Aos 32 anos de idade e fazendo uma pós-graduação, a professora de francês Lara Maísa é como qualquer outra mãe, com o único detalhe de que o seu filho é especial
Maria Silveira/ AGCom Num dia mais azul, a segunda-feira, 2 de abril, celebra o Dia Mundial da Conscientização do Autismo. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), essa condição neurológica afeta uma a cada 160 crianças. Pra falar sobre o assunto a AGCom entrevistou a mãe de um menino diagnosticado com autismo.
Lara tem dois filhos, João Felipe e Lucas. Cheguei à sua casa e o João, estava saindo com o pai para brincar, Lucas estava deitado na rede, dormindo quietinho. Lara puxou duas cadeiras e ofereceu água. Quando expliquei o meu objetivo de um relato sobre a mãe de uma criança com Transtorno do Espectro Autista (TEA), ela foi se animando, começou a dar ideias e explicar tudo o que conhecia sobre a deficiência neurológica do seu filho Lucas.
Deu a entrevista como uma especialista no assunto, quando se trata de garantir que seu filho usufrua de todos os direitos que o são destinados, ela corre atrás e diz: “No Brasil, se você tem o direito de algo, você nem sabe da existência dele, então, é necessário procurar saber, temos que fazer nossa parte como família”.
Apesar de todas as dificuldades encontradas durante os meses que passou para conseguir o diagnóstico e os benefícios do Lucas, ela é otimista no modo em que seu filho irá crescer e se desenvolver, acredita que, se ele fizer todas as estimulações necessárias, conseguirá lidar com a sua condição.
Diz-se superprotetora, mas nada que passe do jeito que as mães são, mesmo com a grande dependência do seu filho, ela quer que ele consiga ser um adulto que consiga lidar com suas limitações, porque filho é criado para o mundo. Lara, professora de francês, atualmente fora de sala de aula, está fazendo uma pós-graduação em línguas estrangeiras pela Universidade Estadual do Amapá (UEAP) e não pensa em outro assunto para suas teses se não for relacionado ao autismo.
Como foram os exames para chegar ao diagnóstico do autismo?
Passamos seis meses para conseguir o resultado, o Lucas tinha dois anos quando fomos pela primeira vez na neuropediatra e três quando finalmente tivemos o diagnóstico. Há exames específicos para detectar se a criança está no espectro como encefalograma, tomografia, o bera, que é o da audição, exames de sangue e o X frágil, uma síndrome com características parecidas com o autismo e que só ocorre em meninos, mas esse não fizemos ainda porque é muito caro, custa 900 reais. Apesar disso, o Lucas já foi diagnosticado com autismo por haver também outros meios como o questionário padrão que os pais respondem, onde fazem comparações e perguntas sobre a interação da criança. Fizemos todos os exames que pudemos, são exames demorados, dolorosos e caros, apenas dois são feitos na rede pública. Muitas crianças têm dificuldade para chegar ao diagnóstico por causa do valor dos exames, lembro que, na época, tive ajuda de familiares e não tinha plano de saúde.
Antes dos resultados dos exames como você identificou que o seu filho é uma criança especial?
Para mim foi mais fácil porque já tenho outro filho, o João, que é neurotípico, a criança sem deficiência, como ele teve seu desenvolvimento de forma normal, foi inevitável comparar já que tudo o que o Lucas fazia era contido e ele desaprendeu a fazer algumas coisas, como falar. Quando ele tinha por volta de um ano e meio, nós começamos a nos preocupar por causa da falta de interação e comunicação, principalmente da fala. Foi quando resolvemos buscar respostas.
Como você se sentiu após a descoberta?
Eu não tive nenhum receio em ter um filho especial, tem famílias que falam “parece que meu mundo caiu”, eu nunca percebi da minha família o preconceito, todos adoram o Lucas, todos conhecem suas limitações. Eu sou professora e por causa da pedagogia leio muito sobre o assunto, tanto eu quanto o pai dele, quando você tem um filho com deficiência, a principal coisa é ter o conhecimento, buscar os direitos do seu filho. As coisas mudaram, mas foi em questão da rotina, que é difícil, já para mim como mãe não mudou nada, acho que me fortaleceu, me mudou para melhor. A deficiência do Lucas não difere de outras, às vezes, me observo e percebo que o autismo é complicado, mas nos deparamos com situações de deficiência mais difíceis que a nossa e me sinto até tão pequena quando há famílias em área de ponte com crianças cadeirantes e em ruas lamacentas, que não possuem transporte adequado, porque essa é a realidade de Macapá.
