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Foto do escritorThales Lima

MORADORES DA OCUPAÇÃO PAC CONGÓS TEMEM DESPEJO A QUALQUER MOMENTO

Após quase dois meses, moradores da ocupação dizem não ter para onde ir se forem despejados e esperam por uma resposta do Poder público.


Cristina e Ana Paula antes de viverem na ocupação, moravam de favor. Foto: Thales Lima

A ocupação dos apartamentos do Conjunto Habitacional PAC Congós acontece há sete semanas. Nossa primeira reportagem acompanhou a chegada dos moradores aos apartamentos, a divisão e a limpeza.

Atualmente, as famílias vivem em habitações precárias sem acesso a serviços básicos, como água, coleta de lixo, esgoto sanitário, energia e a segurança alimentar. Os dados mostram que 39% da população amapaense vivem nessa condição, segundo o Relatório sobre o Déficit Habitacional no Brasil 2016-2019, realizado pela Fundação João Pinheiro, encomendado pelo Ministério do Desenvolvimento Regional.

A falta de emprego e a pandemia do COVID-19 escancararam a vulnerabilidade social e famílias inteiras são colocadas em situações sem nenhuma dignidade. Alimentadas pela esperança em realizar o sonho da casa própria, esbarram no pesadelo da falta de resposta e diálogo com os órgãos públicos responsáveis.

Ana Paula e Cristina com seus dois filhos formam uma das famílias que ocupam o apartamento do terceiro andar, do bloco 3. No apartamento, moram, ainda, os 3 cachorros que são os bebês de Ana Paula – um poodle, um caramelo e um pitbull, de quase um metro e meio de altura. Para Ana Paula ocupar o apartamento onde está foi a única alternativa, pois é cardiopata, não pode trabalhar e tem dois filhos para criar. Seu principal problema, atualmente, além da falta de moradia digna, é acesso à energia, água e o contato direto com o lixo, ainda presente no residencial.

Ana Paula fala que se tivesse um canto, pelo menos na ponte, não estava na ocupação. Foto: Thales Lima

“Não temos energia no nosso apartamento por conta que não temos condições de comprar fio, nem de puxar. Tinha uma extensão bastante grande que um vizinho cedeu, pra geladeira e pra ligar o ventilador pra neném. Mas, energia, assim do poste mesmo, puxada direitinho, a gente não tem”, fala Ana Paula. Sem energia, a dormida no início da ocupação foi difícil, relembra.

Sem luz e sem ventilador, com a sujeira que ainda tinha ali, sobrava ratos dentro do apartamento. “Não tem rato, tem uns gabirus, se não tiver cuidado eles até mordem a gente”, ironiza. Ana Paula fala que a dormida não está 100%, mas, para como estava; agora, está um pouco melhor. Sua companheira Cristina conta do início da ocupação, quando todo mundo do prédio contribuiu, formando um grande mutirão removendo de dentro dos apartamentos muito lixo.

Cristina tem medo de investir e não conseguir ficar no apartamento que está ocupando. Foto: Thales Lima

“Os 16 moradores desse bloco se reuniram e foi limpando desde do último andar até o térreo. Tava muito feio. Muito sujo. Tinha fezes, coisas jogadas. Cada dono limpava seu apartamento. Ai a gente conseguiu e estamos se arrumando e levando. Nem todo mundo veio pra cá, pois está com medo de ser despejado”, fala Cristina.

Quando a ocupação aconteceu, a Prefeitura de Macapá enviou caçambas para a remoção do entulho. No dia da visita da reportagem ao apartamento de Ana Paula e Cristina, existia uma montanha de lixo no meio do conjunto, que Ana Paula gosta de frisar: “esse lixo aqui não foi a gente que produziu ou jogamos aí, ele ainda é da remoção de dentro dos apartamentos”. Do alto do seu apartamento, ela tinha como paisagem todos esses resíduos.

“Ô, isso aqui dá muito inseto, dá rato. Olha, aquele cano é o que vem do CIOSP com água pra gente”, comenta Ana Paula. A água chega até o apartamento dela através do rodízio da bomba comunitária duas vezes por dia, conectada no mangueiro que sobe até a janela do quarto, em direção ao banheiro, onde enche baldes e bacias para fazer sua higiene, fazer comida e lavar a louça.

