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Antes da receita: como séculos de influências e costumes impactaram a culinária amapaense

Atualizado: 28 de out. de 2022

A culinária amapaense se destaca das demais regiões do Brasil, desde o preparo do prato até sua finalização.

Camarão e outros frutos do mar fazem forte presença em culinária amapaense | Foto: Felipe Mendes

A culinária do meio do mundo é diversificada em elementos, ingredientes, sabores e histórias. Utilizando-se de materiais da própria região, como o camarão, ou as várias espécies de peixes de águas doces e salgadas; além disso, carnes e frutas exóticas como o próprio açaí. Essa diversidade é o que dá o sabor da culinária típica da região. Sendo assim, através de um contexto histórico e cultural, a culinária amapaense se destaca das demais regiões do Brasil, desde o preparo do prato até sua finalização.

Pato no tucupi, maniçoba, pacu na folha de bananeira, tucunaré na brasa com farofa de pimentão, gurijuba, caldeirada, camarão no bafo e o açaí – estes são alguns dos pratos mais conhecidos da região.

Há também bebidas marcantes na história amapaense, como a gengibirra, feita à base de gengibre, pinga e açúcar, sendo um dos elementos do Marabaixo, uma das mais fortes e autênticas manifestações regionais.

Os pratos são preparados com os mais diversos temperos. O camarão no bafo, por exemplo, é cozinhado com sal, alho e pimenta, e pode ser servido com farofa ou mesmo com tucupi. Este modo de consumo do prato se deve às influências da cultura indígena.

Outro prato muito comum na cultura regional, é o famoso tacacá, que também possui origem indígena. Surgindo originalmente como "Mani poi" – uma sopa servida em aldeias da região –, esta receita foi sendo adaptada e novas formas de preparo surgiram, atualmente sendo preparada a base de tucupi, camarão, jambu e a goma de tapioca.

Influências africanas

Comidas típicas do candomblé | Foto: Eduardo Belfort

O Amapá é um estado miscigenado e multifacetado. Ao longo de sua história, diversos povos evoluíram e criaram raízes nos mais diversos aspectos, e entre eles, a culinária. Religiões de matriz africana readaptaram suas experiências e criaram conceitos únicos, estes significativamente importantes para a vivência e identidade local.

Carmen Sheila, mais conhecida em sua comunidade do bairro Novo Horizonte como Mãe Carmen de Oyá, possui 54 anos, foi iniciada na religião do Candomblé com 42 e comenta sobre a influência da cultura africana em sua vida. “Eu não escolhi, eu fui escolhida. Quando eu fui feita no Candomblé, para mim foi um renascimento, pois agora eu tenho uma nova postura, sou uma nova pessoa e possuo novos pensamentos”, afirma a Mãe de Santo.


Além de tudo, seu repertório culinário também se expandiu. Para cultuar as entidades de sua religião que possuem fortes raízes no estado, Mãe Carmen foi introduzida na culinária de santo, que produz comidas específicas para os Orixás. “Na questão do ritual do Candomblé, eu costumo servir a comida de santo quando estamos cultuando um Orixá, como o acarajé de Iansã, a feijoada de Ogum e o amalá de Xangô”, comenta Carmen.

Influências Indígenas

O Amapá abriga a foz do maior rio do mundo, o Rio Amazonas, e é banhado por inúmeros de seus afluentes. Oiapoque, Araguari, Matapi, Jari e Tartarugalzinho são outros exemplos de canais que cortam nosso estado e fazem da população uma amiga das águas, sendo um modo de vida muito abraçado, herdado e adaptado pelos povos nativos da região.

São cerca de 200 espécies de peixe e 9 variedades de camarão, além de muitas frutas tradicionais e abundantes, como a bacaba — fruto que deu nome à capital do Amapá, Macapá, nome este que deriva de Terra das Bacabas.

Pescador em feira local | Vídeo: Felipe Mendes

Usufruir dessa natureza em uma harmônica relação é característica natural dos povos indígenas da nossa região, nativos que através da ancestralidade com os moradores do estado, e principalmente com as populações ribeirinhas, estas que moram no interior do estado, repassaram através do tempo os costumes da nossa atual culinária, que é até hoje mantida na mesa da população amapaense.

Outro prato popularmente conhecido e passado de geração em geração, é a maniçoba. O prato que é de origem da culinária indígena e africana, é um dos mais conhecidos e mais consumidos pelo povo da Amazônia. Conhecida também como a feijoada da Amazônia, é tradicionalmente um dos pratos principais nas festas da região Norte brasileira, além de outros lugares do país. Seu preparo é feito com as folhas da maniva/mandioca moídas e cozidas, por aproximadamente uma semana (para que se retire da planta o acido cianídrico, que é venenoso), acrescida de carne de porco, carne bovina e outros ingredientes defumados e salgados.

As raízes indígenas na mesa do amapaense englobam quase toda a culinária do estado. O mercado abundante de pesca e venda de peixes é atividade matriz da cultura do Amapá, e não se fala em comida típica na região sem se lembrar dele.

Mais que comida

Feirante descascando castanha em Macapá | Vídeo: Felipe Mendes

A culinária amapaense compõe, justifica e representa a identidade cultural da população do Amapá. Os pratos, preparados com tanto zelo por tantos, são um vislumbre do que há de verdadeiramente nosso. E a cada acender de fogão, bater do açaí e mexer de panelas, homenageamos o legado deixado por tantos povos e gerações.

Ocinea Bastos é a chef do restaurante típico Delícias da Oci e conta que seu interesse pela cozinha veio já de família. Com parentes ribeirinhos, desde pequena ela tateava pela culinária e arriscava sua versão de pratos tradicionais, como o vatapá. Hoje, ela tem a oportunidade de envolver toda a família em um empreendimento moderno.

“No restaurante, a cada dia a gente se inova. Cria novos sabores, novos temperos. Mas sempre fazemos parte do mesmo legado. Sempre gostei dessa experimentação. Nosso cardápio nunca é fixo”, relata Ocinea. E assim a culinária amapaense vive. Em movimento, e sempre apoiada em suas profundas raízes.

Ocinea Bastos, chef de cozinha | Foto: Matheus Antônio

A gastronomia, portanto, é muito mais do que comida. É fonte de renda para toda uma cadeia produtiva, que começa no extrativismo e passa por inúmeras etapas até a mesa. É atração turística e chama atenção de incontáveis viajantes brasileiros e estrangeiros. É parte de ritos religiosos e tradições seculares. E, também, fonte de nutrientes para uma população.

*Reportagem entregue como avaliação final para a disciplina de Webjornalismo da Universidade Federal do Amapá.

Escrita por Eduardo Belfort, Felipe Mendes, Léo Nilo e Matheus Antônio.

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