Práticas de cura em terreiros de religiões afro-brasileiras se conectam ao SUS em busca de atendimento integral e respeito à diversidade cultural e religiosa na saúde pública.
Por Paulo Gama

Macapá (AP) - As religiões de matriz africana no Brasil têm suas raízes profundas nas tradições espirituais e culturais de diversos povos africanos, especialmente de regiões como o Congo, Angola, Nagô e Yorubá. Estes povos foram forçados a migrar para o Brasil como escravizados entre os séculos XVI e XIX, enfrentando a violência e a opressão impostas pelo sistema colonial. Diante de condições desumanas, essas comunidades africanas mantiveram suas tradições religiosas, adaptando suas práticas ao novo contexto e resistindo à tentativa de apagamento de sua cultura e identidade.
A partir dessa resistência, surgiram no Brasil sistemas religiosos como o Candomblé e a Umbanda, que não apenas preservaram práticas ancestrais, mas também incorporaram elementos do catolicismo e do espiritismo, criando uma espiritualidade rica e única. Essas tradições refletem a resiliência e a capacidade de adaptação dos africanos e seus descendentes no país, consolidando-se como parte essencial da cultura brasileira. Em paralelo, os terreiros, que funcionam como locais sagrados de prática religiosa e cura, tornaram-se também espaços de acolhimento comunitário e preservação de saberes ancestrais.
Com o tempo, os terreiros de religiões de matriz africana passaram a ocupar um papel central na vida de milhões de brasileiros, oferecendo não apenas assistência espiritual, mas também apoio social e, em muitos casos, práticas de saúde integrativas que hoje começam a dialogar com o Sistema Único de Saúde (SUS). Entretanto, essas práticas ainda enfrentam desafios, como o preconceito e a falta de políticas públicas que valorizem sua contribuição para a saúde pública e o bem-estar da população.
No Amapá, as religiões de matriz africana emergiram como um fenômeno resultante de uma imigração cultural, inicialmente através das práticas do candomblé, que se estabeleceram na região a partir da década de 1980. Esse processo foi impulsionado por sacerdotes e líderes espirituais de outras partes do Brasil, que se mudaram para Macapá, seja para fixar residência ou para iniciar e acompanhar o desenvolvimento espiritual de seus filhos de santos locais. Esse movimento de chegada e implantação não se deu apenas de forma física, mas também através da transmissão de saberes e tradições espirituais, o que possibilitou a formação de um núcleo religioso com identidade própria na região.
Os terreiros como espaços de cura
Dentro desses espaços, pais e mães de santo oferecem um ombro amigo para dores que podem levar ao adoecimento físico e mental. “A ausência de suporte afetivo e espiritual é uma das principais causas que levam ao adoecimento físico e mental. Muitas vezes, as pessoas chegam ao terreiro após já terem tentado o que a medicina convencional oferece, mas sem sucesso. Aqui, encontramos formas de acolher essas dores de maneira integral, respeitando a história de cada um”, destaca Jean Barriga, Babalorixá (Pai de santo) do Ilê Axé Odé Igui Lomi e enfermeiro do Hospital de Clínicas Doutor Alberto Lima (HCAL) em Macapá.

