Especialista afirma que somente cerca de 15 a 40% dos resíduos sólidos é reciclado, dado insuficiente para redução de impacto.
A produção e descarte de resíduos em desuso gerados pela atividade humana multiplica-se com base nos hábitos de consumo e ausência de reaproveitamento. Lixo é Panorama de Resíduos Sólidos Urbanos no Brasil registra aumento de 67 para 79 milhões de toneladas por ano , em observação realizada de 2010 a 2019. Sudeste lidera entre as regiões que mais produzem lixo urbano.
De acordo com mesmo estudo, no país o descarte do lixo em aterros sanitários cresceu de 33 para 43 milhões de toneladas em apenas 10 anos, enquanto que em um ano o lixo que vai para locais inadequados como lixões e aterros controlados amentos de 25 para 29 milhões de toneladas. Em todo país há cerca de 3 mil lixões ativos.
Para Gabriela Gomes Teodoro, geógrafa, mestre em ciências e coordenadora técnica da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), o Brasil é um país de desigualdades, em todos os sentidos e na questão de resíduos também. “Enquanto você tem cidades onde há tecnologia, São Paulo fazendo uma boa gestão de resíduos, apesar de produzir 20 mil toneladas de lixo urbano por dia, e o Rio de Janeiro com uma planta piloto de gestão anaeróbica; tem a realidade de três mil lixões ativos no país, um contingente de pessoas que vivem da catação. A gente tem o caso de pessoas pegando comida do caminhão de coleta de lixo, isso é uma realidade presente infelizmente muito no interior do país e que coexiste com boas práticas”, afirma.
Estudos da Abrelpe indicam que o serviço de coleta básico, o mínimo de acesso à limpeza pública, tem uma cobertura de mais de 90%, um indicativo muito bom mas não é o suficiente. Muitos desses caminhões depois da coleta vão jogar e despejar no lixão, ou despejar no mar, em uma área de floresta.
A primeira coisa que a política nacional de resíduos fala é: não geração. Ou seja, é preciso evitar gerar resíduos, essa é a melhor prática. Porque assim é possível controlar e fazer uma gestão do que já é gerado e do que é inevitável. As pessoas estão muito focadas em encontrar substitutos para as coisas. A geógrafa e pesquisadora explica: “Por exemplo, não consumir mais canudinhos de plástico e querer o de metal ou de bambu também é consumismo. A pergunta que você tem que fazer é ‘eu preciso usar um?’. Por que não deixar que só as pessoas que precisam de canudo utilizá-los? ‘Eu quero uma ecobag’, mas tem outra forma de carregar as coisas. A gente acaba criando formas de consumo que não mudam comportamentos. A gente tem que mudar o comportamento de necessidade, eu acho que esse é o ponto. Uma coisa que se pensa muito pouco é evitar o desperdício de comida. Transitei pelo mundo como ativista do Greenpeace e transitei no mundo de pessoas ambientalistas, mas todo mundo quando sente na mesa desperdiça comida”, relata Gabriela Gomes.
Para ela, ninguém está preparado para mudar o seu comportamento e a sua noção de impacto. “A gente precisa contar pelo menos que a cidade tenha uma boa estrutura para dar um bom encaminhamento para os resíduos. O exercício de cidadania de não desperdiçar e de não encontrar substitutos para sua necessidade de consumo”.
O consultor ambiental e empresário da MDL Ambiental Décio Ferreira de Oliveira afirma que o problema do lixo é desde a geração: “quanto mais voraz for o nosso consumo maior a quantidade de resíduos sólidos vamos gerar. Toda e qualquer atividade humana gera resíduos, precisamos aumentar a conscientização e o reaproveitamento de determinados resíduos”.
Na área florestal pode haver exploração das florestas de forma sustentável, mas que tenha reaproveitamento do resíduo florestal, e não a queima do mesmo e agrava o efeito estufa, o principal bem ambiental que temos é o ar.
“Você pode passar dois dias sem beber água, mas não pode passar dois minutos sem respirar”
“A população queima o lixo, em uma prática de limpar quintal, capinar e queimar o lixo no motim. Tem que fazer com que as pessoas reaproveitem esses resíduos e façam a destinação adequada, e não a queima. Há dois problemas, o desperdício de material que poderia ser reaproveitado e a queima de plástico, e outros resíduos perigosos você está lançando toxinas na atmosfera e poluindo o bem ambiental mais precioso que é o ar, além de causar doenças como câncer”, exemplifica o especialista Décio.
O problema macro é o descarte de resíduos em terreno baldio e lixões, onde há a contaminação do meio ambiente (solo e água), e contaminação de pessoas que estão catando de alguma forma. Esses resíduos acabam sendo queimados e são descartados no ar como compostos voláteis, na forma de CO2 e fuligem.
O Amapá é um estado onde predominam-se os lixões. Para o empresário Ferreira: “precisa de políticas públicas voltadas à problemática, precisa de investimento, conscientização, mais empregos na área de reciclagem e mais pessoas formadas na área e só assim vamos conseguir amenizar a quantidade de resíduos ao longo do tempo”.
