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Exclusão para as bicicletas: acidentes sem punição e falta de educação no trânsito em Macapá

Foto do escritor: Léo NiloLéo Nilo

Considerado o “transporte do futuro”, o ciclismo continua negligenciado na malha urbana.

Homem olhando para o horizonte do Rio Amazonas com uma bicicleta ao lado.
Foto: Manoel do Vale (Arquivo Pessoal)

Em março, o vídeo de um ciclista sendo atropelado por um carro descontrolado na Rodovia JK viralizou nas redes sociais. Para os espectadores, foram imagens chocantes de um carro atravessando o canteiro central da via e colidindo com o ciclista que pedalava próximo ao meio-fio do outro lado. Para os outros ciclistas, porém, mais um reflexo de seu lugar de vulnerabilidade cotidiano, na rede de trânsito da cidade.

De acordo com dados da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), 60% das mais de 13 mil mortes de ciclistas, na década passada, foram resultados de atropelamentos. Por ano, o Sistema Único de Saúde (SUS) gasta até R$15 milhões no tratamento de lesões resultantes de acidentes envolvendo bicicletas. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o número de bicicletas no Brasil é superior aos carros e, só em Macapá, estima-se a existência de 350 mil delas. É alarmante constatar que, até 2019, as ciclofaixas e ciclovias ocupavam menos de 1% da cidade - o menor índice de uma capital brasileira.

Ciclofaixa da rodovia JK
Ciclofaixa em um trecho da Rodovia JK. Foto: Ingra Tadaiesky

Para Alexandre Jordão, ciclista desde os sete anos de idade e usuário da bicicleta como meio de transporte principal, a maior dificuldade para a prática em Macapá é o trânsito de veículos e vias que oferecem um enorme risco. “As vias de acesso foram construídas para os veículos e foram mal construídas até para os veículos”, ressalta, “o transporte coletivo é precário então deveria ser compensado, ao menos minimamente, com o favorecimento às bicicletas”.

Em 2019, a Prefeitura de Macapá iniciou um plano para ampliação da malha ciclo acessível do trânsito. Apesar dos atrasos decorrentes da pandemia, 5,5 km de ciclofaixas foram implementados na rua Leopoldo Machado, em 2020, uma das principais vias da cidade. E ainda 2,4 km em um trecho da rodovia JK, em março de 2021. Para Manoel do Vale, cicloativista macapaense, tais projetos eram sugeridos pelo movimento de ciclistas desde 2011, quando a Prefeitura foi chamada a uma discussão junto aos ativistas pela mobilidade urbana. As obras atuais, portanto, resultam de anos de luta política, mobilizada pela comunidade ciclista.

Ciclistas em fileira, pedalando rua acima
Passeio do Dia Mundial sem Carro, em 2013. Foto: Manoel do Vale (Arquivo pessoal)

Ainda assim, as ciclofaixas e ciclovias são apenas um passo na direção certa. É a maneira de iniciar a educação no trânsito, orientando motoristas, ciclistas e pedestres. “[É preciso] pensar globalmente a nossa cidade, pegar todas as diversidades e criar uma malha rodoviária urbana que contemple todas as necessidades. Mas, principalmente, educação desde criança”, ressalta Manoel do Vale. A redução do número de carros particulares circulando é positiva para todos - diminui a emissão de gás carbônico, poluição sonora e congestionamento das ruas.

Entretanto, o cenário é de calçadas e trajetos hostis para pedestres e ciclistas e de um transporte público caro e precário. Não há incentivo para a substituição. Um planejamento urbano acessível pode sair caro, mas os benefícios são sentidos por boa parte da população.

Em seus anos de experiência, Alexandre Jordão já pedalou por grandes capitais do mundo e relata que várias incluem a bicicleta como parte importante da mobilidade. “A utilização de bicicletas têm se difundido em todo o mundo, é o transporte do futuro, ainda mais agora com a experiência da pandemia. Temos bem aqui ao lado o caso do Afuá, tido como a maior densidade de bicicletas”, ele lembra.

Mesmo com as dificuldades, o ciclismo ainda proporciona diversas vantagens. José Maria Marques dos Santos, que pedala para se locomover ao trabalho todos os dias, apontou a liberdade da bicicleta como fator determinante para seu uso, para não depender dos horários e frotas do transporte público - além da economia e benefícios à saúde. São inúmeros os trabalhadores que atravessam diariamente a Rodovia JK, onde não há cobertura de ciclovias, ciclofaixas ou calçadas e nem a educação de motoristas.

Sem via específica, ciclistas ficam vulneráveis. Foto: Lylian Rodrigues

Muitos acidentes ocorrem pela alta velocidade dos automóveis que encontram na via uma pista para acelerar o carro. Boa parte destes não são contabilizados pela Polícia Rodoviária ou pela Companhia de Transporte e Trânsito em Macapá (CTMAC), apenas virando histórias entre os usuários das bicicletas, já que os motoristas fogem sem prestar o devido socorro.

José Maria Marques dos Santos relata já ter sido abandonado após acidentes três vezes, incluindo uma ocasião em que sua coluna vertebral correu o risco de deslocamento, o que o deixaria na cadeira de rodas. “Ninguém prestou socorro. E [o motorista] ainda jogou uma lata de bebida de dentro do carro”, revela.

O jornalista Manoel do Vale também já foi vítima de um acidente sem socorro na Rodovia JK, em frente ao Parque Felicitá. Seu atropelador chegou a voltar para verificar o estado do ciclista, mas não ofereceu ajuda ou chamou uma ambulância. “Mesmo com a bicicleta sinalizada, várias vezes carros chegaram bem perto de mim, e dessa vez estava chovendo. Caí numa poça d'água, me machuquei no cotovelo, ombro e no braço esquerdo. Numa pista encharcada, com todos os buracos possíveis cobertos por água, o cara mete o pé”, denuncia Manoel.

O trecho da JK em frente ao Bioparque tem grande tráfego de pessoas e possui a faixa de pedestre elevada justamente para regular o limite de velocidade. A vítima, um servente de pedreiro, pai de dois filhos, sobreviveu ao acidente e agora aguarda a realização de exames para descobrir a extensão das lesões. A colisão ocorreu à luz do dia e foi gravada por imagens de segurança, repercutindo pelas redes sociais e jornais locais. Porém, como constatado pelos depoimentos de Manoel do Vale e José Maria dos Santos, raramente os casos são registrados e os motoristas punidos.

A prática do ciclismo melhora exponencialmente a qualidade de vida da cidade, tornando urgente medidas a serem tomadas para uma mobilidade urbana mais democrática. Não só a ampliação das ciclofaixas, mas campanhas de educação para os motoristas, instalação de bicicletários, realização de eventos e subsídios para os ciclistas. Com uma cidade acessível, todos sentem os impactos.

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