Na sua experiência, Jean observa que muitos pacientes, após buscar o Sistema Único de Saúde (SUS), recorrem aos terreiros. “A medicina convencional muitas vezes não tem respostas para problemas espirituais ou emocionais, e os terreiros oferecem um acolhimento que vai além do físico. Alguns médicos, ao não encontrar uma explicação para o problema, recomendam que o paciente procure uma prática religiosa como a do terreiro”, afirma.
Mas, apesar das contribuições significativas dos terreiros no cuidado integral à saúde, existe a necessidade de considerar os limites do SUS no atendimento às demandas emocionais e espirituais da população. A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), que é uma política estruturante da saúde mental no Brasil, é um exemplo desse desafio. Constituída por um conjunto integrado e articulado de diferentes pontos de atenção, a RAPS foi criada para atender pessoas em sofrimento psíquico e com necessidades decorrentes do uso prejudicial de álcool e outras drogas. Por meio do SUS, essa rede estabelece ações intersetoriais que visam garantir a integralidade do cuidado, envolvendo esforços conjuntos do Governo Federal, Estados e Municípios.
Os atendimentos são realizados em diferentes níveis, incluindo a Atenção Primária à Saúde (APS) e os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), onde os usuários têm acesso a equipes multiprofissionais e cuidados terapêuticos individualizados. Em algumas modalidades, como os CAPS III, há ainda a possibilidade de acolhimento noturno e/ou cuidado contínuo para situações de maior complexidade. Contudo, apesar da abrangência proposta, a RAPS enfrenta desafios estruturais, como insuficiência de recursos, baixa cobertura em determinadas regiões e carência de profissionais capacitados.
Essas limitações frequentemente levam muitas pessoas a buscar alternativas fora da saúde pública convencional, como o acolhimento espiritual oferecido nos terreiros. Enquanto o SUS, através da RAPS, foca em abordagens clínicas e terapêuticas, os terreiros oferecem um suporte que combina práticas espirituais e comunitárias, criando uma rede de cuidado que complementa o que a saúde pública tradicional não consegue suprir. Esse potencial integrativo reforça a importância do diálogo entre os terreiros e o SUS, sugerindo caminhos para políticas de saúde pública mais inclusivas e respeitosas com a diversidade cultural e religiosa. É importante ressaltar que todas as práticas aqui mencionadas e exploradas, não substituem os tratamentos médicos convencionais, mas funcionam como um complemento, promovendo uma abordagem integral da saúde.
Nesse sentido, os terreiros de religiões de matriz africana não representam apenas locais de devoção, mas também verdadeiros centros de cura e acolhimento. Esses espaços sagrados são fundamentados em práticas ancestrais que abordam a saúde de forma ampla, tratando o corpo e o espírito como dimensões interligadas da experiência humana. De acordo com estudo da Fiocruz realizado em parceria com a Faculdade de Medicina de Petrópolis, 61,7% da população brasileira recorreram às terapias alternativas em 2020. Essas práticas incluem as oferecidas nos terreiros, como o uso de ervas medicinais e rituais que combinam dimensões espirituais e físicas para promover cura e equilíbrio.
Francisco Leite dos Santos, de 43 anos, professor e Babalorixá do Ilê Axé Aganju Nygbelê, localizado na Zona Norte de Macapá, compartilha uma jornada de fé e cura que começou em 2008. “Tive um problema de saúde, uma infecção nas minhas pernas que não evoluiu para o resto do corpo. Andei por vários hospitais, e os exames não apontam a causa do problema. Muitos falavam que era erisipela (doença infecciosa causada por bactérias), mas nada era confirmado”. Sem respostas na medicina convencional, ele encontrou alívio inesperado através de práticas espirituais. “No aeroporto de Belém, uma senhora me disse que meu problema era espiritual e que eu deveria procurar a Umbanda. Fiz isso, e em três dias, com ervas, chás, banhos e benzimentos (rituais de obtenção e proteção, realizados com orações e elementos sagrados), minha infecção começou a regredir. Foi a partir daí que me abri para o mundo espiritual.”

