Prédio habitacional abandonado no bairro Congós é ocupado por moradores de áreas alagadas
Desde o dia 26 de maio de 2021, Diane Monte e sua família organizam sua mudança para a ocupação. Moradora da 12° área do Congós e desempregada, era impossível pagar o aluguel de sua casa na ponte. “Eu estou desempregada, meu esposo está desempregado, a minha irmã está desempregada, então nós não temos uma renda, uma forma de pagar aluguel. Tem meses que nós vendemos o que tem dentro de casa pra pagar o aluguel para que nós não viemos a morar na rua”, diz Diane.
Como Diane e sua família, outras famílias também estão se alojando na ocupação. O prédio anteriormente estava sujo, depredado e era utilizado por usuários de drogas. Apesar de ter passado por processo de limpeza, não é um local adequado para moradia.
Os motivos que levam famílias a realizar ocupações de lugares que beiram a insalubridade, é o contexto de vulnerabilidade social que essas pessoas estão inseridas. A área de ponte onde Diane mora enfrenta diversos problemas, como a falta de água e os perigos estruturais para crianças, ela teme que seu filho caia no lago da ressaca e se afogue, a situação é precária a ponto de um prédio abandonado, sem energia e sem encanamento, ser uma melhor opção. “Isso aqui é um luxo pra nós, pessoas que moram em ponte”, compartilha.
No Brasil, o direito à moradia é constitucional, previsto no Art. 6 expandido com a Emenda N° 26/2000 e consagrado pelo Estatuto da Cidade de 2001. O doutor em ciências políticas Ivan Silva explica, que o Estatuto da Cidade é a construção normativa mais ampla de todas, porque ela prevê a obrigação do Estado de garantir acesso à moradia a todos e é fundamental na observância da função social delas.
“Assim como existe a previsão da função social da terra e isso também é um preceito constitucional, e que, portanto, ampara por decisão pacificada do Supremo Tribunal Federal (STF) a legitimidade das ocupações quando grandes latifúndios são inutilizados, não são usados de forma produtiva. O mesmo raciocínio vale para moradia”, explica ele.
Então, se uma propriedade não está sendo utilizada, ela não está cumprindo sua função social, logo, as ocupações são respaldadas por lei constitucional. No entanto, a realidade é diferente do previsto na constituição. Fazer moradia em propriedades abandonadas ou em áreas de risco, como as de ressaca, não é uma escolha do indivíduo, é um imperativo de sobrevivência.
“A grande função das ocupações na maioria das vezes não é nem fazer daquela moradia precária a sua moradia de fato, mas é pressionar o poder público a simplesmente fazer cumprir a constituição”, fala Ivan.
E este é o caso da ocupação no bairro Congós, Diene fala que não abandonarão nenhum bloco do prédio até a Prefeitura de Macapá tomar as devidas providências com as famílias. “Nós viemos aqui não para invadir, mas sim ocupar algo que é por direito nosso, nós pagamos impostos, pagamos renda e tudo que está aqui hoje, essa estrutura foi graças a cada família de Macapá”, declara a moradora.
DESIGUALDADE SOCIAL
A diferença entre os termos “invasão” e “ocupação” está no poder capital. Pessoas cercarem terras improdutivas para posteriormente vender por um alto preço para o Estado pode ser considerada uma forma de invasão, o fator curioso dessa prática são os protagonistas: famílias detentoras de poder econômico, político e militarizado que expulsam pequenos posseiros no ato da grilagem. Para estes, não há nenhuma forma de rechaço do poder público.
Em contraponto, pessoas sem condições de moradia pela falta de poder financeiro ao encontrar abrigo em propriedades abandonadas que não possuem função social, são rechaçadas pelo poder público e mal vistas pela sociedade, que as taxam como invasoras. A nomenclatura é um reflexo da desigualdade social.
“As prefeituras têm uma dificuldade em fazer cumprir a função social de uma propriedade, como poderia ser feito? Aplicando multas, o IPTU progressivo, cobrando mais em áreas valorizadas e de metragem maior e menos nas menos valorizadas para de fato tentar operar a realização prática desse princípio constitucional porque ele é muito bonito na lei, mas o problema é fazer se realizar na concretude”, diz Ivan.
No Brasil, o déficit habitacional foi de 5,876 milhões em 2019, segundo dados da Fundação João Pinheiro. Nesse estudo, as regiões com os maiores déficits em relação ao número total de domicílios são Norte e Nordeste, e o Amapá está no topo da lista com 17,8%. A principal razão para esse número são as moradias precárias, como as em área de ponte.
Ivan explica que, um argumento muito utilizado pelo poder público para não revitalizar áreas de ressaca é o fato de serem alagadas e, portanto, impossíveis de se tornarem seguras para moradia. No entanto, relembra de um shopping na cidade construído em um terreno alagado, onde a água foi toda drenada e o solo revitalizado. “Mesmo assumindo que isso fosse verdade e fosse impossível a revitalização desses espaços, seria obrigação do poder público garantir outros espaços para a moradia popular”, diz.
PRÉDIOS
Os prédios ocupados ficam na zona sul de Macapá, no bairro Congós e compõem um conjunto habitacional considerado o primeiro grande projeto do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) a começar no Estado, em 2011. A obra foi abandonada em sua fase final, faltando apenas a instalação do sistema elétrico, abastecimento de água e esgotamento sanitário.
Pedro Baptista é secretário adjunto de gestão da Secretaria de Estado da Infraestrutura (SEINF) e explica que a entrega do conjunto habitacional está prevista para julho de 2022, e os ocupantes serão retirados dos prédios por via judicial para poder retomar com as obras de acabamento.
“Nós pretendemos retomar a obra daquele prédio, e nossa expectativa é que não afete os nossos prazos [ocupação] porque enquanto será executada a parte de solução de água, esgoto e energia, a gente estará trabalhando a parte legal via justiça para retirá-los de lá”, fala.
Pedro alega que a paralisação das obras foi antes da atual gestão, e não sabe informar o motivo. As moradias serão disponibilizadas para aqueles que já possuem cadastro na lista de espera.
“Somente será disponibilizada unidade habitacional para aqueles que por ventura já tenham cadastro, porque para todo e qualquer programa de habitação social existe um regramento que deve ser cumprido, se tem famílias lá que não se enquadram no programa, elas não serão beneficiadas, se elas estiverem no alagado vão ser contempladas, se não estiverem, vão ter que voltar para onde estavam”, explica.
Mas há uma urgência para essas famílias, que não podem esperar um amanhã sem ter certezas sobre o hoje. Para a melhora desse cenário, apenas cumprir a lei já seria o suficiente, por meio de políticas públicas para garantir uma efetivação no direito à moradia.
Produção e pauta: Thales Lima
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