Por: Cássia Lima
Avenida Iracema Carvão Nunes - Centro de Macapá (foto: Cássia Lima)
“O primeiro prédio que trabalhei aqui foi o Turmalina, ali no Santa Rita, em uma reforma acho que em 2005. Lembro que eu achava o prédio enorme. Ajudei a reformar umas paredes, sentar lajotas e também a pintar”. Esse é o relato do pedreiro José da Silva Lima, 70 anos, ao ser perguntado sobre a verticalização de Macapá. Ele é um dos trabalhadores autônomos que chegou a trabalhar no primeiro prédio de Macapá. Mas para entendermos melhor essa história precisamos voltar um pouco mais no tempo.
A verticalização de cidades na Amazônia começou em 1949, em Manaus, com a construção de um edifício de dez pavimentos. No Amapá o processo foi tardio, iniciando em Macapá no ano de 1999 com a construção do prédio residencial Turmalina, de 10 andares.
Desde então, a verticalização passou por quatro processos, mas se intensificou a partir dos anos 2000. De acordo com o Plano Diretor da capital, em 2004, as construções em Macapá poderiam ter altura máxima de 33m, sendo de até 12 pavimentos. Em 2011 já podiam chegar em 62 metros contento 20 andares. No ano de2018, as construções poderiam ter 76 metros e conter 22 pavimentos. Atualmente, o Plano Diretor segue em atualização.
Macapá-Colonial contraste entre a história e o urbano (foto de Floriano Lima)
Para os especialistas existem muitos impactos positivos e negativos. Os benefícios de prédios mais altos significam na arquitetura mais moradias, mais estrutura e um benefício para a diminuição do déficit habitacional de uma cidade. Na capital do Amapá, foram inaugurados vários prédios nos últimos anos, entre eles, os habitacionais Mucajá (bairro do Beirol), São José e Açucena (ambos no bairro Novo Buritizal), todos localizados na zona sul da capital. Foram entregues também os conjuntos habitacionais Macapaba e Miracema (ambos na zona norte).
De acordo com a geógrafa brasileira especialista na área de planejamento urbano e regional e professora titular da Universidade de São Paulo, Adélia Aparecida de Souza (1994, p. 129), a verticalização é uma “especificidade da urbanização brasileira, em nenhum outro lugar do mundo o fenômeno se apresenta como no Brasil, com o mesmo ritmo e com a mesma destinação prioritária para a habitação. Dessa forma, a verticalização aparece como uma das principais modalidades de apropriação do espaço urbano nas grandes cidades do mundo e também no Brasil”.
O conceito é bem aplicado e prático na vida da mãe e doméstica Jady Campos. Ela morou a vida inteira em área de ressaca e foi sorteada com um apartamento em um residencial. Ela relembra a felicidade de ter uma casa própria mais estruturada. “Eu fiquei radiante em saber que teria um cantinho para morar com meus filhos. Foi uma mudança enorme, mas me acostumei super-rápido e hoje me sinto muito bem morando em um apartamento”, disse.
Jady Campos e o filho recebendo o apartamento no habitacional Jardim Açucena (foto de Cássia Lima)
Entretanto, o que parece ser uma solução de moradia e dignidade para muitas famílias pode ter grandes impactos, especialmente ambientais, a curto, médio e longo prazo. Entre eles temos a sobrecarga da infraestrutura urbana (sistema hídrico e hidráulico), a impermeabilização dos solos e a formação de ilhas de calor. Além disso, o efeito de sombreamento dos prédios provoca a diminuição da insolação, o que ocasiona a proliferação de fungos, incidência de doenças respiratórias e aumento da concentração de CO2 (gás carbônico).
De acordo com o arquiteto e urbanista da Secretaria de Estado da Infraestrutura do Amapá (SEINF/AP) e Conselheiro do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Amapá (CAU/AP) Adailson Oliveira Bartolomeu, para se pensar em um planejamento urbano eficiente dentro da Amazônia, as prefeituras devem priorizar o plano diretor.
“Percebemos claramente que a cidade cresceu, mas os gestores públicos não se preocuparam com a organização desse crescimento. Macapá possui um plano diretor atrasado, sem especificações claras não só da altura, mas também da infraestrutura de saneamento, água, iluminação e impactos desses tipos de edifícios”, critica o arquiteto, que atualmente cursa doutorado na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa (Portugal).
Arquiteto Odailson (foto: Cássia Lima)
Além disso, ele aponta outros problemas relacionados à sobrecarga de sistemas elétricos e hidrossanitários, especialmente no centro da cidade, devido ao aumento de edificações nesta área. “A maioria dos grandes edifícios estão no centro da cidade porque lá temos um sistema de água e esgoto mínimo, porém, esse sistema está sobrecarregado pela quantidade de moradias e prédios. O que já vimos é falta de água, pontos de calor e uma poluição visual também”, afirma.
Adailson Oliveira aponta como principal problema ambiental a ausência de regras para as edificações e para o esgotamento sanitário. “Macapá não possui tratamento de esgoto, com esse “boom” de prédios caímos em outro problema ambiental antigo, a falta de tratamento desses resíduos. O que acaba muitas vezes sendo despejado de forma indireta ou direta no leito do Rio Amazonas ou locais impróprios, gerando impactos gigantescos para o meio ambiente”.
Enquanto o assunto é tema de análises e estudos, na prática vemos cada vez mais em Macapá prédios em construção, sendo comercializados e a verticalização da cidade avançando sem muitas regras. Já se observa locais com ilhas de calor no centro da cidade. É o caso do morador José Figueiredo Souza, mais conhecido como Savino do bloco A Banda. Ele é morador do centro de Macapá há 83 anos e viu a paisagem mudar drasticamente ao longo do tempo, especialmente na rua que vive, a Avenida Iracema Carvão Nunes.
Savino do bloco A Banda (foto: Marco Antônio Costa)
“Com o tempo percebi cada vez menos árvores e mais prédios, depois que construíram esses aí (referência a dois prédios da avenida de sua casa) percebi até menos ventilação. Agora no verão percebemos o clima mais abafado e bem quente”, pontua o morador.
Segundo a Prefeitura de Macapá, a verticalização da cidade está entre as principais pautas do novo Plano Diretor. Em nota, a gestão municipal informou que está em fase final de construção das novas diretrizes e depois será revisado junto ao CAU e demais segmentos da sociedade, mas até o momento segue sem previsão de finalização, entrega, aplicação e fiscalização.
E em meio a tanta preocupação ambiental e crescimento urbano, o poeta paraense que reside em Macapá, Júlio Miragaia, versou sobre o assunto no seu livro de poemas e crônicas Cocadas ao Sol. Que as palavras do autor causem nos amapaenses esse anseio pela preocupação no tema e melhorias a respeito da legislação.
Centro de Macapá (foto: Cássia Lima)
A cidade e o progresso invertebrado
Vi brotar do peito da cidade
Balas perdidas, execuções
Prédios limpos, cercados por
Escassos esgotos que deságuam
Canhotos e asmáticos
Na boca do rio
Mais amazônico da Terra
Vi dormir nos braços da cidade
Os sonhos de uma criança pedinte
O cansaço dos ônibus lotados
E o cansaço das pessoas
Igualmente lotadas
Endividadas, tristes
E perdidas
Vi sorrir na boca da cidade
Um sol ranzinza e pterodátilo
A colher pelas ruas e pelos ventos
Pedras tímidas de futuro
Poema de Júlio Miragaia (poeta e jornalista amapaense)
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