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  • Foto do escritorCamila Biank

Dia nacional do Candomblé, entenda essa história no Amapá

Atualizado: 8 de abr. de 2023

Em janeiro de 2023, foi sancionado a Lei que instituiu odia 21 de março como o Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé.


Por Camila Biank


No Brasil, diante de todo o cenário comemorativo de datas especiais, sancionar uma Lei em alusão ao dia das tradições das raízes africanas e nações do candomblé é importante para dar visibilidade e combater o racismo religioso. A proposta de Lei foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os defensores da proposta argumentam sobre a importância de ter um dia comemorativo como este uma vez que por muitos anos o Candomblé foi marginalizado e parte da sociedade ainda o vê com preconceitos.


Na terça-feira do dia 21 de março, foi comemorado o dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé. O encontro inter-religioso aconteceu na Universidade do Estado do Amapá (UEAP), na cidade de Macapá, o qual reuniu as principais nações do candomblé da região amapaense, o Jeje, Angola e Ketu. O encontro entre as nações do candomblé do Estado teve a finalidade de comemorar o dia Nacional do candomblé e de outras nações africanas. A tarde seguiu com conversas sobre a importância da resistência do candomblé, sobre o combate ao preconceito racial e sobre a luta pelos seus espaços. Foi também, o momento de apresentações de danças, de músicas e de um bom café da tarde entre as Nações.


O Primeiro Encontro público em celebração ao dia Nacional das Tradições de Raízes Africanas Nações do Candomblé- Realizado em Macapá - UEAP Foto: Joelson de Alencar

A fé nos Orixás alcançou o Brasil em razão da escravidão da África Ocidental. Hoje, está espalhado pelas diversas regiões e cantos do Brasil. No Estado do Amapá, não foi diferente, os candomblecistas de cada nação como Angola, Jeje, Ketu e Efon resistem e ganham espaço no território amapaense.


SER DO CANDOMBLÉ


As religiões de matrizes africanas possuem cosmogêneses, princípios filosóficos, morais, éticos como qualquer outra religião e suas paramentas, roupas, adereços são símbolos que ritualizam suas práticas religiosas. Quando depreciadas, desqualificadas ou perjorizadas, estamos falando de racismo religioso. A professora de história, Mariana Gonçalves, é mãe Ekedjy na nação Ketu, do Ylé Axé Ogun Tojalonan, é a pessoa de confiança que cuida do Orixá quando está em terra durante a incorporação do sacerdote. A professora reflete sobre as várias frentes de batalhas das pessoas de herança e matriz africana, “uma delas é o combate ao racismo. Uma das coisas de nos reduzir a um culto é justamente o pensamento racialista, que acha que negros não tem a capacidade cognitiva de construírem filosofias, de construírem explicações sobre o homem, o universo e o mundo. Nós temos sim e o candomblé reflete isso muito bem, o candomblé é uma forma de compreender e se integrar com a natureza, e essa pouca compreensão é determinada pelo racismo, o racismo que tenta apagar e tenta demonizar o outro que somos nós”, explica a Ekedjy.


Ylê, Axé, Ogun Tojalonan, ao centro o Sacerdote Carlos Tojalonan. Foto: Arquivo pessoal da Ekedjy Mariana Gonçalves

Os candomblecistas não creem em uma só divindade, as divindades podem variar conforme a região africana de origem. A crença é nas forças da natureza encarnadas nos Elementos da Natureza: as águas, do ar, da terra, do fogo, os animais e vegetais. A energias da natureza está em tudo, esse é o princípio do Axé. “O axé é nossa energia vital, nós acreditamos nessa energia vital que tudo anima, que tudo transforma. O melhor tempo para nós é o tempo dos ancestrais, nós não vivemos orientados para um futuro de um resgate de um juízo final, melhor tempo é o presente, é onde você está aqui e tem a possibilidade de ser a melhor pessoa, de viver bem, de estar bem porque o nosso ideal de felicidade é de estar junto de nossos ancestrais, junto das nossas origens”, diz mãe Ekedjy.


Outro princípio que orienta as práticas religiosas de matriz é a comensalidade, “nós comemos junto com os nossos orixás, então as nossas práticas têm a ver com o orixá que veio terra, comunga conosco, e intervém na nossa vida, é uma relação cotidiana”, ressalta a mãe de Ekedj Mariana Gonçalves. Para o Babalorixá Luizinho de Osun, comemorar este dia é importante pela visibilidade, “agora, nossa luta sempre foi a resistência, eu sempre falo que nós já nascemos fazendo resistência, já queremos sobreviver, acho que é por aí, a gente luta para sobreviver dentro de nossa cultura e ancestralidade”.


NAÇÕES NO AMAPÁ


De acordo com o Representante Nacional da Federação da Umbanda e do Candomblé (ATUO), o pai de santo Joelson de Alencar, no Estado do Amapá tem conhecimento de três nações do Candomblé, Angola, Jeje e o Ketu, mas que também há outras religiões de matriz africanas espalhadas pela região amapaense.


De acordo com o babalorixá Luíz, “O candomblé tem quatro a cinco nações que vieram para o Brasil, tem a Angola, Ketu, Jeje e tem o Efon, que foi a última levada de pessoas escravizada vindas para o Brasil e que trouxeram a raiz do povo de Efon da África. Aqui no Amapá, o Efon chegou há cinco anos. É um Axé que é o único do extremo norte do país. Ele veio da África, vai pra Salvador, migra para o Rio de Janeiro e daí tem outras casas em São Paulo, mas aqui no norte do País é a primeira casa. A gente é muito conectado com Oxum, que é a deusa dos rios e das águas, então foi muito pertinente Oxum querer ficar aqui em Macapá, onde temos o rio Amazonas”, explica o Babalorixá.


