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“E agora, quem poderá nos defender?”: estudantes padecem com a falta de segurança na Unifap

Precariedade na iluminação e falta de segurança ostensiva e preventiva são as principais reclamações.


Por Marcileia Leal e Tassia Malena

Entrada principal da Universidade Federal do Amapá. Foto: Tássia Malena / Jornalismo Unifap.

Era por volta das 22h quando José Eduardo Lima, de 22 anos, acadêmico do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Amapá (Unifap), teve uma arma de fogo apontada para o seu rosto enquanto aguardava no ponto de ônibus em frente a instituição. O mês era outubro e o ano era 2022 e, juntamente com outros estudantes do turno da noite e trabalhadores das redondezas, Eduardo aguardava o transporte coletivo no sentido Macapá-Santana quando dois homens em uma moto se aproximaram e anunciaram o assalto. A ação, contudo, foi malsucedida, pois “eles só não levaram nada de mim nem das outras pessoas na parada porque passou uma viatura logo atrás e aí as pessoas gritaram. Eles ligaram a sirene e foram em busca dos ladrões, mas até hoje não sei se conseguiram pegar eles”, afirma o estudante.


Outra situação parecida também vivida pelo universitário remonta a uma gravação de um curta-metragem produzido por alunos, dessa vez no interior da Unifap, e que, segundo o próprio, “graças a Deus, não passou de um susto”. Munido de equipamentos eletrônicos diversos, o grupo de estudantes percebeu estar sendo observado e seguido por um trio de homens sobre bicicletas que se utilizavam do atalho que interliga os bairros Universidade e Zerão por dentro da academia e que, assustado, tratou de encerrar as filmagens no local para autoproteção. Histórias como essas são cada vez mais comuns e o número de acadêmicos vítimas de assalto ou de tentativa de assalto dentro do campus, ou nos pontos de ônibus em frente a ele, infelizmente é crescente, embora o tema seja pauta na imprensa há algum tempo.

José Eduardo já foi vítima se assalto nas proximidades da universidade. Foto: Tássia Malena / Jornalismo Unifap.

A precariedade da iluminação, somada à existência de áreas ainda vazias e florestadas, bem como à falta de uma segurança ostensiva e preventiva dentro e no entorno da universidade, são apenas alguns dos fatores que contribuem fortemente para a composição desse cenário. Atualmente a universidade dispõe somente do serviço de guarda patrimonial prestado pela empresa Dimiseg para a garantia da ordem e salvaguarda de bens materiais no campus, ou seja, a garantia de segurança e bem-estar não se estende às pessoas que integram as comunidades interna e externa.


O campus Marco Zero dispõe de dois portões de acesso ao público, são eles: alfa e beta. Eles estão localizados na Rodovia Josmar Pinto Pereira (ex-Juscelino Kubitschek) e na Rua Carlos Cantidio Corte, respectivamente. No entanto, outros acessos extraoficiais podem ser encontrados por entre a mata que circunda o campus, não sendo incomum servirem de abrigo para infratores à espera de alguém desavisado que estude em um bloco próximo ou que passe por perto dessas áreas em horários de pouca ou nenhuma movimentação.


Em Macapá, bem provavelmente em toda a região Norte do país, a cena, além de repetida, é um verdadeiro clássico. Quando dois homens sobre uma bicicleta ou uma moto se aproximam abruptamente, é quase certo o prenúncio de assalto. Às vezes há uma ou outra variação ao se acrescentar mulheres como garupas para a prática do delito, como uma forma de não alarmar a vítima de imediato, mas no geral o modus operandi é sempre o mesmo. Locais soturnos, com baixa circulação de pessoas e com pouca iluminação costumam ser os preferidos pelos infratores, daí a necessidade de se dobrar a atenção e os cuidados quando se estiver na rua, na tentativa de evitar a investida de assaltantes.


Caso, porém, seja inevitável, o aconselhável é não reagir, como salienta o 1º Tenente da Polícia Militar do Amapá, Paulo Francysco Almeida da Silva: “Na maioria das situações não é aconselhável a reação, porém se pensar em reagir respire por uns segundos e reflita, por mais frustrante que seja perder um bem material fruto de muito esforço, será que esse bem vale sua vida? Ou vale a dor das pessoas que te amam? Ao reagir a um assalto, há grande possibilidade de o infrator levar a melhor. Geralmente são pessoas que vão com a ideia de não ter nada a perder”, afirma.