“É preciso conciliar desenvolvimento e sustentabilidade, porque se continuarmos consumindo de forma desenfreada, imitando o modelo dos Estados Unidos e da China, vamos degradar e chegar a um colapso e efeito em cadeia difícil consertar depois e mais caro de se reverter”, chama atenção o consultor ambiental.
De acordo com Décio chegamos em um momento de conscientização, aumentou os ecochats, o que tem um papel importante, mas as tartaruguinhas e as águas marinhas estavam comendo plástico e a poluição diminuindo a quantidade de peixe. “Tivemos de voltar ao que era feito 30 a 40 anos atrás. O problema do plástico é o volume para reciclar menos contaminado, novo e limpo para enviar a reciclagem. A maior parte do plástico vem da indústria petroquímica (petróleo), que domina o mercado econômico, e por isso ainda vamos usar muito o plástico”.
Há estudos que indicam problema de esterilização, o plástico está ligado ao aumento de crianças diagnosticadas com autismo.
O plástico no meio ambiente amapaense se degrada mais rápido devido a alta quantidade de incidência solar e chuvas, diferente de lugares com o clima temperado. Mesmo assim ainda fica muito residual no ambiente, ele só diminui o volume.
Uma grande problemática são as fraldas descartáveis e os absorventes íntimos que não tem como reciclar e acabam indo para o aterro e destruído queimado. Dá um grande volume no lixo e contamina outros resíduos.
“Tem muita gente que quer consumir, comprar, quer ter a caixinha do iphone, com muito plástico e papelão. Todo ano quer ter o celular de última geração, e isso tudo consome recursos naturais e gera lixo, a gente não pode esquecer disso. Tanto fabricante quanto algumas pessoas que aumentam sua consciência causam redução”, alerta.
“Temos uma porcentagem de reciclagem muito baixa, somente de 15 a 40% do lixo é reciclado. Em final de eventos a gente observa grande quantidade de lixo espalhada. Precisamos ensinar sobre isso às crianças. Daqui 50 anos temos que ter uma virada de até 70% do lixo para ser reciclado, mas a gente ainda está muito longe disso”, atenta-se o consultor Décio.
A pesquisadora Gabriela Gomes Teixeira afirma que há um equívoco quando se trata de reciclagem: "Eu não reciclo e nem você recicla, quem recicla é a indústria. A gente contribui para a coleta seletiva, a gente contribui para separar os materiais. Essa coleta tem caminho para a segregação, e da segregação eu tenho de monitorar mercado, saber quanto está custando a pp, bad, pet, o papelão, papel, metal e vidro aí eu vendo não vendo. É um mercado. A gente tem o caso de comportamento, as pessoas não se separarem direito o resíduo fica contaminado e perde o valor, isso é um ponto, isso já afeta a reciclabilidade”.
“A região Norte precisa avançar bastante, há uma complexidade geográfica muito grande. Por exemplo, as cidades ficam a dias de distância dos centros urbanos, só tem um aterro sanitário em todo estado do Amazonas, que é o aterro de Manaus. A dificuldade geográfica requer uma logística de consumo que consegue fazer com que a cerveja e o refrigerante cheguem nas comunidades ribeirinhas mais distantes, mas a embalagem não volta porque não tem quem pague. Em uma região com tantas carências não vão discutir resíduos sólidos.Falta começar a olhar resíduos como recurso, como valor agregado que pode gerar emprego, que pode gerar projetos, orgânicos que podem gerar compostos. É uma falta de capacidade técnica para entender que o resíduo é um coringa, trabalhar essa mentalidade com os gestores para efetivar”, analisa a especialista Gabriela.
O Estado do Amapá pouco discute sobre resíduos sólidos, e isso mostra abertamente a precariedade da gestão quando não contextualiza a realidade da população baseada na forma como lidamos com os resíduos que geramos, como fala Nicole do Movimento Lixo Zero Amapá. “As informações mais recentes sobre o desenvolvimento de políticas públicas que tratam sobre a gestão e gerenciamento de RS estarão compondo o Plano Estadual de Saneamento Básico. Porém, sabemos que a gestão não é feita de forma unilateral, onde devemos esperar que se normatize através de leis e políticas, mas que seja colocado em pauta cotidianamente para que a população se manifeste acerca das necessidades como cidadãos”, argumenta Nicole.
A reciclista ressalta que o acúmulo de materiais é um agravante para o alcance de uma qualidade de vida em um município, ou um país. O não tratamento ou descarte incorreto de materiais, mesmo que sejam recicláveis, mostra quanto recurso vem sendo desperdiçado. Isso está intimamente ligado à falta de educação e consciência socioambiental da população, o que é dever do poder público dar suporte para a transformação da percepção coletiva e realidade social.
A problemática da produção excessiva de lixo é responsabilidade da população como um todo. Consciência individual e mudanças na quantidade de compra e tratamento dos resíduos sólidos faz diferença significativa na redução de impacto ambiental.
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