Quais são os acompanhamentos que o Lucas precisa fazer?
Só depois de todos os diagnósticos é que conseguimos um plano de saúde e ele ajuda bastante já que o Lucas precisa fazer terapia ocupacional, fonoaudiólogo e acompanhamento psicológico. São assistências caras, feitas toda a semana e, no início, antes do plano, era muito difícil acompanhar financeiramente.
Quais foram as dificuldades financeiras que vocês enfrentaram?
Apesar de termos tido alguma ajuda no começo, ficava pesado de qualquer jeito porque é uma rotina cara. Fico pensando que nós não somos paupérrimos, mas imagina uma família de baixa renda que não possui condições de fazer todos os acompanhamentos necessários, existem crianças de oito anos que nunca puderam ter seu diagnóstico confirmado. Eu tive sorte porque tenho um carro que me auxilia na rotina, alguns acompanhamentos são distantes, mas a escola que ele frequenta fica perto de casa, então, mesmo sem o transporte, não haveria trabalho em ir.
Como está funcionando o desenvolvimento dele com todas as atividades realizadas?
O principal é a socialização, a necessidade de se comunicar, no autismo há essa dificuldade da interação, então, se ele tiver inserido em atividades, as dificuldades amenizam. O Lucas é diagnosticado, por enquanto, segundo a Classificação Internacional de Doenças (CID) com CID 10 - F84.0, que é o código referente ao autismo infantil. Como ele teve o resultado muito cedo, ainda não podemos especificar qual é o grau do autismo do Lucas, se é leve, moderado, grave ou Asperger. Segundo os médicos, ele apresenta um grau leve, então, ele se socializa um pouco, se expressa de alguma maneira, mas é muito sutil, e aquela regressão de aprendizagem, que ele teve quando era um bebê, está se desenvolvendo por causa das práticas interativas. Acho o Lucas bastante independente, ele vai ao banheiro sozinho, se ele quer beber água, vai e, pelo o que conhecemos do autismo, isso é uma evolução.
No espectro do autismo quais são as características dele?
O Lucas não é violento, mas ele tem crises e, geralmente, ocorrem quando ele é contrariado, ele não entende que não pode fazer certas coisas naquela certa hora, ele não entende o não, então isso vai gerar uma crise, pode ser de ansiedade em que ele começa a chorar, começa a se bater, começa a bater na gente. Por causa dessa dificuldade de comunicação do autismo, na hora que ele quer comer, por exemplo, começa a chorar, abre a geladeira, senta-se à mesa, nós já conseguimos saber o que ele quer pela rotina. Há autistas que se automutilam e que nem suportam a ideia de ficar perto de pessoas, se isolam totalmente, já o Lucas prefere estar com outras crianças, e vemos que ele pode ir para um grau bem leve. Ele nunca deixará de ser autista, é uma condição que ele tem, não existe uma cura, mas ele consegue conviver com o tratamento adequado.
Vocês já enfrentaram alguma situação de preconceito?
Uma vez estava acontecendo uma construção em casa, o Lucas estava brincando pelo pátio, correndo com o irmão dele, até que o ajudante de pedreiro chegou pra mim e falou: “Ele é tão bonito, nem parece que é deficiente”, isso acontece em qualquer lugar. No caso do autismo, o Lucas, principalmente, não há nada físico que demonstre que ele é uma criança especial, a deficiência é neurológica.
Vocês participam de alguma associação para pessoas com transtorno do espectro autista (TEA)?
Eu conheço algumas, a mais popular é a Associação de Pais e Amigos de Autistas do Amapá (AMA-AP), lá tem todos os atendimentos, mas para você fazer parte precisa se associar. É caro, quem possui condições financeiras investe para que seu filho tenha o melhor, mas para mim, que não tenho renda, não é uma opção, tudo o que posso dentro da minha limitação, procuro para o meu filho.