Léo Nilo reclama da falta de segurança no campus. Foto: Arquivo pessoal.

Outro ponto sensível que contribuiu bastante para essa situação, com resquícios de sinais que ainda podem ser percebidos até então, apesar do retorno 100% presencial das aulas, tem a ver com a pandemia de Covid-19 e o isolamento social que reduziu drasticamente a circulação de pessoas não apenas na universidade, mas na cidade inteira. Léo Nilo da Silva Pires, de 21 anos, estudante do curso de Jornalismo desde o ano de 2019, conta que também já foi vítima de assalto: “Aconteceu em abril de 2022, no retorno das aulas presenciais após o período de isolamento social. Era por volta das 21h e eu estava com um amigo na parada de ônibus do outro lado da universidade. Cerca de vinte pessoas nos acompanhavam, sendo que a maioria estava em pé. Eu e meu amigo estávamos sentados, no banco”, relata.


Enquanto aguardavam pelo transporte público no ponto de ônibus que pertence à empresa Sião Thur, em frente ao Campus Marco Zero, mas do outro lado da Rodovia, dois homens chegaram de bicicleta e surpreenderam as pessoas que estavam no local. “Todas as pessoas que estavam em pé conseguiram correr e fugir. Nós, do banco, não levantamos a tempo e logo ele estava na nossa frente apontando uma arma (que dificilmente era real, mas no escuro era impossível ter certeza). O assaltante pediu para passar tudo. Uma mulher que estava ao meu lado pegou o telefone dela e jogou para longe, na tentativa de salvá-lo. Mas acabou que isso chamou ainda mais atenção do assaltante, e ele correu atrás do telefone pra pegar”, afirma o acadêmico.

A parada de ônibus em frente à universidade é um dos principais pontos de assalta. Foto: Marcileia Leal / Jornalismo Unifap.

Apesar dos momentos de tensão, Léo Nilo não teve seus pertences levados, ao contrário dos demais, pois em meio ao alvoroço os assaltantes não lhe verificaram a mochila, na qual trazia todos os documentos e pertences pessoais, inclusive objetos de valor. Após a fuga dos ladrões, as pessoas migraram para a frente do Shopping Garden, onde havia iluminação satisfatória à época, pois até aquele momento a parada de ônibus era completamente escura. Após uma série de situações como esta, um grupo de docentes da Universidade Federal do Amapá fez, por conta própria, a aquisição de jogos de lâmpadas para serem afixadas nos três pontos de ônibus que ficam em frente à Unifap.


A questão da precariedade do serviço de transporte público, oferecido pelas empresas particulares licitantes na capital, é tema já bastante antigo cuja solução ainda não foi encontrada para benefício da população que necessita fazer uso desse meio de condução. No segundo semestre do ano de 2022, o atual prefeito de Macapá, Antônio Furlan, declarou situação de emergência com duração prevista de seis meses, o que forçou os empresários do ramo a buscarem uma solução urgente e viável que sanasse os problemas no que se refere a baixa rotatividade, a demora na espera nos pontos de parada e as más condições dos veículos em atividade.


Atualmente, o tempo médio de espera de um ônibus, para aqueles que moram em bairros mais afastados do centro da cidade e que na maioria das vezes só dispõem de uma única linha para a execução do trajeto, como Zona Norte e Zona Oeste, por exemplo, é algo em torno de 30 a 40 minutos, caso coincida com os horários de pico. Estes, geralmente, ocorrem entre 17h e 18h30, horário das trocas de turno vespertino e noturno, e entre 21h30 e 23h, ambos para quem estuda e trabalha. No intervalo entre essas faixas de horário, de segunda a sexta-feira, o tempo de espera por um ônibus pode facilmente ultrapassar uma hora, já nos fins de semana esse tempo pode se tornar imprevisível.


Após o ocorrido, Léo Nilo desabafa: “A parte de maior agonia é que, no meu caso, não tenho outra opção a não ser voltar para casa de ônibus. Então, mesmo após a tentativa de assalto, tivemos que continuar na rua esperando pelo transporte, em estado de total vulnerabilidade. Desde o assalto, nunca voltei a me sentir seguro na parada de ônibus à noite, mesmo após a iluminação instalada este ano”. A situação vivida pelo estudante é a mesma de muitos outros que dependem do transporte público para se deslocar, mas se sentem vulneráveis em razão da longa espera e da precariedade da segurança vivenciada no Campus Marco Zero.