O papel do terreiro na vida de Francisco foi essencial. Muito antes de se tornar pai de santo, ele se dedicou à espiritualidade para se fortalecer e encontrar respostas para o que vivia. “Os momentos de trabalho espiritual foram intensos, e eu me fascinava cada vez mais. Mesmo depois de curado, comecei a ter sonhos com figuras vestidas em trajes brilhantes, o que me impulsionou a buscar mais sobre minha espiritualidade. Só depois, com o apoio da cabocla Odete Légua e meu Pai de Santo João Loureiro, desenvolvi minhas capacidades mediúnicas e encontrei meu caminho”, narra.
Embora a medicina espiritual seja poderosa, Francisco reconhece a importância do SUS. “Busquei o SUS na época, mas sem êxito, pois os exames não mostravam o problema. O SUS é essencial, atende a população de forma ampla, mas ainda precisa de melhorias, como mais leitos e infraestrutura”, reflete. Ele vê a complementaridade das práticas de saúde pública com as oferecidas nos terreiros: “O terreiro assume um papel de complementar o que o SUS não cobre, especialmente quando se trata de questões espirituais.”
Porém, Jean Barriga alerta que, para uma maior integração entre as práticas de saúde pública e as dos terreiros, é fundamental uma política pública mais eficaz. “Se houvesse uma política pública voltada para essa integração, com um maior respaldo do Ministério da Saúde, isso facilitaria o trabalho tanto dos terreiros quanto dos hospitais. Nós já temos nossa autonomia dentro do terreiro, mas seria interessante que o SUS reconhecesse oficialmente a importância dessa complementaridade, permitindo que a espiritualidade fosse respeitada e integrada ao tratamento dos pacientes que assim desejarem.” No entanto, o diálogo entre o SUS e os terreiros ainda é limitado. “Percebo que ainda falta uma inserção maior do SUS nos terreiros. Poderia ser uma via de mão dupla, mas atualmente não há uma política efetiva que conecte as duas práticas. Seria fundamental incluir as religiões de matriz africana nas políticas públicas de saúde”, observa Francisco. A ausência desta colaboração é uma perda para ambas as partes, pois há um potencial para práticas integradas que beneficiem as comunidades.
O direito à saúde no Brasil
Historicamente, a construção de uma política de saúde inclusiva no Brasil começou a tomar forma com a Constituição Federal de 1988, que consolidou a saúde como direito universal. A partir dela, foram estabelecidos marcos como a Lei Orgânica da Saúde, por meio das Leis Complementares nº 8.080 e nº 8.142, ambas de 1990, que estruturam o SUS. Esses documentos fundamentaram a participação social e a integração de práticas de saúde de diferentes origens e saberes, abrindo caminho para um entendimento mais amplo do cuidado.
No início dos anos 2000, houve uma ampliação do reconhecimento das práticas integrativas no SUS com a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) em 2006, que incluiu tratamentos como acupuntura, homeopatia, fitoterapia e outros saberes tradicionais. Embora as práticas afro-brasileiras não fossem reconhecidas diretamente na PNPIC, essa política abriu precedentes para discussões sobre inclusão de saberes de matriz africana na saúde pública.
Em 2017, o Ministério da Saúde publicou a Portaria nº 702, reforçando o apoio ao uso de práticas integrativas em espaços comunitários, com foco na saúde mental e no bem-estar de populações marginalizadas. Mais recentemente, a Resolução nº 715 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), de 2023, consolidou esse processo, reconhecendo explicitamente a importância dos terreiros para a promoção da saúde no Brasil. A medida aponta para um futuro em que a colaboração entre o SUS e os saberes afro-brasileiros contribua para a redução de desigualdades e amplie o acesso a cuidados amplos.
“46. (Re)conhecer as manifestações da cultura popular dos povos tradicionais de matriz africana e as Unidades Territoriais Tradicionais de Matriz Africana (terreiros, terreiras, barracões, casas de religião, etc.) como equipamentos promotores de saúde e cura complementares do SUS, no processo de promoção da saúde e 1ª porta de entrada para os que mais precisavam e de espaço de cura para o desequilíbrio mental, psíquico, social, alimentar e com isso respeitar as complexidades inerentes às culturas e povos tradicionais de matriz africana, na busca da preservação, instrumentos esses previstos na política de saúde pública, combate ao racismo, à violação de direitos, à discriminação religiosa, dentre outras”
Trecho retirado da Resolução nº 715 do CNS, página 12.
Algumas práticas desenvolvidas nos terreiros
Os terreiros de religiões de matriz africana desenvolvem práticas de cura que se baseiam em uma compreensão integral da saúde, onde corpo, mente e espírito estão interligados. Um dos conceitos centrais dessas tradições é o axé, que é a força vital presente em todos os seres vivos e elementos da natureza. Logo, manter o axé em equilíbrio é primordial para garantir bem-estar e saúde. Quando essa energia é desestabilizada, é necessário recompor o axé por meio de rituais, ervas e outros métodos.
Dentro dos terreiros, há profundo respeito às tradições ancestrais e ao poder da natureza. Pois todas as práticas de cura incluem o uso de ervas e plantas em banhos, chás, infusões e defumações. “Dentro dos terreiros, esses tratamentos são oferecidos de acordo com a necessidade de cada pessoa. Na umbanda, os caboclos (entidades incorporadas nos médiuns) atendem e verificam o que a pessoa está passando, e a partir daí são indicados banhos de ervas, benzimentos, defumações, os passes, e trabalhos mais específicos. Já no candomblé, o jogo de búzios analisa e verifica qual área da sua vida precisa ser energizada e equilibrada”, reforça Francisco.

