Caminho do sangue: a jornada que começa na solidariedade e termina em vidas salvas
- AGCom

- 28 de jul.
- 5 min de leitura
Atualizado: 31 de jul.
Histórias de quem doa e de quem recebe mostram o impacto da doação de sangue no Amapá.
Por Bruno Ribeiro e Yasmim Lima*

O sorriso do estudante de Geografia na Universidade Federal do Amapá (Unifap) Alisson Nogueira, 24 anos, voltou depois de uma transfusão de sangue que ele nunca saberá de quem veio. No Amapá, onde o índice de doadores de sangue ainda está abaixo do ideal, cada bolsa coletada é uma chance de vida — às vezes, a única. Enquanto o Instituto de Hematologia e Hemoterapia do Amapá (Hemoap) luta diariamente para manter os estoques abastecidos, histórias como a de Alisson revelam que, por trás de cada agulha, há um ato silencioso de amor capaz de salvar até quatro pessoas.

Alisson Nogueira descobriu que estava com dengue hemorrágica em fevereiro de 2025, próximo do período de Carnaval, época em que os estoques de sangue geralmente estão em baixa. “Quando eu descobri que eu estava com dengue, eu fui para o hospital só com o diagnóstico de dengue, né? Aí no hospital, eu comecei a sangrar bastante e enquanto eu ia fazer o exame, passei eu acho que mais duas semanas internado. Eles descobriram que eu estava com as plaquetas muito baixas e foi aí que o médico precisou pedir as bolsas de sangue para o Hemoap”, lembra o estudante.
A doação de sangue é um ato solidário que desempenha um papel vital na saúde e na sobrevivência de inúmeras pessoas. É um gesto que pode parecer pequeno, mas é capaz de transformar destinos. Pacientes com doenças crônicas, vítimas de acidentes graves ou submetidos a cirurgias complexas são apenas alguns dos que dependem diretamente das transfusões para continuar vivendo.
O procedimento é simples, seguro e rápido. Realizado por profissionais capacitados, consiste na retirada de até 450 ml de sangue, quantidade que o corpo repõe naturalmente em até 72 horas. Antes de seguir para uso hospitalar, todo o material passa por um rigoroso processo de testagem para garantir que esteja livre de doenças transmissíveis como HIV, hepatites B e C, sífilis e HTLV.
Para Alisson Nogueira, a doação foi muito importante. “Depois que a gente passa por essa situação que a gente se importa muito mais e vê o quanto é importante é. A gente tá bem, aí não se importa, a gente nem lembra, tipo o que é o Hemoap, mas quando a gente passa por uma situação dessa, acho que a gente se importa muito mais”, afirma o estudante. A ajuda dos amigos e familiares também foi essencial neste momento. “Eu soube (da campanha) depois que eu saí, que muita gente postou e eu consegui 32 bolsas de sangue. Consegui bastante até. Aí, o médico disse, ‘Olha, eu tô vendo bastante gente postando, tem gente que eu conheço e tudo mais’", disse.

Para onde vai o seu sangue?
Quando se pensa em doação de sangue é comum a seguinte imagem: uma cadeira, uma agulha, uma bolsa enchendo lentamente. O que muita gente não sabe é que, depois desse momento solidário, o sangue embarca em uma jornada científica e essencial.

Nós acompanhamos o caminho do sangue no Hemoap, desde a coleta até o destino final: o braço de alguém em estado crítico. Após os testes laboratoriais, o sangue é fracionado: um mesmo volume pode dar origem a bolsas de hemácias, plaquetas, plasma e crioprecipitado (é um produto derivado do plasma fresco congelado com alta concentração de fibrinogênio). Ou seja, uma única doação pode beneficiar até quatro pessoas diferentes, com necessidades específicas.
O material aprovado é armazenado em condições rigorosas de temperatura e enviado aos hospitais públicos e privados do estado, conforme a demanda. Em casos de emergência, como acidentes graves ou hemorragias em partos, a rapidez na entrega dessas bolsas pode ser a diferença entre a vida e a morte. “Uma doação salva quatro vidas, porque uma bolsa, pode ir para quatro pessoas diferentes ou até mais, por exemplo, um recém-nascido às vezes, precisa de 30 ml, para fazer um volume de sangue, então, eu tenho uma bolsa de mais de 200 ml que ele pode ficar tomando ou essa bolsa pode ser transferida a outros pacientes”, explica a diretora técnica do Hemoap, Hellen Bittencourt.

O cenário no Amapá
De acordo com o Ministério da Saúde, o Brasil possui cerca de 3,1 milhões de doadores regulares, o que representa apenas 1,6% da população. No Amapá, o índice é um pouco melhor: aproximadamente 2%, o que representa perto de 15 mil doações registradas por ano. Ainda assim, está abaixo da recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), que sugere de 3% a 5% da população para garantir estoques suficientes.
Segundo a direção do Hemoap, o estado precisa de 80 a 90 doações por dia para manter os estoques em níveis seguros. Porém, em períodos como férias escolares, festas de fim de ano e feriados prolongados, as doações caem, ao mesmo tempo em que aumentam os acidentes e a demanda hospitalar.
Para a diretora técnica do Hemoap, o Amapá está acima da média, mas ainda não é o ideal. “Hoje o nosso estado está em torno de 2%. Ainda tá um pouquinho longe da meta, mas a gente sempre faz a comparação com o Brasil, em que a média é de 1,7%, estamos acima, mas ainda não é o ideal. Estamos sempre com déficit porque a nossa rede de saúde tem aumentado, tem se expandido, mas a doação de sangue é voluntária, ela depende desse doador para vir”, pontua Hellen Bittencourt.

Histórias que inspiram
No dia da coleta acompanhada pela reportagem, encontramos a enfermeira Neidiane Santos, 33 anos, doadora frequente. “Hoje eu vim para ajudar um paciente. Atendi um paciente no hospital e a esposa dele vai fazer uma cirurgia, é um casal de idosos. Ela vai fazer uma cirurgia cardíaca e eles estavam precisando de um de um tipo de sangue raro, no caso dela é o mesmo do meu”, disse.
A diretora técnica do HEMOAP, Hellen Bittencourt, além de profissional, é também mãe de uma criança que precisou de transfusão neonatal. “Eu trabalho aqui no hemocentro há algum tempo. Então, quando meu filho nasceu, infelizmente ele teve algumas complicações e ele precisou de muitas transfusões. Depois desse acontecimento que eu não esperava, isso veio a reforçar ainda mais a minha dedicação como profissional para que, no momento que for necessário, essa bolsa esteja disponível. Hoje trabalho ainda com muito mais amor, muito mais paixão para que a transfusão e as bolsas de sangue realmente estejam disponíveis”, contou emocionada.
Para o estudante Alisson Nogueira, ficou a lição de que toda a ajuda é sempre bem-vinda no caso da doação de sangue. “´É importante (a doação) porque as pessoas estão no hospital, elas estão precisando. A gente nunca sabe o que os outros estão passando, o que a gente vai passar, um dia a gente pode precisar”, finaliza.
Saiba como ser um/a doador/a:

*Matéria produzida na disciplina de Redação e Reportagem II ministrada pelo professor Dr. Alan Milhomem.




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