Quando questionado a respeito da segurança oferecida hoje pela instituição, o estudante a,firma que "não me sinto seguro na Universidade e redondezas. Desde o retorno presencial, não há movimento e iluminação suficientes para andar pelo campus com tranquilidade. Até vemos os guardas em locais específicos da Unifap, mas sem iluminação adequada é impossível que eles atuem corretamente”.

Mesmo com reparos na iluminação, estudantes não se sentem seguros no campus. Foto: Tassia Malena / Jornalismo Unifap.

José Eduardo também levanta as mesmas questões e complementa: “Honestamente, acho que muita coisa poderia ser melhorada. [...]. Parece que durante e depois da pandemia a situação se agravou muito, tem trechos completamente escuros ali dentro e qualquer um fica vulnerável. Não sei como funciona a questão do policiamento dentro das universidades federais, se pode ficar viatura dentro... mas pelo menos essa questão da iluminação a prefeitura do campus poderia providenciar”.

No que se refere ao policiamento no interior da universidade, por se tratar de uma área federal, a Polícia Militar, um órgão estadual, não teria autorização para atuar no interior da instituição, a menos que haja uma solicitação via ofício. Portanto, a princípio, essa função de resguardar o local de forma ostensiva e preventiva caberia somente às forças de segurança de âmbito federal.


Quando questionada sobre a responsabilidade da garantia de segurança no interior do campus, o senhor Daniel da Silva Sonza, 61 anos, arquiteto e servidor da instituição pela Pró-reitoria de Administração, onde funciona a prefeitura, assegura: “você pode ver que nós temos vários postos de vigilância coordenada pela prefeitura do campus, entendesse? E a pró-reitoria de administração onde todos eles têm um plantão, tem suas atividades, tem suas responsabilidades e a maior parte dos nossos seguranças são seguranças armados, patrimoniais, mas que defendem também a vida, isso é fundamental. Aqui entra tanto pessoas quanto animais também. Temos todo o tipo de atendimento aqui dentro, não só de alunos, mas alunos, servidores e as pessoas que se interessam em algum curso de extensão ou outra área aqui dentro do campus”.


Quando indagado a respeito do tipo de segurança prestada pela empresa de segurança que cobre a instituição, ele acrescenta: “Por que que nós temos nossos seguranças com armas? Isso é pra reagir e manter a ordem e principalmente a segurança deles mesmos porque nós temos todo o tipo de gente passando aqui dentro. Nós temos as pessoas boas as pessoas más também. Aqui se tem problema com todas as áreas como tem lá no centro de Macapá, temos problema de furto, temos problemas de arrombamento, temos problemas até de morte mesmo. Não é brincadeira não. Isso aqui é uma cidade universitária, acontece de tudo”. Por fim, complementa: “as câmeras são para monitoramento. Dia e noite elas funcionam como monitoramento de toda a área do campus, principalmente a área principal. Nós temos aproximadamente vinte câmeras que elas são coordenadas aqui pela vigilância e nós sabemos tudo o que está acontecendo”.


Contudo, de acordo com último edital de licitação aberto pela universidade para a contratação de empresa especializada no ramo de segurança privada, intitulado pregão Nº012/2018, ressalta e especifica que o serviço prestado, apesar de armado, trata-se de vigilância patrimonial. Vigilância patrimonial se caracteriza pela garantia da segurança e proteção das entidades e organizações, oferecendo rondas nas dependências, bem como a observação e controle quanto a entrada e saída de pessoas e bens, com o objetivo de evitar ou reduzir roubos e perdas patrimoniais, agressões e outros atos de violência, como também infrações que comprometam a ordem e a segurança do local. Ou seja, embora envolva a vigilância e supervisão de pessoas, diferentemente do que afirma o servidor, o foco da iniciativa se concentra na salvaguarda de bens.


Atualmente, a universidade tem passado por algumas reformas e ajustes que têm proporcionado melhorias ao público interno, como a instalação e substituição de postes e lâmpadas. Embora ainda existam bastantes partes escuras, a iniciativa tem contribuído pouco a pouco bastante para o resgate da sensação de segurança no interior da instituição. No que se refere à prefeitura, Cairo Cardoso, prefeito do campus Marco Zero, afirma que a universidade tem contatos diretos com as instituições de segurança.

