenta.

Para a coordenadora da União Brasileira de Mulheres, Sandra Cardoso, a medida protetiva não é efetiva. “A lei Maria da Penha garante a proteção, mas ano passado dois ou três casos de vítimas do Feminicídio, assassinato da mulher por ser mulher, tinham registrado a medida protetiva. A medida protetiva não está protegendo”. Ela afirma que o ideal seria a efetiva utilização da tornozeleira eletrônica para monitorar todos os casos.

Foto do Facebook União Brasileira de Mulheres UBM

“Há a rede de atendimento a mulher, mas ela é falha, há uns furos que precisam ser costurados. As mulheres que atendem não têm o perfil nem o conhecimento para fazer atendimento de maneira adequada. As mulheres que denunciam enfrentam dificuldade, pois ligando para o 190 ainda precisam aguardar serem encaminhadas para as delegacias e esperar a disponibilidade de profissionais para atendê-las. Muitas vezes não há contingente/transporte disponível para atender”, comenta Sandra.

MACHISMO

Maria Carolina Monteiro, advogada e diretora presidente do Instituto Nacional contra a Desigualdade Social, acredita que a sociedade dita como a mulher deve ser: dona de casa, esposa, ter filhos e servir ao marido. “Quando a gente vai ascendendo às classes, a gente vê uma independência financeira e as de periferia não pode simplesmente largar o relacionamento, já que sua estrutura de vida está atrelada ao agressor, o provedor. Sem essa estrutura, como a mulher vai se sustentar? E, por isso, ela anula seus desejos e vontades em favor de oferecer a vida para os filhos e sustentabilidade, mesmo com todas as humilhações e violências.”

A advogada fala sobre os resquícios de um estado patriarcal, machista, que não respeita a mulher e a enxerga como objeto, que o dono da vida dela é outra pessoa que não ela. E, para isso, citou como exemplo a Legítima Defesa da Honra. “É uma tese de defesa em casos de violência de gênero. Exemplo, um ex-namorado não aceita o término do relacionamento e assassina a mulher e quando esse caso chega ao Poder Judiciário, principalmente Tribunal do Júri, que julga os crimes contra a vida, usa o argumento de que o acusado, o réu, usou da violência para defender a própria honra”.

Imagem: Justiça do Brasil

Ela explica a acusação contraditória à mulher, que de vítima passa a ser a culpada: “a mulher traía, provocava ciúmes e tendo como resultado morte. Essa tese já foi muito aceita no poder judiciário pelas cortes locais, regionais, e até mesmo nacionais, com muitas divergências. Até ser peticionada uma ação descumprimento, dizendo que aquele dispositivo da lei estava em desacordo com a Constituição Federal, da lei do Código Penal, o qual deve defender os direitos fundamentais e o direito pela vida”.

O STF, no ultimo dia 15 de março, divulgou que esse dispositivo é inconstitucional - a defesa da honra - e não existe nenhum motivo justificável dentro da Constituição Federal para tirar a vida de uma pessoa em razão de ciúmes, para defender a honra.

Para Maria Carolina Monteiro esse tipo de decisão serve pra refletir e tomar como aprendizado de que esses argumentos não cabem mais no século 21, essa ordem constitucional é de que homens e mulheres são iguais perante a lei. “Mas nós ainda criminalizamos o aborto, um absurdo. Deveríamos pegar como exemplo a vizinha Argentina, onde já se descriminalizou, por ser uma questão social e não de crime. É uma questão de saúde pública. Atinge todas as classes sociais, mas as que morrem são as que não têm condições de custear um tratamento”.

MOVIMENTO PELA VIDA DA MULHER

Organizadoras do Levante Feminista realizaram, virtualmente, palestras em lives e publicaram posts nas redes sociais como campanhas educativas para mulheres. O Levante é um movimento apartidário nacional e foi idealizado por quatro mulheres, no Rio de Janeiro. Chega ao estado do Amapá com o objetivo de combater a violência contra a mulher e o feminicídio; não deixar chegar ao final do ciclo da violência e prevenir, dando uma chance a estrutura da mulher.

