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  • Foto do escritorIngra Tadaiesky

A Teologia da Prosperidade encontra campo fértil em um país pobre e desigual

Um Brasil cada vez mais neopentecostal.

Foto: Banco de Imagens

A cada esquina do Brasil é possível encontrar uma igreja neopentecostal e, ano a ano, encontramos mais metros quadrados de “Universais”, país afora. O crescimento do neopentecostalismo é massivo, desenfreado e um reflexo claro de problemas sociais e econômicos que o país enfrenta.

Conhecida como a terceira onda do pentecostalismo, o neopentecostalismo surgiu nos Estados Unidos em meados de 1960. É dissidente do protestantismo. Edir Macedo foi o responsável pela chegada da religião no Brasil, no fim dos anos 1970, com a sua igreja Universal do Reino de Deus.

Foto: Lylian Rodrigues

Jacqueline Ziroldo Dolghie é PhD em Ciências da Religião pela Universidade Mackenzie e explica o caráter de classe e, principalmente, de vulnerabilidade social associado ao crescimento neopentecostal. “Há uma procura do sagrado, da divindade por aquilo que o Estado não proporciona e isso, sem dúvida nenhuma, está vinculado à Teologia da Prosperidade. Em um país onde o Estado não cria a menor condição de desenvolvimento, é óbvio que o sujeito que não possui políticas públicas e possui um Estado omisso vai procurar uma religião que oferece a possibilidade do crescimento econômico”, explica.

A Teologia da Prosperidade é o gás que incendeia essa chama. Ela é uma doutrina cristã que comercializa a fé e defende o acúmulo de riquezas materiais na terra, alegando ser a retribuição divina. Nessa lógica, quanto mais dinheiro, mais amado por Deus o fiel é.

Jacqueline explica que, para uma pessoa sem nada e desamparada pelo Estado, ir uma ou duas vezes na semana em um local onde ela sentirá que seus problemas serão resolvidos, caso possua muita fé, se torna uma experiência catártica. “Com isso, esse grupo de pessoas que estão em vulnerabilidade não lutam pelos seus direitos, não interagem, não constroem força social, muito pelo contrário, eles vão catarticamente àquelas igrejas e esvaziam as suas frustrações. Em médio e longo prazo, isso é um problema nocivo ao país, é desviante a um olhar politicamente correto”, conclui ela.

Foto: Lorena Lima

O crescimento neopentecostal causa críticas dentro da própria religião evangélica. Reginaldo Cruz Ferreira é pastor pentecostal e fala sobre sua desconfiança com igrejas neopentecostais, alegando que suas doutrinas e práticas litúrgicas rompem com o ortodoxo e importam costumes norte-americanos como a Teologia da Prosperidade, a quebra de maldições hereditárias e o mapeamento geográfico de demônios, elementos que não possuem sustentação no texto bíblico.

“Eles se dedicam inteiramente a esse mundo e essa vida, como forma de resolver magicamente os problemas dos fiéis, é tudo no aqui e agora. Não parece uma proposta séria de salvação, não entendem que há sofrimento nessa vida, momentos difíceis e de complexidade que farão sentido na outra vida”, fala o pastor.

MERCADO DA FÉ

O neopentecostalismo é constituído pela lei do mercado e se adapta ao público alvo. Exibe, uma vitrine cheia de opções de igrejas a cada três passos em cidades grandes, pequenas e minúsculas. Com tantas opções, não existe protestante neopentecostal não praticante.

Jacqueline explica que o sentido mercadológico é proveniente da escolha, “com tantas igrejas eu escolho qual quero”. A procura dos fiéis possui demandas religiosas e as igrejas se adaptam a cada sujeito, essa é a lógica do mercado.

“Os fiéis estão motivados por questões religiosas, se essas questões religiosas foram construídas socialmente pela falta do que vem do Estado, isso não exclui a fé desses sujeitos. Ela sofre uma alquimia social e ideológica, são sujeitos complexos dentro de uma sociedade extremamente desigual de um mundo globalizado”, fala a pesquisadora.

Essas igrejas possuem um fator diferenciador que é o mercado, elas usam da Teologia da Prosperidade como um “produto” a venda, capaz de sanar com os problemas financeiros dos crentes no mundo capitalista. O neopentecostalismo é detentor desse produto que as demais instituições pentecostais não possuem.

Saulo Inácio da Silva é teólogo e estuda o protestantismo, explica que o grande motivo de problemas sociais é a crença na prosperidade sem muito trabalho e estudo, apenas na esperança de bênçãos de Deus. O que faz com que muitos membros de igrejas doem dízimos, além do seu poder econômico, na crença de um milagre. Assim, resultando em um enriquecimento de líderes religiosos.

Foto: banco de Imagens

“Essa faceta, perante uma análise de fora do grupo, é o grave crime social, pois vemos mansões e carros de muitas lideranças em contrastes com membros extremamente pobres que dizimam a Deus na espera de uma vida economicamente melhor ou pela cura que a medicina e/ ou o Estado não pode arcar”, explica Saulo.

O poder eclesiástico é extremamente presente nos templos religiosos, Jacqueline explica o fenômeno como uma crença que o sujeito tem sobre si mesmo, sendo vistos como empresários da fé. São pessoas com grande dominação carismática. “Esses empresários da fé acreditam que o que fazem é certo, e à medida que vão ascendendo eclesiasticamente, se tornam mais objetivos e percebem todo o poder que possuem. São grandes líderes com grande poder, pessoas que amam o poder e que justificam o uso dele religiosamente”, explica.

Saulo fala sobre a crença dos membros da igreja neopentecostal no líder que os guia, pois ele é considerado um “santo”, um ser divino, e, por seus feitos, é digno dessa conquista.

SINCRETISMO DEMONIZADO

O sincretismo religioso se caracteriza na confluência entre as religiões. No Brasil, ele é historicamente marcado por essa mistura de doutrinas cristãs, africanas e tradições indígenas. Na questão neopentecostal, a valência do sincretismo se dá na demonização de entidades de outras religiões, especialmente as de matriz africana.

Jacqueline explica que as igrejas neopentecostais mantem o sincretismo no sentido litúrgico, não acreditam nas entidades, mas as demonizam e isso vem de um lugar de preconceito e de uma lógica de poder dominante, de uma lógica colonial que subordina as culturas africanas e indígenas. “Há uma religiosidade sincrética no povo brasileiro e as igrejas neopentecostais, por meio da demonização, continuam falando sobre essa matriz religiosa brasileira. Não a cortam, a modificam”, explica.

O pastor Reginaldo fala sobre uma desconstrução do pentecostalismo e a construção do neopentecostalismo com a inserção de elementos estranhos ao culto, à lógica de mercado da fé transformando os crentes em conglomerados de uma fé triunfalista, por benefício próprio e não uma fé triunfante pelo culto a Deus. Segundo o pastor, a terceira onda do pentecostalismo afasta a ideia original. “O movimento neopentecostal distancia do verdadeiro pentecostalismo, quando falo do verdadeiro pentecostalismo, não falo de saudosismo, falo de uma categoria das ciências da religião chamada de primeira onda, o pentecostalismo clássico”, diz.

Com 52 milhões de pessoas na pobreza e 13 milhões em situação de extrema pobreza, segundo uma pesquisa realizada pelo IBGE em 2019, não é difícil de entender os motivos que uma classe esquecida e desamparada pelo Estado acreditar e esperar por um milagre. A dureza da realidade pode ser aliviada em compras, não tão pequenas assim, no grande shopping da fé.


Colaboração e pesquisa: Vinícius Trindade


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