Prefeito do campus Marco Zero. Foto: Marcileia Leal / Jornalismo Unifap.

“Nós temos algum apoio/convênio com as forças de segurança federal e estadual. O que nós temos atualmente através de ofício, a gente tem entrado várias vezes em contato com a polícia estadual, a PM, a Polícia Militar, e eles têm um termo de compromisso conosco de fazer a ronda. Eles fazem a ronda e têm feito a ronda, têm dado subsídio à universidade, no intuito de fazer essa ronda dentro da universidade para tentar inibir essas ações. A gente sabe que externamente é de responsabilidade da Polícia Militar. E com relação à Polícia Federal, a gente se aproximou ainda mais deles, a gente foi até eles, até a Polícia Federal, eles passaram o contato direto, no qual a gente pode acionar eles até mesmo hoje, via whatsapp, para que eles possam nos atender”, garante.


Apesar do número crescente de furtos e roubos no interior da instituição, o prefeito assegura que não há registros oficiais do ocorrido: “no período de pós pandemia pra cá, dos períodos mais recentes, dos anos mais recentes, nós não temos nenhum registro de caso de assalto dentro da universidade. A gente não tem registro de caso de assalto à mão armada ou que alguém tenha sido abordado dentro da universidade, a gente não tem esse registro aqui. O que nós temos são casos de alguns furtos que ocorrem, assim de estudante... tem o estudante que esquece determinado material ou equipamento e aí some de determinado lugar...”. Entretanto, ele reconhece as ocorrências mais recentes de assalto envolvendo acadêmicos nos pontos de ônibus em frente à instituição: “O que nós temos sim, em frente a universidade os casos das paradas de ônibus, em função da iluminação externa”.


Como alternativa para a diminuição dos casos, ele garante: “o que a gente tem feito: estamos mantendo a universidade iluminada, além dos postos, câmeras, mas o que eu acho que pode ser feito dentro do interior da universidade pra melhorar ainda mais essa situação é o aumento no sistema de câmeras e trabalhar com uma vigilância, que a gente ainda não conseguiu trabalhar dessa forma, mas a gente está planejando isso, trabalhar com uma vigilância que atue diretamente numa sala de segurança observando as câmeras no período de 24 horas.” Para o prefeito Cairo Cardoso, o investimento em mais câmeras de segurança e em postos de vigilância equipados com câmera para monitoramento ininterrupto das ações no interior da universidade seria importante para o combate aos possíveis casos de furto e roubo relatados por acadêmicos.


Diferentemente do posicionamento defendido pelo prefeito do campus, Carlos Henrique Chagas dos Santos, chefe da segurança na instituição, não somente confirma a ocorrência de furtos, roubos e até estupros no interior da Unifap no decorrer dos 27 anos em que atua na função, como também aponta os horários de maior frequência das práticas. “Tem uns horários que costumam acontecer mais esse tipo de coisa. O horário de ocorrência de furto é maioria no horário de almoço, entre meio-dia e duas horas da tarde. Mas também é muito perigoso no final da tarde e início da noite. São esses horários que costumam acontecer mais ocorrência”, relata.


O chefe da segurança também acrescenta: “A universidade antigamente era mais isolada e agora tem uma rua que atravessa ela e fica com trânsito livre para a comunidade e isso aumentou bastante o número de pessoas transitando e que dificulta um pouco da gente ter aquela primeira identificação. Até porque os alunos da universidade não usam uniforme, então as pessoas estão todas muito parecidas. Então tanto dificultou pra gente identificar logo de início, devido ao grande fluxo de pessoas, e quanto facilitou que pessoas adentrassem o mais campus da universidade desde que essa rua ficou assim, que ela fica aberta de seis da manhã até dez e meia da noite”.


Apesar da divergência de opiniões, o fato é que os assaltos, mediante furto e roubo, acontecem, independentemente de haver ou não a comunicação formal aos chefes da polícia ou da prefeitura do campus. Recentemente, a Fundação Universidade Federal do Amapá completou, em março de 2023, 33 anos desde a sua criação e, é necessário, neste momento, que as autoridades competentes dirijam a atenção e não meçam esforços para a questão da segurança, bem como de outros aspectos que de forma indireta convergem para o que tange à seguridade no interior e no entorno dos polos da Unifap.


*Reportagem produzida na disciplina de Redação e Reportagem III ministrada pelo professor Alan Milhomem.

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