Por: Maian Maciel
Desde a propagação global do Novo Coronavírus, os efeitos catastróficos foram rapidamente sentidos por todo a população e, consequentemente, impactando aspectos que incluem o psicológico das pessoas. Diante de todos os desafios que a pandemia da Covid-19 vem causando, em todo o mundo, a saúde mental e emocional é um dos grandes problemas enfrentado durante este período.
Os impactos psicológicos negativos estão diretamente ligados a fatores diários da rotina que foi alterada bruscamente. Atividades habituais que eram normalmente vivenciadas pela população tiveram que sofrer adaptações causadas pela pandemia. As mudanças vieram junto com a preocupação em não contrair o vírus. O risco da morte e do sofrimento começou a abalar mental e emocionalmente a população.
Além da angustia em seguir todas as normas de proteção, o isolamento social - medida adotada para evitar aglomerações -, vem sendo um dos grandes gatilhos para a depressão e a ansiedade, já que o distanciamento de pessoas foi umas das recomendações. São crises que existem anteriormente à pandemia, entretanto, ressaltaram-se neste período de incertezas e mudanças drásticas. Sendo assim, cresceu o número de pessoas que estão sofrendo com crises psicológicas, nesse período turbulento, e inúmeras redes de apoio estão sendo procuradas e disponibilizadas para que a população trate desses problemas mentais e emocionais. Estes serviços são oferecidos por profissionais particulares ou mesmo instituições ou organizações sociais. Na Universidade Federal do Amapá, existe um atendimento psicológico remoto
A servidora da Divisão de Qualidade de Vida da Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas da UNIFAP, Camila Filocreão, psicóloga especialista em saúde mental, concedeu uma entrevista à Agência de Comunicação Experimental da Unifap (AGCom) sobre o assunto.
Agcom: Quais são os sintomas de transtornos psicológicos mais frequentes desse cenário de pandemia que o mundo vem passando?
Camila Filocreão: Pelas atuais circunstâncias causadas pela pandemia do COVID, que envolve o medo de contágio e/ou do agravamento do quadro de quem já se contraiu a doença, a ausência de cura ou vacinas, colapso do sistema de saúde, as perdas financeiras e de entes queridos, isolamento social, afastamento e perda do trabalho, convívio intenso com pessoas cujo relacionamento possa ser demandante e/ou conflituoso, cenários de incertezas no qual é impossível saber ao certo o que irá acontecer, temos, naturalmente, um ambiente mais ansiogênico e marcado pela diminuição de várias atividades promotoras de bem-estar, o que propicia a incidência de sintomas e/ou episódios de ansiedade e depressão, como o agravamento de quadros psicopatológicos pré-existentes.
Como sintomas depressivos, cito uma diminuição ou falta de motivação e/ou prazer em realizar atividades que antes eram prazerosas - anedonia, isolamento social, diminuição da autoestima, pessimismo, sentimentos predominantes de tristeza ou vazio. Entre os sintomas ansiosos, podemos citar as preocupações constantes, sensação de insegurança, medo de algo específico venha a acontecer, agitação, nervosismo, predominância de sintomas físicos, que podem até se confundir com o COVID como falta de ar, dor no peito, cansaço, inapetência... Esses sintomas podem se sobrepor e ambos os quadros podem ser marcados por alteração do sono, apetite (para mais ou para menos), tensão muscular, dores de cabeça e no corpo, falta de concentração, fadiga, culpa, vergonha, sensação de peso. Outra consequência comum é o aumento de atividades compulsivas como forma de aliviar o estresse e o sofrimento, como o consumo de álcool, outras drogas e até mesmo a compulsão alimentar. As relações familiares podem se tornar mais conflituosas, com brigas, discussões, desentendimentos. Infelizmente, o aumento no abuso de álcool e outras drogas tem relação com o aumento da violência doméstica, que já registrou uma ascensão desde que o isolamento social teve início no Brasil.
Estudos realizados na China mostraram que metade da população em Wuhan, que viveu o isolamento social, foi acometida de sintomas de ansiedade e depressão em diferentes níveis de gravidade. Entre os quadros ansiosos, percebe-se que países que passaram por epidemias semelhantes, percebeu-se um aumento de Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) e Síndrome do Pânico.
Agcom: Como identificar e como procurar ajuda?