As crianças tinham contato com lixo ao brincar. Foto: Thales Lima

Os setes blocos ocupados têm demandas e necessidades específicas. Em alguns blocos, moradores fizeram coleta e conseguiram puxar a energia direta do poste. Em outros blocos, a água chega até o quarto andar através de metros e metros de canos e mangueiras. Ali, já chega bem fina até a torneira. Há blocos, os quais, moradores batalham descendo e subindo escadas com baldes para ter acesso à água cedida pelo Centro Integrado de Operações em Segurança Pública (CIOSP) Congós.

Sueleny, seu companheiro Glauber e suas duas filhas também chegaram à ocupação desde o início, quando seu irmão soube e a avisou. “Aí, a gente foi lá no quarto onde a gente morava alugado, pegou botijão, fogão, nossa cama. Depois, a gente foi se ajeitando. O pessoal foi se unindo para fazer a limpeza que tava muito sujo”, diz Susu, como também é conhecida pelos vizinhos, moradora do quarto andar, do bloco 5.

No prédio de Sueleny todos pegam água no balde, no térreo. Foto: Thales Lima

“A gente tem água até aqui em baixo, não sobe. É um sufoco pra gente que tem que carregar água. Mas melhor ser difícil na parte da água que na parte da moradia né? Até por que, aqui tava abandonado há mais de 15 anos”, comenta Sueleny. Seu companheiro, Glauber, chegou na hora que Sueleny mostrava o apartamento falando: “as telhas já tinham, mas tava tudo buracado. Tava tudo destelhado. Porque os noiados moravam aqui. Aí, eles subiam aí pra cima”, diz Glauber, passando a filha mais nova dos seus braços para Sueleny. Glauber diz que tinha aparecido um frete para fazer e que não ia dispensar. Até um mês atrás, Glauber trabalhava, mas foi demitido e, agora, vive de bicos.

Glauber para de limpar a frente do seu bloco para conversar com a reportagem. Foto: Thales Lima

Assim como Glauber, existem outros moradores da ocupação do PAC Congós sem trabalho ou realizando bicos de capina, manutenção, pedreiro, diarista ou unhas e cabelos. Mas, somente quando aparece trabalho. O desemprego é a realidade de muitos ali, situação que dificulta o pagamento de alugueis mensalmente e que motivou moradores a ocupar o prédio abandonado.

Raimundo Brito mora no bloco 4, no segundo andar, junto com sua esposa e seu filho. Brito, como é conhecido pelos vizinhos, depende de bicos de manutenção (refrigeração, elétrica, hidráulica, pintura), faz um pouco de tudo. Sua esposa é cozinheira e a renda dos dois não foi suficiente para manter as despesas da família e pagar um aluguel.

Sem conseguir pagar aluguel, a ocupação foi a única alternativa para Brito. Foto: Thales Lima

“Eu morava ali no bairro Jardim Marco Zero, em uma área de ponte. Daí, surgiu a ideia de invadir e eu fui chamado pra fazer parte pois a gente morava de aluguel. Vim pra cá com a minha família e estamos aqui desde o início”, diz Brito. A esposa de Brito trabalha como cozinheira no restaurante de Paula, que mora no apartamento de baixo.

Paula chegou ao PAC Cóngos em maio por não conseguir pagar o aluguel do seu antigo kitnet, na Sexta Avenida do Congós, nem do ponto do restaurante. “Eu tenho um pequeno restaurante, também pago aluguel do ponto, pagava também um kitnet pra eu morar, então minha despesa era de 800 reais que eu pagava só de aluguel. Estou aqui também na luta de poder ter um teto”, relata.

Mesmo sem investir no seu apartamento, Paula tem esperança que fique no local. Foto: Thales Lima

O apartamento de Paula tem o teto todo queimado. Ela fala que lá queimavam lixo, fumavam drogas. Mas, agradece por pelo menos agora não estar pagando aluguel. “A gente não tem expectativa. Estamos na esperança que venha dar certo. A gente não pode investir muito, gastar, arrumar sem saber se vamos ficar. Aqui, a gente tá com essa esperança que alguém apareça, que venha conversar, venha ver o que vão fazer, né? Mesmo que não seja de graça, que venha negociar com a CAIXA Econômica depois”, diz Paula.

Diferente de Paula, Raylan está investindo o que não tem para trazer o mínimo de conforto para ele e sua esposa, que é cabelereira. Ele também chegou no Bloco 1 e ocupou um apartamento no segundo andar, em maio. Raylan fala que já mora há 12 anos de aluguel e ocupar foi a forma que encontrou para ter realizado o sonho da casa própria.