Babalorixá Luizinho de Oxum do Igba Axé DÓsun Emyn, da nação Efon, em roda de conversa. Foto: Neurizete Duarte

De matriz africana, resgata toda uma cultura, uma ancestralidade, das crenças em divindades que são Orixás, Exú, Ogun, Omulu, Xapanã ou Abaluaiê, Xangô, Yansã, Oxossi, Nanã, Yemonjá, Oxum, Oxunmarê, Ossain e Oxalá, divinidades africanas que representam as energias e as forças da natureza.


Família da Mãe de Santo e ialorixá da nação Angola. Foto: Camila Biank

No século 21 ainda há a intolerância tanto racial quanto religiosa voltada às nações do Candomblé, ainda há um estigma social que impede com essas pessoas possam sair às ruas sem serem olhadas de mal jeito. Uma das Ialorixás presente no evento, Francilene Gomes Antunes, mais conhecida como mãe Leni, fala que ainda sente esse preconceito enraizado, “eu sou muito feliz de participar dessa religião, pena que existe muito preconceito com nós, então a gente enfrenta muita dificuldade por isso. Na rua a gente vai passando e as pessoas já te olham de cima abaixo, não respeita. E quando é na minha casa em que passam pessoas dando panfleto de outra religião, eu pego e agradeço, até porque só é um deus”. Diz feliz a Mãe de Santo por participar do evento em comemoração ao dia do candomblé.


Mãe Lenni, ialorixá e mãe de Santo da nação Angola. Foto: Camila Biank

Angola é uma das nações do candomblé, o pai de santo Ricardo explica que em cada nação há uma nomeação para as divindades. “Dentro da nação angola nossas divindades são chamadas de Inquices, diferente da nação Ketu que são os Orixás, nação Jeje são os Voduns. E o nosso culto ele é basicamente equivalente um ao outro, o que muda são os dialetos, que no caso o nosso dialeto é banto, e do candomblé nagô do Ketu é o Iorubá”, afirma o pai de santo.


A riqueza de uma cultura é preservada na sua língua. “Nós usamos a linguagem africana que é o Iorubá, Angola usa o banto e a primeira língua aqui no Brasil misturada com português de Portugal é o banto. Segundo a Hanna Arendt, um povo só não é escravizado porque não perde a sua língua e nós não perdemos a nossa língua, nos terreiros nós falamos Iorubá, banto, nós treinamos os novos e as nossas crianças a também a se comunicarem em Iorubá, e por incrível que pareça nosso iorubá bate com o iorubá de África até hoje”, esclarece o Babalorixá Luiz Henrique.


PREPARATIVOS PARA O CULTO DO CANDOMBLÉ


Os preparativos para receberem estas divindades acontecem principiando com ritos de oferendas, danças, batuques de tambores, comidas, velas e outros objetos, além de outras cerimônias específicas. “O candomblé foi muito invadido com os dogmas cristãos católicos, tanto que Santa Barbara era Iansã, Oxalá é Deus, Nossa senhora da Conceição é Oxum. Quiseram fazer um sincretismo cristão religioso católico. A umbanda cultua imagens e o candomblé não, então essa é a diferença, a umbanda é brasileira, o candomblé é de raízes africana”, diz o Babalorixá Luizinho d´Osun, da nação de Efon.


O representante nacional da Federação de Umbanda e Candomblé (ATUCO) do Estado do Amapá, pai de santo Joelson de Alencar, fala sobre sua nação dentro do candomblé. Ele diz que faz parte da nação Ketu onde cultua-se os orixás, que são divindades dentro da nação. Além disso, ele deixa claro que tudo dentro do candomblé nasceu na nação angola, diz que angola é a nação mãe dentro do candomblé, e que nela cultua-se os Inquices que também são divindades.


Membro na nação Ketu e Representante Nacional da Federação da Umbanda e do Candomblé (ATUO) do Estado do Amapá. Pai de santo Joelson de Alencar. Foto: Camila Biank

O respeito e cuidado com a natureza é uma responsabilidade que os membros do candomblé valorizam, “Nós cultuamos a natureza , os nossos inquices, os nossos orixás é um pedacinho da natureza, é um pouquinho de cada parte da natureza. Não se tira uma folha da beirada rua se não pedir autorização ao Inquice ou ao orixá que comanda as ervas. Não se entra nas águas salgadas sem pedir autorização a Iemajá, no Ketu, em angola ela é Mikaiá. A gente não entra em uma estrada sem pedir a proteção de Exu e Ogun que são os dois defensores do caminho. Então, nós cultuamos a coisa mais bela que temos no mundo, que é a natureza” diz com entusiasmo o Ogum Reinaldo Kayango da nação angola.


Diante deste cenário é importante entender sobre a necessidade de ter o dia Nacional das Tradições de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé, visto que o candomblé assim como outras religiões de matrizes africanas precisa de visibilidade. Nesse sentido, faz-se necessário entender que os membros do candomblé são pessoas que disseminam o amor e o respeito, assim como qualquer outro indivíduo, e que além disso querem ser vistos com um olhar mais acolhedor e incluso, longe de qualquer forma de preconceito. Portanto, é imprescindível entender e conhecer a história dos candomblecistas. Só então, poder-se-á aspirar uma sociedade mais harmônica e evoluída.


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