C.F: Sempre digo que certo nível de ansiedade, para esse momento, é esperado. Reagimos às circunstâncias e existe um perigo real rondando, além de perdas que muitas pessoas vêm sofrendo. É humano sofrer diante disso tudo, especialmente se a pessoa é diretamente atingida por alguma situação problemática. Porém, existe a tendência a nos adaptarmos às situações novas, buscando conforto nos relacionamentos afetivos e realizando atividades que nos fortaleçam e que promovam o bem-estar.
Quando a pessoa tem dificuldade em adaptar-se, os sentimentos negativos tornam-se exagerados e frequentes, as preocupações ou pessimismo tomam conta, prejudicando a qualidade de vida e causando um sofrimento difícil de lidar, é salutar buscar ajuda profissional. Alteração de sono e apetite, para mais ou para menos, dificuldades de concentração e tomada de decisão, falta de energia, diminuição na capacidade de sentir prazer, irritação ou apatia, taquicardia, falta de ar, dores de cabeça e musculares relacionadas ao estresse ou tristeza também são indícios importantes de que algo não vai bem. De maneira geral, o adoecimento psicológico, além de gerar sofrimento, costuma prejudicar o desempenho da pessoa em mais de uma área de sua vida, como trabalhos, estudos, relacionamentos pessoais e familiares.
Agcom: É provável que as consequências psicológicas ocasionadas pela pandemia se estendam após esse período que estamos passando. Como a ajuda dos profissionais da saúde mental auxiliam no processo de readaptação à vida fora de casa com novas rotinas de socialização que deveremos ter?
C.F: Ainda que muitos desejem sair do isolamento, voltar à rotina irá requerer adaptação, pois o mundo não será mais o mesmo. É provável que uma recessão econômica perdure e sabemos que crises financeiras geram consequências em cadeias em que aspectos socioeconômicos repercutem sobre a saúde mental. Muitos não irão voltar para a mesma rotina, pois não haverá mais o emprego, ou as escolas, academias, lojas que frequentava poderão ter fechado. Também é possível em que a rotina voltará a ser parte do que era, mas uma ou mais pessoa importante na sua vida, poderá não estar mais presente. Não sabemos se o isolamento irá se extinguir com a erradicação da doença, ou somente com um controle dela. É possível que tenhamos que manter medidas rígidas de higiene e o medo de novas ondas do COVID ou de um novo vírus assombre as pessoas. Por outro lado, quero acreditar que este acontecimento terá sensibilizado muitas pessoas sobre a necessidade de auxiliar o próximo e que a participação em grupos de voluntariados, ações solidárias, irá promover a sensação de pertença social e fortalecer as redes de apoio das pessoas.
Acredito em um aumento nas demandas de saúde mental, o que deve ser acompanhado por um aumento na oferta dessas atividades. Nesse cenário, os profissionais de saúde mental continuarão a atuar em tratamentos, seja através de medicação, psicoterapia, grupos terapêuticos, terapias alternativas. É provável que o atendimento online continue em alta e que terapias em grupo sejam mais ofertadas nesse formato. Acredito que iremos apostar não somente no tratamento, mas na prevenção e promoção de saúde mental através de saúde mental, psicoeducação, exercícios de psicologia positiva e atividades promotoras de bem-estar.
Agcom: Há grupos de maiores riscos ao adoecimento mental?
C.F: Sim, há fatores de riscos: pessoas com histórico de maus tratos, violências e/ou negligência, que tenham uma rede de apoio social restrita ou ausente, em condições socioeconômicas desfavoráveis, que vivenciam situações estressoras (divórcio, doenças graves, desemprego, luto e etc.), com histórico familiar de adoecimento mental e as minorias que sofrem rejeição social são mais propensas a desenvolver algum tipo de transtorno psicológico. A fase da vida deve ser levada em conta: a adolescência e a terceira idade são fases que requerem maior atenção. No caso das mulheres, que já recebem maior parte dos diagnósticos de transtornos de ansiedade e depressão, a gravidez e o puerpério são períodos de grande fragilidade emocional. Mas, durante a pandemia, ressalto que devemos ter maior cuidado com os profissionais que atuam na linha de frente no combate ao COVID e com as pessoas que vivenciam o isolamento total e o luto de entes importantes.
Agcom: Por conta do isolamento social, fala-se mais em depressão e ansiedade. Há uma forma de prevenção?
