Aumento dos casos depois de um ano de pandemia e alta demanda e falta de materiais essenciais nos leitos hospitalares causam sobrecarga de trabalho e afetam saúde emocional no Amapá.

Mais de um ano após o início da pandemia do Coronavírus, o Governo do Estado prorroga seguidamente o lockdown para conter o avanço da Covid 19. O Amapá regista aumento significativo dos casos de infecção e mortes desde março. Os leitos estão esgotados apesar de abertas novas vagas no Hospital Universitário ainda não supre a demanda. Só no HU são 10 admissões por dia, 2 a 3 altas e 1 a 2 óbitos por dia, afirma médico da linha de frente que preferiu manter anonimato.
No fim do ano passado houve uma redução dos casos, mas foi passageiro. A partir de janeiro de 2021 houve um crescimento da curva dos casos de infecção. A classe dos profissionais da saúde está esgotada fisicamente, como relata o fisioterapeuta Hélio Pamphylio, atualmente trabalhando no HU.
“A gente não se dá ao luxo de recusar os trabalhos e de faltar, pois a demanda está grande. A profissão exige muito da gente. E emocionalmente é complicado. Quando perdemos um paciente conhecido ou conhecido de um conhecido, ou perdemos alguém com quem estabelecemos um vínculo de confiança; quando eles morrem é muito dolorido. Dá a sensação de que não estamos fazendo um trabalho 100%. Frustração, olhar nos olhos e ver crises de ansiedade”.
Começou-se a desconfiar da circulação de uma variante do Covid desde janeiro, pois foi neste período que aumentou a procura de pacientes pelo atendimento. A enfermeira Ana Carolina Pires, da Secretaria de Saúde do Estado, conta da rotina, “há colegas que pegam dois plantões, se desdobrando pra dar conta de tantos pacientes. Eu estou fazendo hora extra pra dar conta de tantas notificações”.

As Unidades Básicas de Saúde de Macapá funcionam como UTI. De acordo com a enfermeira, é incorreto. Ela explica que “os pacientes com COVID deveriam receber tratamento adequado dentro de um ambiente hospitalar”. As UBS servem como prevenção e não tratamento, mas as esquipes médicas nas tendas estão entubando pacientes, enquanto “pilhas de notificações são feitas todos os dias para contabilizar os dados da pandemia para os veículos de imprensa” desabafa.
A nova variante do vírus é ainda mais contagiosa. Espalha-se mais rápido e tem agravamento maior na saúde dos pacientes, superlotando o sistema de saúde. “A gente sente no nosso psicológico que não estamos mais conseguindo dar conta”. Acrescenta, ainda, sobre “o cansaço psicológico no tele monitoramento de lidar com perdas. Os cinco anos estudando enfermagem não me preparou pra quantidade de mortes. Quatro enfermeiros para tratar tanta gente, pacientes reclamando da demora, passando na frente dizendo que é prioridade. Eu já fui ameaçada por pacientes, o que é normal na área da saúde. Eles querem ser atendidos. Já presenciei pessoas tendo crise de ansiedade, enfartando, perdi pacientes”.
O professor e psicólogo Igor de Souza de Carvalho prevê consequências futuras na saúde mental dos profissionais de saúde. Segundo ele, vai acontecer transtorno de estresse pós-traumático, série de sintomas relacionados a tensão vinda da preocupação. Ocorrência após a vivência de uma situação extremamente pesada e, principalmente, com o medo da possibilidade de uma nova pandemia.
Para manter um paciente entubado precisa de drogas, fazendo com que fiquem sedados. Aqui no estado há falta desses insumos. No Amapá, há algumas semanas atrás, “quase ficamos sem oxigênio como em Manaus, e precisamos para manter os infectados vivos”, conta o fisioterapeuta Hélio Pamphylio.
PRECARIEDADES
Um médico, o qual preferiu não se identificar, denunciou a falta de bloqueadores neuromusculares (utilizados para auxiliar na ventilação mecânica dos pacientes intubados), em UTI, de alguns antibióticos e alguns exames laboratoriais (gasometria arterial extremamente importante no dia a dia do hospital de campanha, tanto na enfermaria quanto na Unidade de Terapia Intensiva). Ele explica que “essas são as demandas mais importantes. Sem dúvida alguma tem afetado diretamente na lida com os pacientes”.


Segundo Hélio Pamphylio, “na medida do possível a gente vem dando conta do nosso trabalho com os recursos que nos é ofertado, nós não podemos de forma alguma negar atendimento. É muito complicado perder paciente por falta de algum medicamento, droga. Esse complicado mexe diretamente com a nossa saúde emocional. Já presenciei a morte de paciente por falta de medicamento”.
A AgCom entrou em contato com a Secretaria de Saúde do Estado, mas não obteve resposta até o momento da publicação.

“Falta profissional de saúde, incentivo fiscal e econômico do governo em todas as suas esferas. A estrutura e a equipe de trabalho são excelentes, apesar de não recebermos estímulo financeiro suficiente para trabalhar. Foi-nos prometido que a remuneração do hospital de campanha seria isenta de tributo, como um auxílio. Agora as portas da declaração do Imposto de Renda nos revogaram essa concessão e não foi feito reajuste de valor dos plantões”, relata o médico.
Falta de tempo, energia, desequilíbrio na saúde mental são algumas queixas que profissionais da saúde relatam diante do cenário de crise e caos na saúde pública. Não se conhece ainda sobre a evolução das variantes novas e o inimigo é invisível e se reproduz exponencialmente. Fôlego diante do incerto!
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