O quadro do “Domingão com o Huck”, de repercussão nacional, nos questiona quem são nossos pequenos gênios.
Por Jdean Monteiro
Edição Anna Trindade
O game show Pequenos Gênios, do programa Domingão com o Huck da Rede Globo, mostra crianças prodígios de todo o país, mas ainda não apresentou nenhum representante do Amapá. Nessa reportagem, fomos em busca desses “gênios” para entender o que é uma pessoa com tais habilidades, como é feito esse diagnóstico e como os especialistas recomendam o trato com esses seres habilidosos.
Antes de tudo, precisamos entender o que são pessoas com inteligência excepcional e/ou com altas habilidades. Indivíduos superdotados são aqueles com um Quociente de Inteligência (QI) superior a 130, exibindo um potencial cognitivo elevado que vai além da média. Essa característica é acompanhada por uma notável criatividade, motivação, foco e um interesse pronunciado em se dedicar a tarefas específicas.
Já os superinteligentes são pessoas que demonstram habilidades muito acima da média em uma área específica ou em diversas áreas, apresentando um QI entre 120 e 129.
Como funciona o game show?
A disputa consiste entre dois grupos de crianças que enfrentam desafios em quatro áreas: habilidades matemáticas; soletração de palavras de trás para frente; memorização fotográfica; habilidades visuais e espaciais.
Todos os participantes precisam ter entre nove e 13 anos de idade e estarem regularmente matriculadas em escolas por todo o país. Todas as regiões são representadas, porém nem todos os estados, que é o caso do estado do Amapá.
No entanto, o amazonense Luan Gama, 10 anos, foi ao programa e representou a Região Norte muito bem. Seus feitos foram condecorados na Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas.
Veja um trecho da participação do Luan no programa:
Como o Amapá ajuda os seus pequenos gênios?
O estado possui um Centro de Atividades em Altas Habilidades e Superdotação (Caah/s), que em 2023 completa 18 anos de funcionamento. O atendimento ocorre dentro das escolas ou no prédio da instituição, localizado no Edifício Portobello (Av. Profa. Cora de Carvalho, 2657 - 2º andar - Santa Rita, Macapá).
O coordenador do Caah/s, professor Obadias Santos, conta que o Núcleo de Atividades de Altas Habilidades e Superdotação (Naah/s) existe desde 2006 no Amapá, devido à alteração nas leis e novas legislações, como o caso da Lei Nº 11.274, de 6 de fevereiro de 2006, que dispões sobre a duração de nove anos para o ensino fundamental.
O Instituto Inclusão Brasil explica a legislação vigente sobre as crianças com altas habilidades. Veja aqui.
Ainda segundo o coordenador, por conta de uma lei estadual, o Naah/s se transformou em Caah/s, uma vez que não pode haver um núcleo dentro de outro núcleo. Além disso, explicou que o Centro já atendeu cerca de 120 crianças que estão no Ensino Fundamental I e II. Em 2023 também foram atendidos 58 jovens e adultos.
“O Centro não atende só crianças. Muitas pessoas só se dão conta das altas habilidades na fase adulta, uma percepção tardia, e nós damos direcionamento e oferecemos aconselhamento”, relatou Obadias Santos.
Como o Caah/s funciona?
O Centro possui setores que dão assistência para toda a equipe técnica da escola, que passam pela família e pela criança. Dentro desses espaços existem grupos multidisciplinares formados por psicólogos, pedagogos, psicopedagogos e professores especialistas, que atuam dando capacitações aos professores, para, assim, ajudar o indivíduo no seu ensino-aprendizagem.
Quando não há um polo dentro da escola do estudante, ele é direcionado à escola mais próxima que possua esse setor, além de poder contar com a unidade física do Caah/s para receber o atendimento de um dos profissionais capacitados para auxiliar o jovem.
“Existe uma associação comum que acaba levando a um erro: muitas pessoas, quando diagnosticadas com algum nível de espectro autista, veem a superdotação como algo diretamente relacionado. No entanto, isso é um erro. Muitas pessoas com superinteligentes não possuem autismo; algumas sim, porém é uma associação perigosa”, finalizou Obadias Santos.
Você pode conhecer mais sobre o trabalho do Caah/s nos perfis oficiais (Instagram e Facebook) do Centro.
E então, cadê os nossos pequenos gênios?
Finalmente encontramos uma criança que possui habilidades fora do comum para sua faixa-etária. A mãe, a senhora Deuza (nome fictício), nos contou um pouco das aventuras e desventuras de ser mãe de um pequeno gênio.