Nesses rituais a conexão com orixás (divindades) e entidades (espíritos que já viveram no plano terrestre, mas hoje se manifestam através de incorporações) enriquece ainda mais esses cuidados, trazendo uma sabedoria ancestral que complementa a medicina moderna, mas sem substituí-la. “Os rituais e os tratamentos espirituais visam restaurar o equilíbrio energético da pessoa. Não estamos substituindo a medicina, mas proporcionando uma cura integral, tratando a mente e o espírito, muitas vezes quando a medicina convencional não consegue achar uma explicação para os sintomas físicos”, acrescenta Jean.
Os rituais de cura são muitos e complexos, logo exigem muita fé das pessoas que os procuram. Por exemplo, o jogo de búzios, pertencente ao candomblé, é um sistema de oráculo (consulta com divindades) no qual somente um pai ou mãe de santo pode consultar as 16 conchas que compõem o jogo para buscar respostas e orientações dos orixás. As pessoas recorrem a essa prática para entender melhor seus desafios e receber conselhos espirituais.
No processo o pai ou mãe de santo desperta o axé de quem busca auxílio, daí a cada resposta existe um odu (destino) e os líderes espirituais interpretam as respostas para a pessoa. A tradição dos odus foi preservada e transmitida oralmente ao longo de muitas gerações.
É no jogo de búzios que será indicado quais práticas, banhos de ervas ou rituais são necessários para restaurar a energia da pessoa. Dependendo dos sinais e sintomas, os búzios recomendam banhos específicos, rituais ou até mesmo uma nova consulta, para verificar se as práticas foram eficazes ou o que mais pode ser feito.

Um dos rituais mais comum de se realizar é o ebó, que por sua vez, é um ritual de oferenda aos orixás, que envolve elementos como frutas, grãos, ervas, azeites, óleos e outros itens. É um ritual de limpeza e purificação e sua execução é realizada por babalorixás ou yalorixás, que detêm o conhecimento necessário para interpretar os sinais revelados pelo jogo de búzios.


O ebó é realizado com cânticos, rezas e invocações aos orixás. Cada alimento tem um fundamento, nada é por acaso, esses alimentos são passados e rezados no corpo das pessoas, pedindo saúde, prosperidade, caminhos abertos e a restauração do axé.

Outro ritual, é o borí, dedicado ao orí, ou seja, a cabeça, que na espiritualidade de matriz africana simboliza a consciência e a ligação com o divino. Nesse ritual, a cabeça da pessoa é preparada para receber e manter o axé dos orixás, proporcionando equilíbrio e proteção espiritual. O borí é feito tanto por iniciados (pessoas que frequentam uma casa de axé) quanto por aqueles que buscam apenas harmonia e clareza mental.


Os banhos de ervas também são práticas poderosas para purificação e renovação. Cada banho é preparado com uma intenção específica, respeitando a simbologia e as propriedades das plantas utilizadas. Ao tomar um banho de ervas, a pessoa busca se reconectar com a natureza, limpar as energias ruins e restaurar o seu bem-estar físico e espiritual.

O atendimento com guias ou entidades também é muito procurado nos terreiros: “as pessoas buscam orientação diretamente com entidades espirituais, como os Pretos-Velhos, Caboclos e Pombagiras. Nesses atendimentos, pessoas médiuns incorporam suas entidades e elas oferecem conselhos, proteção e direcionamento espiritual” diz João Loureiro, Babalorixá do Ilê Asé Áyrà Obá Dônyân.