Imagem do Instagram Levante Feminista Amapá

Uma das atuantes no Levante, a fisioterapeuta Anne Pariz, trabalha com campanhas de enfrentamento a violência contra a mulher nas redes sociais e comenta que é difícil receber as informações assim como ter acesso às mulheres que sofrem violência. “A rede de apoio online existe para que mulheres se comuniquem entre si. Mas infelizmente não chega às mulheres da periferia, que não tem internet. Elas não conseguem sair do cenário por medo de perder o provedor da família, que alimenta a família. É uma relação muito mais complexa do que apenas dizer ‘apanhou, denuncia’”.

Para a fisioterapeuta, a Rede de Atendimento a Mulher ainda não conseguiu montar um eixo que consiga dar sequência aos cuidados dessas vítimas. “No Amapá a rede de atendimento é a mais bem feita, mas não consegue se unir para fazer um atendimento coletivo. Falta um cronograma. Nós do movimento social brigamos para a organização desse sistema”. E ela conclui: “precisamos estar alerta aos vizinhos, sempre escutando as conversas, ir para as redes sociais e defender mulheres, estimulando-as a denunciar, conversar e não sofrerem sozinhas”, ela explica.

Dados do Levante Feminista 2021

A universitária e coordenadora geral do Levante Feminista, Alícia Manuela Miranda, conta que há um levantamento interno de dados de violência contra mulher. Segundo ela, “os dados não são organizados, não se tem uma rede para que seja colocada a disposição. O anuário de violência está mais difícil de acessar com a pandemia, para se acessar com a sociedade, estão demorando mais tanto nacionalmente quanto no estado. Por isso fazemos um levantamento interno no Levante”.

A coordenadora conta que as mulheres encontram dificuldades para fazer denúncias e não se sabem quais delegacias estão funcionando. “Eu trabalho com mulheres todos os dias, atendemos mais de 20 mulheres, houve um aumento significativo de casos. Não se tem dados para afirmar isso, os anuários não são atualizados, o governo não está preocupado em fazer a coleta de dados e operacionalizar esses resultados e trabalhar essas subnotificações”.

Dados do Levante Feminista 2021

E complementa: “As mulheres não sabem o que é de fato a violência, se limitam a ideia de ser só a física. Se esquecem de que há a violência psicológica, verbal e patrimonial. Na física, se consegue ver um olho roxo, um soco. Mas não se dá pra ver que a autoestima da mulher está destruída, porque o homem não a deixa se arrumar, não deixa falar com os amigos, o famoso ‘ele não me bate, só não gosta que eu fale com as minhas amigas, que eu saia com elas, que eu use roupas provocativas porque outras pessoas podem se interessar por mim, ele me ama tanto’. Ou usa o dinheiro que ela tem. A violência tem um ato sutil”.

Dados do Levante Feminista 2021

Apesar de sermos 52% das votantes no Amapá, não há políticas voltadas para as mulheres, “os gestores não tem sensibilidade pelas causas”, afirma Sandra Cardoso. “Enquanto não houver mais mulheres no poder, ainda continuaremos engatinhando. Precisam-se defender as demandas pela causa. Há 15% delas em todos os espaços de poder no parlamento, e apenas 30% de cota do partido, mas não temos 30% garantidas no parlamento. As mulheres realizam triplas jornadas de trabalho, não há divisão de tarefas domésticas em casa”, conclui.

O delegado Edimilson Ferreira afirma que seria importante incluir pautas de violência doméstica nas escolas, a partir da educação infantil para meninos conscientes da forma correta de se tratar uma mulher contra as violências estruturais do machismo. O patriarcado é uma problemática de todas e todos na sociedade, e por isso compartilhar conhecimentos e informações sobre as diversas violências de gênero é uma forma de auxiliar no combate à violência doméstica e diminuir as alarmantes taxas de feminicídio no Amapá.


Se você for vítima de violência doméstica, física, psicológica, moral, patrimonial ou sexual, não se cale nem sofra sozinha.

Denuncie

Disque: 190 (violação dos direitos humanos)

180 (violência contra a mulher)

Site da Polícia Civil:

Site abaixo-assinado:

0 comentário

Comments


WhatsApp Image 2022-05-15 at 14.41.58 (1).jpeg
  • Branca ícone do YouTube
  • Branco Facebook Ícone
  • Branco Twitter Ícone
  • Branca Ícone Instagram
bottom of page