Inicialmente, ela relata a saga para conseguir o laudo do seu filho. Em média, os exames custam cerca de dois mil reais, e são poucos lugares no estado que possuem esses exames de forma particular. Ela alega ter ido ao Caah/s, porém foi mal atendida e teve que procurar a emissão do laudo de maneira privada.
“O meu filho fala em inglês com o pai dele desde dois anos e meio anos de idade, e aos três anos ele começou a aprender o português comigo. Tanto que às vezes ele fala com meu esposo em inglês, e quando é comigo ele fala português, como se eu não soubesse o idioma”, conta.
O pequeno Tiago (nome fictício), de oito anos, possui um Q.I Nº148. Ele precisou avançar um ano no colégio e fazer uma série de testes para possibilitar esse avanço. A mãe do pequeno nos contou que as perguntas que seu filho faz, por vezes, são profundas e nem sempre ela consegue responder a contento. Outro ponto que foi mencionado é a intensidade dos sentimentos: ele os sente de maneira muito intensa, além de possuir dificuldades em distinguir a verdade da mentira.
Ouça ao lado um breve momento da vida escolar do nosso personagem, relatado por sua mãe.
Deuza reitera com preocupação quanto à vida escolar do seu filho. “Muitas vezes ele não quer ir pra escola. A gente tem que conversar com os professores e pedir pra que eles entendam a situação dele. É um desafio enorme pra nós, pais, e os professores também não sabem lidar”, lamenta.
Os pais buscam outras escolas que deem um preparo específico para crianças como o Tiago. Encontraram uma escola nos Estados Unidos que tem o foco em crianças super-habilidosas e, com a fluência em inglês da criança, eles desejam adicionar mais esse espaço para potencializar seus dons e exercer mais livremente sua capacidade psíquica.
Em um dos testes que foram realizados na criança, foi constatado que sua idade mental é de alguém por volta de 13 anos de idade. Logo, a cada ano, ele avança numa escala que não tem como controlar, e os dilemas e indagações vão para outros lugares.
Deuza pede aos pais para ficarem atentos aos seus filhos e, à medida que perceberem alguns comportamentos avançados, buscarem informações e ajuda, uma vez que eles avançam na idade mental mais rápido que na idade biológica, e isso pode ser um problema se não houver um reconhecimento e um tratamento adequado pela família.
“Nós percebemos a necessidade do nosso filho fazer terapia para ele conseguir lidar melhor com as suas emoções e sentimentos. A terapia pode nos auxiliar e ajudá-lo. Eu quero que os outros pais também tenham essa preocupação com os seus filhos e ofereçam a eles as melhores chances e oportunidades para se tornarem adultos confiantes e amorosos”, relata a mãe.
Ela encerra falando que seu filho tem uma ótima relação com os colegas da escola e que não tem problema algum para socializar, pelo contrário, ele brinca, se diverte e tem seus coleguinhas, como toda criança que está na escola.
O que os especialistas dizem?
A licenciada em Química e especialista em educação inclusiva Nazaré Almeida explica como acontece a relação escola-aluno e os desafios dia a dia para esses alunos. “Muitos alunos que vão para o Atendimento Educacional Especializado (AEE) têm altas habilidades em uma única área e nós, junto com o professor de sala, temos que criar mecanismos que façam ele usar essas habilidades para as demais disciplinas”.
Ao lado, você pode clicar e ouvir a fala da especialista sobre a inclusão desses alunos no ambiente escolar.
Ela alerta que é um erro pensar que crianças com altas habilidades são superinteligentes e capazes de responder a todas as perguntas facilmente. “Eles possuem um raciocínio mais acelerado e conseguem responder algumas coisas mais facilmente, porém não são todas as perguntas. Não devemos exigir demais de criança alguma”.
Nossa especialista convida a todos para uma reflexão sobre o tema e como devemos nos comprometer para garantir uma educação com equidade e qualidade.
No fim das contas, essas crianças não são apenas prodígios, mas indivíduos únicos com suas próprias experiências e desafios. Convidamos todos a cultivar a empatia, a compreensão e a aceitação, garantindo que cada criança, independentemente de suas habilidades, seja apoiada em sua jornada de autodescoberta e crescimento. Cabe a nós, como sociedade, proporcionar o ambiente e os recursos necessários para que floresçam plenamente, liderando-nos rumo a uma era de inovação e descoberta.
*Reportagem produzida na disciplina de Webjornalismo ministrada pelo professor Alan Milhomem
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