É importante destacar que muitas práticas realizadas dentro dos terreiros não podem ser reveladas por completo, pois possuem fundamentos que nem todas as pessoas podem ter acesso. “Quando a pessoa está desequilibrada espiritualmente, ela acaba refletindo isso no seu corpo. A energia das práticas espirituais do terreiro ajuda a reequilibrar essa pessoa, fazendo com que ela se sinta melhor, o que pode contribuir para o sucesso de um tratamento médico”, afirma Jean.
Cada pessoa pode encontrar no terreiro uma forma de cura que mais se encaixa em sua própria jornada espiritual e necessidades pessoais. Dessa maneira, os terreiros continuam a ser espaços de acolhimento, resistência e promoção da vida em suas múltiplas dimensões.
Dados e geografias dos terreiros
Com uma população predominantemente afro descendente, a cidade de Macapá é um importante centro das religiões de matriz africana na região Norte do Brasil. Cada vez mais a cidade tem se tornado um espaço de significativa expressão cultural e religiosa, com o candomblé, a umbanda e outras práticas espirituais afro-brasileiras, que crescem em visibilidade e relevância ao longo dos últimos anos.
Os dados sobre a presença de terreiros na cidade são limitados, mas o babalorixá Jean Barriga diz que nos últimos anos houve um aumento significativo na instalação e consolidação dessas casas em Macapá. Em bairros como o Perpétuo Socorro, Muca, Centro e Zona Norte de Macapá, há uma concentração considerável de terreiros de candomblé, umbanda e outras tradições, refletindo a diversidade espiritual da cidade. Esses espaços de culto têm se multiplicado especialmente desde os anos 1980, com a chegada de sacerdotes e adeptos vindos de outros estados, principalmente do Pará, Maranhão e Rio de Janeiro, que trouxeram suas práticas religiosas.
A geografia dos terreiros de Macapá revela uma dinâmica que reflete tanto a expansão urbana da cidade quanto a crescente importância dessas religiões na vida comunitária e social. Em muitos casos, os terreiros são distribuídos por áreas periféricas e bairros de classe média, mas também estão presentes no centro da cidade, funcionando não apenas como lugares de culto, mas como centros culturais, de acolhimento e apoio à população local.

Além dos rituais religiosos, muitos terreiros em Macapá também desempenham um papel importante em questões sociais, como apoio psicológico, assistência às pessoas em vulnerabilidade e promoção de ações educativas e culturais. Um exemplo é Ilè D'Asè Ig'Balè Fundeguilé, dirigido pela mãe Carmen Sheila, que desenvolve um projeto de distribuição de marmitas, verduras, legumes e frutas, mensalmente na comunidade.

A importância dos terreiros de candomblé e umbanda em Macapá vai além do campo religioso, pois eles são vistos como verdadeiros núcleos de resistência cultural, promovendo a preservação das tradições afro-brasileiras e a afirmação da identidade negra na cidade. Em um contexto de históricas desigualdades sociais e raciais, esses espaços têm sido fundamentais para a promoção de uma identidade coletiva, para o fortalecimento da autoestima dos negros e para a luta contra o racismo estrutural.
Desse modo, ao abordar a complementaridade entre o SUS e os terreiros de religiões de matriz africana em Macapá, fica evidente que o diálogo entre saúde pública e espiritualidade não só enriquece o cuidado integral oferecido às pessoas, mas também fortalece a valorização de saberes ancestrais. Entretanto, vale refletir sobre uma assimetria presente na lógica de pensar a saúde não só a nível regional, mas também nacional: enquanto a medicina oriental, ancorada em tradições asiáticas, ganha cada vez mais reconhecimento e espaço no âmbito das práticas integrativas, o mesmo não ocorre com a medicina fundamentada nos saberes africanos. Essa diferença não é casual, mas reflete um racismo estrutural que ainda desvaloriza as contribuições africanas para o cuidado e o bem-estar. Reconhecer e assimilar essas práticas é um passo essencial para promover a equidade na saúde pública e combater preconceitos históricos.
Essa reflexão aponta para a importância de um cuidado que acolha todas as dimensões da experiência humana, fortalecendo as identidades culturais e promovendo o bem-estar das comunidades. Assim como as religiões de matriz africana resistiram e se adaptaram ao longo dos séculos, sua integração ao campo da saúde pública reflete a possibilidade de um futuro onde os saberes de todos os povos sejam igualmente reconhecidos e respeitados.
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