Raylan dentro do seu apartamento no bloco 1. Foto: Thales Lima

“Ficou apertado pra nós pagar lá, aí vimos aqui como uma oportunidade de Deus, aproveitamos. Logo trouxe a mudança pra cá. Aí, já melhorou muito, porque a gente vive com aquele auxílio de 150 reais, eu recebo e minha esposa recebe. O trabalho pra minha esposa tá difícil também, com esse negócio da pandemia”, diz.

Raylan não sabe o quanto já gastou no apartamento. Mas guarda todas as notas fiscais. Além da pintura, fiação elétrica, Raylan investiu em encanação para levar água até a pia da cozinha, no segundo andar.

“Tive que gastar com fio, com tinta. Só o latão de tinta foi 98 reais, comprei aqui pro lado esse cano que traz água do CIOSP. Tá dando 280 reais. Então, são várias coisas. A gente não tem outra solução. Eu não vou fazer besteira pra depois ir preso, é pior. Eu prefiro ficar aqui nessa invasão”, ressalta.

No bloco 7, moram Maria Claudinete e seus dois filhos. Também são moradores desde o início da ocupação e o apartamento deles fica no térreo, o que facilita a venda de chopp (uma delícia) e a costura. Essas são as atividades que trazem para Claudinete dinheiro para as despesas de casa. Os investimentos no apartamento de Claudinete vão desde um mangueiro para trazer água até a porta e janelas de madeira, vaso sanitário, pia para a cozinha e fiação elétrica.

A venda de chopp e a costura são a forma que Maria Claudinete arranjou de conseguir um dinheiro. Foto: Thales Lima

“Aqui é meu quarto, eu já joguei uma tintazinha, a janela eu coloquei, porta não tinha. Eu tô ajeitando devagar e tô muito feliz de tá aqui. Antes eu morava em uma casa no alagado. Mas quando chovia alagava tudo. Eu não tenho guarda roupa porque eu perdi. As minhas coisas quase se acabam tudo por causa que alagava mesmo”, diz a costureira.

Também no bloco 7, mora Lorrana Taynara, que acompanhou a limpeza dos blocos e depois de 4 dias se mudou. Gestante e não podendo trabalhar, mora junto com seu marido, vendedor ambulante. Lorrana também gastou com a intenção de ficar no apartamento.

“Pra investir aqui eu fiz empréstimo com a minha família pra pintar, pra comprar o vaso sanitário, que não tinha, a fiação, o encanamento, que nem chegou a terminar, as janelas, as portas. A nossa expectativa é que nós ganhemos, que nós podemos permanecer aqui no nosso canto. É isso que nós queremos”, apela.

Lorrana diz que se sente muito feliz por ter um local para morar sem pagar aluguel. Foto: Thales Lima

Lorrana possui mais um filho. Entretanto, no momento da entrevista, ele estava na casa da avó pois surgiu um boato no condomínio de que eles iriam sair naquele dia e Lorrana jamais gostaria que seu filho passasse por esse constrangimento que é ser despejado.

Cada família carrega a esperança de ficar, mas todos os dias o fantasma de serem despejadas a qualquer momento as assombra. Por outro lado, são tratadas como invisíveis e criminalizadas por quem deveria prestar assistência. Ocupar é também uma forma de obter uma respostar pelos mais de 10 anos de abandono do conjunto PAC Congós.

Uma nova data foi anunciada pelo Governo do Estado do Amapá para a entrega da segunda fase do projeto PAC Congós. As famílias que ocupam atualmente resgataram o espaço e dão função social. No entanto, em nenhum momento, foram consultadas ou tiveram a oportunidade de contar suas histórias para a assistência social. Para elas, todo o esforço de recuperação do local deveria ser visto pelo governo do estado como incentivo e melhoria para a vizinhança que sofria com a violência que o abandono do conjunto oferecia. Em contrapartida, esperam do governo a sensibilidade em contemplar essas famílias com um local digno para morar.

A falta de habitação própria é um problema antigo, mas que sempre foi invisibilizada. As áreas de ressacas são ocupadas por pessoas sem oportunidade de existir com dignidade. 18% da população amapaense vivem em locais improvisados e sem infraestrutura. Macapá é atualmente a região metropolitana com mais moradias precárias, ficando acima das regiões metropolitanas de Belém e Manaus. Saiba mais sobre o déficit habitacional em Macapá no vídeo abaixo:


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