C.F: A forma como a pessoa significa esse isolamento social repercute sobre sua saúde. Se a pessoa enxerga como algo arbitrário, totalmente contra a sua vontade, negativo como uma prisão domiciliar, que “parece que nunca vai terminar”, ela vai sentir vivenciar de forma mais negativa essa condição. Se ela interpreta o isolamento como sinônimo de solidão, (re)vivendo sentimentos de desamparo e abandono, a tristeza se fará presente. Então, compreender que essa é uma medida de segurança, suportável e passageira, da qual se pode até extrair boas aprendizagens e experiências, é uma atitude importante. É um desafio válido incrementar esse período com atividades prazerosas, que tenham significado para a pessoa e contribua para seu crescimento pessoal e/ou profissional. Diminuir as preocupações, focando-se em um dia de cada vez, concentrando-se no que tem para fazer no momento, como também desfrutando os pequenos prazeres e avanços que forem possíveis, pode ajudar.
Existem várias dicas sendo divulgadas, tudo que for para melhorar a saúde mental ajuda a prevenir: realizar exercícios físicos, manter uma rotina, diminuir o consumo de informações negativas, utilizar as redes sociais para se aproximar das pessoas e diminuir a sensação de isolamento, divertir-se, entre outras. Mas, acredito que essa é uma excelente oportunidade de refletimos sobre o quanto precisamos uns dos outros e aumentarmos a nossa conexão social. Ajudar as pessoas, seja escutando-as com interesse e sem julgamento, seja com auxílio financeiro e/ou material, pode gerar um bem-estar e fortalecimento tanto em quem doa, quanto em que recebe.
Outra excelente forma de prevenção é admitir quando o sofrimento estiver passando da conta e buscar auxílio de amigos, familiares e profissional.
Agcom: Como as pessoas que estão no atendimento da saúde pública, na linha de frente do combate ao Coronavírus, podem não sofrer ou reduzir o sofrimento diante do caos?
C.F: Além dos cuidados com a saúde mental, já mencionados, é importante que o Estado e/ou que a sociedade civil propicie a oportunidade de assistência a saúde dessas pessoas, especialmente dando espaço para o compartilhamento e acolhimento de seu sofrimento. Não vejo possibilidade de não sofrer diante de mortes, do medo de contaminar e se contaminado, da sobrecarga e condições precárias de trabalho e, às vezes, diante da responsabilidade da escolha de qual paciente irá se salvar com a utilização do leito disponível. Tentar não sofrer é entrar em um processo de negação e fuga das próprias emoções, pode levar um estado de apatia pessoal/profissional e até ao abuso de meios para “amenizar” a dor, como abuso de álcool e de psicofármacos.
Acredito que seja mais salutar pensarmos em meios de ressignificar o sofrimento. A psicologia tem terapêuticas variadas como a terapia em grupo, individual e on-line. Pode utilizar técnicas de meditação, relaxamento, regulação emocional. Vejo como favorável os espaços coletivos de escuta, pois esse é um problema compartilhado e escutar que o outro sofre parecido, pode diminuir a sensação de solidão e fortalecer a sensação de amparo. É possível diminuir o foco nos aspectos negativos do momento e redirecioná-los para os positivos: como a relevância social desse trabalho, a gratidão e a melhora de muitos pacientes, a sensação de estar empenhado em um propósito que faça sentido para o profissional.
Parte do sofrimento vem do colapso do sistema de saúde e do seu sucateamento, pois os profissionais se veem impotentes e afrontados diante da carência e ausência de materiais de segurança, medicamentos, equipamentos, infraestrutura e profissionais. Existe uma questão política por trás, da qual não podemos fechar os olhos: o que vivemos é também reflexo de quem elegemos. Então, essa dor, que é a dor de todos, pode sacudir a população e deixa-la mais atentas as propostas de seus candidatos em uma próxima eleição.
Agcom: É possível reduzir o risco do adoecimento físico com o equilíbrio das nossas condições mentais e emocionais?
C.F: Com certeza! Corpo e mente são “engrenagens” da mesma “máquina”. Na verdade, fazem parte de uma coisa só que é o organismo humano. A saúde física interfere na emocional e o inverso também é verdadeiro. Por isso que pesquisas vem mostrando que práticas alimentares saudáveis e atividade física, que há muito tempo vem sendo receitada para atenuar e prevenir diversos quadros de adoecimento orgânicos, também têm um impacto positivo sobre a saúde mental. Por outro lado, o excesso de estresse e ansiedade e a incidência de quadros psicopatológicos desgastam o organismo, prejudicam a sua capacidade de descanso e reparação, diminuem a imunidade e deixam-no propenso a inflamações e ao envelhecimento precoce, abrem portas para a incidência de outras doenças.
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