Apesar de estar em pleno vigor, a lei não é a única garantia para pessoas acometidas por transtornos mentais. Tratamento, acolhimento e segurança também são fatores cruciais e que necessitam de atenção do poder público.
Por Etienice Silva, Giovane Brito e Sarah Lopes
No Brasil, pessoas com transtornos mentais podem ser consideradas inimputáveis pelo direito penal. Isso significa que, de acordo com a legislação brasileira, essas pessoas não podem ser punidas criminalmente pelos seus atos, pois não possuem a capacidade de entender o caráter ilícito de suas ações ou de se comportarem de acordo com esse entendimento.
A condição de inimputabilidade está prevista no artigo 26 do Código Penal brasileiro e se aplica a pessoas que, no momento da prática do crime, apresentavam um quadro de insanidade mental ou desenvolvimento mental incompleto. A lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, estipula três possibilidades para aplicação da inimputabilidade em casos criminais, que são: pessoas com doenças mentais, desenvolvimento mental incompleto ou retardado (Art. 26 do CP), menoridade (Art. 27 do CP) e embriaguez fortuita (Art. 28, 1º, do CP).
De acordo com o direito penal, imputável é todo aquele que não tem plenas capacidades de entender suas ações. Em contrapartida, o inimputável é aquele que não consegue controlar seus impulsos e atitudes de acordo com o cenário do momento. Sendo assim, não se trata apenas de não entender a realidade a sua volta, mas sim de pessoas que não têm total controle sobre suas atitudes.
No entanto, a influência da inimputabilidade em relação a pessoas acometidas por transtornos mentais, em especial, não significa que essas pessoas ficam impunes. Na verdade, elas devem ser submetidas a medidas de segurança, que podem ser de caráter ambulatorial ou de internação em hospitais psiquiátricos, por exemplo.
A lei prevê ainda que caso uma pessoa acometida por transtornos mentais venha a cometer alguma atitude passível de punição criminal, se for comprovado que o transtorno mental interferiu na capacidade de entendimento e distinção do peso de sua atitude durante o crime, o mesmo receberá absolvição do crime e uma medida de segurança, devido ao grau de periculosidade que a mesma pode representar para a sociedade.
Acolhimento mental para detentos
O Centro de Custódia do Novo Horizonte (CCNH), localizado na zona norte da capital, funciona como um anexo do sistema prisional do Instituto de Administração Penitenciária do Amapá (IAPEN), atendendo presos e apenados que necessitam de atendimento especializado para transtornos mentais e dependentes químicos em abstinência. Por isso, são separados dos demais detentos, para que recebam os atendimentos necessários para suas demandas.
O local passou por uma reforma, em 2017, com objetivo de promover melhores condições para reabilitação para atender a Lei de Execuções Penais (LEP) de nº 7.210, de 11 de julho de 1984, que garante um ambiente favorável para reintegração do detento à sociedade.
O centro dispõe de alojamentos para os detentos, sala de enfermagem, espaço para atendimentos em geral, área de lazer, copa, banheiros, farmácia, portaria com detectores de metais e alojamento para os servidores. Os internos recebem diariamente atendimentos de psicologia, psiquiatria, enfermagem, terapias e outros serviços para melhor tratar os apenados.
“Os internos recebem atendimentos, constantemente, como atendimento psicológico e psiquiátrico. O centro realiza o acolhimento de presos ou apenados do sistema prisional do Iapen, que por alguma circunstância adquiriram algum transtorno mental ou dependência, e passaram a necessitar de um acompanhamento diário de profissionais técnicos que realizam o tratamento", detalha o policial penal Paulo Malafaia.
Importância do tratamento
A Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou no primeiro semestre de 2022 que, aproximadamente, 1 bilhão de pessoas viviam com algum transtorno mental em 2019. Destes, apenas uma pequena fração (29%) tinha acesso a um atendimento acessível e efetivo.
A Lei n° 10.216, de 6 de abril de 2001, institui a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais. O art. 3° dispõe que é responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais.
Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são unidades destinadas às pessoas com transtorno mental grave e persistente. No Amapá, existem nove unidades do CAPS, quatro estão localizadas na capital e as outras estão distribuídas nos municípios de Santana, Laranjal do Jari, Oiapoque, Porto Grande e Mazagão.
Uma das profissionais que atuam diariamente cuidando de pacientes no centro é a fisioterapeuta Talita Cristina. A profissional realiza atividades em grupo e individuais com os pacientes para trabalhar o desenvolvimento social dos mesmos. “O nosso trabalho ajuda e estimula a participação com outras crianças na comunidade e a participação da família na terapia e de grande importância no processo de desenvolvimento”, explica.
Auracilene Rocha, diretora do Centro de Atenção Psicossocial em Macapá, ressalta a importância do acompanhamento. "O Capsi trabalha de maneira individual e coletiva por meio de um plano terapêutico singular que fortalece o vínculo familiar, comunitário e social" explica a psicóloga.
É importante destacar que o uso do sistema prisional como forma de tratamento para transtornos mentais é uma prática desumana e ineficaz que pode agravar ainda mais as condições de saúde dessas pessoas. Por isso, a atuação dos CAPS é essencial para garantir o respeito aos direitos humanos e a dignidade das pessoas com transtornos mentais que cometeram crimes.
Em resumo, os CAPS desempenham um papel crucial na promoção da saúde mental e na garantia dos direitos humanos das pessoas com transtornos mentais que cometeram crimes. É necessário que haja um investimento contínuo na expansão e aprimoramento desses serviços para que, cada vez mais, as pessoas possam ter acesso a tratamentos adequados e humanizados, independentemente de sua situação jurídica.
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