O governo oferece algum benefício financeiro?
O Governo do Amapá não oferece nenhum benefício para autistas. O Lucas recebe o Benefício Assistencial ao Idoso e à Pessoa com Deficiência (BPC), toda a família fez o cadastro único no INSS, foi feita uma análise, uma entrevista com uma assistente social e finalmente um exame médico. Para ter direito, é necessário que a renda por pessoa seja menor que 1/4 do salário mínimo. O BPC nos ajuda a pagar o plano de saúde do Lucas e algumas despesas necessárias como alimentação e transporte para o acompanhamento, mas, para ele receber, nós não podemos ter renda e a que ele recebe é a única em casa, então fica complicado porque há muitos gastos. A minha profissão ajuda quando estou trabalhando, sou professora, mas hoje eu estou fora de sala de aula, principalmente por cuidar das crianças. Quem tem um filho autista sabe que tem várias despesas, assim como qualquer outra deficiência. Eu recebo o Bolsa Família, já que não tenho renda, são duzentos e quarenta reais, então não é quase nada para uma família de quatro pessoas.
Você tem conhecimento de alguma legislação para pessoas com TEA?
No Amapá, há algumas legislações, pelo o que eu conheço, e foi lançado o programa de benefícios para o autismo em que os tutores de autistas têm isenção de Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), o funcionário público, que tenha filho com TEA, pode ter a carga horária de trabalho reduzida e sem perda salarial, vagas de estacionamento e prioridade. O Governo do Amapá lançou um projeto, mas ainda não está sendo executado, é como uma carteira de identificação geral e que basta apresentar ela, sem a necessidade de andar com vários documentos e laudos médicos para comprovar que ele é deficiente. Já na legislação federal, vale a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), por exemplo, na compra de um carro você pode ter até 30% de desconto, mas é uma burocracia enorme e demorada.
Você participa de algum grupo de apoio?
Tem grupos em redes sociais, por exemplo, a AMA-Azul, eu não me associei ainda, mas participo como amiga no grupo de Whatsapp, lá é esclarecido muitas coisas, compartilhamos situações, leituras, eventos relacionados ao autismo e reportagens. Nós, mães que esperam o acompanhamento no Centro Raimundo Nonato nos dias de terça e quinta, criamos um ciclo de amizade, enquanto nossos filhos estão sendo atendidos, nós conversamos, discutimos questões do dia a dia e, em dezembro, criamos um grupo de Whatsapp. Estamos tentando organizar nosso tempo e sair juntas, para a gente, como mãe, a rotina é muito difícil, não temos tempo de nos divertir porque não temos com quem deixar os filhos ou eles não gostam de ficar com outras pessoas, algumas mães também não tem condições financeiras, outras moram em bairros perigosos demais e não podem voltar tão tarde, mas quando podemos confraternizar em algum evento, nos reunimos. Até as minhas amizades mudaram depois do diagnóstico do Lucas, passei a conviver mais com mães de crianças autistas.
Você está fazendo uma pós-graduação atualmente, pretende inserir em algum dos seus trabalhos a temática do autismo?
O autismo afeta a linguagem, que é totalmente minha área, eu estou baseando meus trabalhos acadêmicos em cima dessa vertente, até porque é novidade, pouca gente tem sensibilidade para trabalhar nela. Talvez se eu não tivesse um filho deficiente, fico me perguntando se a teria. Estou no processo de leitura para produzir futuramente uma dissertação sobre o ensino da língua francesa específica para alunos com autismo, ainda não defini um tema, mas será nessa linha. Tenho ideias em utilizar meu artigo da pós-graduação para tentar um mestrado, também nessa área, pelas minhas pesquisas, no Brasil, não temos estudos específicos de língua francesa para pessoas no espectro, por exemplo, como ensinar língua estrangeira para alunos com essa deficiência, temos em outras línguas, mas não encontrei em francês, talvez, aqui no Amapá, minha tese seja pioneira.
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