Projetos desenvolvidos em escolas públicas do estado visam ensinar os princípios do radialismo, incentivar a comunicação dentro do ambiente escolar, estimular a criatividade e dar espaço de fala aos alunos.
Por Emilly Almeida

Macapá (AP) - Em 30 de outubro de 2004, na Escola Estadual José do Patrocínio, na Fazendinha, foi inaugurada a Rádio Escola JP com o objetivo inicial de animar os intervalos dos alunos por meio de músicas e repassar informações pedagógicas básicas. Não demorou muito até que o projeto se estendesse para algo mais. Assim, em 2008, surgiu o projeto Rádio Escola JP. Naquele momento, os alunos eram os protagonistas da plataforma e seu propósito se transformava em algo ainda mais significativo: promover educação por meio da linguagem radiofônica.
Durante os 20 anos de atuação, o projeto contribuiu para a formação dos alunos no bairro ao oferecer um modelo de ensino diferente do convencional. É por meio da construção de programas de rádio que os estudantes têm a liberdade de se expressar e repassar todo o conhecimento que adquirem em sala de aula de maneira lúdica.
O professor Antônio Júnior, que foi um dos fundadores da Rádio Escola JP e trabalha no projeto até hoje, explica que seu intuito é justamente desenvolver a melhora na fala e na escrita dos estudantes, buscando também estimular o senso crítico desses alunos por meio de pesquisas que virão a se tornar programas na plataforma, gerando material que vai servir como retorno para a comunidade em que vivem. Ele destacou que os resultados já são evidentes, “quando a gente vê os alunos rendendo, que deram frutos, não só na área da comunicação, mas os alunos que de lá da rádio saíram e se formaram em pedagogia, em direito e outras áreas profissionais, pra gente é muito bacana, muito gratificante”, disse.

Mas, também a rádio é responsável por instigar o interesse pela própria área da comunicação em certos alunos. Foi o caso de João Marcos Chaves, que atualmente é formado em jornalismo. João relatou sobre começar no projeto por mera curiosidade, quando ainda estava no ensino fundamental, mas que a paixão pelo radialismo rapidamente floresceu nele. Na época, também não demorou muito para ele notar todos os benefícios de atuar nos programas para seu ensino. “Eu percebi que essa criação, a redação, né? a gente tinha que escrever os roteiros, começou a me ajudar dentro da sala de aula e também nas apresentações de trabalho. Eu via que aquilo estava mudando minha desenvoltura, o meu jeito de falar com as pessoas e até mesmo aprimorando meu vocabulário”, disse.
Para além de impulsionar seus conhecimentos na época, ele também relatou como a experiência lhe foi muito útil quando ingressou no curso de jornalismo. Além de já ter certa noção do que fazer nas disciplinas de rádio e redação, João também desenvolveu pesquisas voltadas aos benefícios dos projetos de comunicação na Educação Básica, a chamada Educomunicação. “Eu usei, inclusive, um projeto Rádio Escola como tema do meu TCC, meu trabalho de conclusão de curso. Fiz uma pesquisa de campo com diversos estudantes e eu queria entender como que a Educomunicação, como que esse trabalho realizado pela rádio escola impactava na vida de um estudante, e aí eu pude perceber que não só eu, na minha época quando tive a oportunidade de entrar no projeto, mas outros estudantes também conseguiram entender outros assuntos, conseguiram aprimorar sua escrita e sua fala, conseguiram ter essa desenvoltura de falar em público”, contou.

Educomunicação como ferramenta pedagógica
A Educomunicação é um conceito chave quando tratamos da união entre comunicação e ensino. Ela é a integração de processos comunicativos e educação, buscando promover de forma cooperativa e participativa a construção de conhecimento. A ideia central é utilizar meios como o rádio e a televisão equivalentes a ferramentas pedagógicas, que servirão para estimular a aprendizagem.
Dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) indicam crescimento noquantitativo de pesquisas na área em mais de 200% desde 2013, uma vez que as instituições de pós-graduação em Educação - inicialmente pouco utilizavam o termo por considerarem prioritariamente ligado à área da comunicação -passam a produzir pesquisa na área.
Assim, o aumento de estudos em instituições de ensino superior referentes ao uso de ferramentas educomunicativas dentro das escolas por parte de futuros docentes reflete em maiores perspectivas de que esta seja ainda mais utilizada no futuro. Aos poucos, cada vez mais alunos terão contato direto com a área da comunicação.

Esse aumento de interesse pelos meios de comunicação como ferramentas pedagógicas, em Macapá, já é perceptível. Afinal, a escola José do Patrocínio não foi a única a incorporar um projeto de rádio em sua grade curricular. Escolas consideradas referências na educação em todo o Amapá, ao longo dos anos, também passaram a aderir a ideia.
É o caso do Colégio Amapaense. Fundada em 1947, a instituição localizada no centro da capital é um dos maiores nomes quando se trata de educação no estado e, desde 2023,também conta com um projeto voltado à área da comunicação. É a Rádio Colégio Amapaense, responsável pelo PodQuilíngua - um podcast desenvolvido dentro da própria escola.
O coordenador do projeto, André Santos, professor de química na instituição, explicou a ideia do surgimento dopodcast a partir da necessidade da escola em se inserir na realidade dos alunos. “Talvez para alguns professores seja uma linguagem nova, mas para os estudantes não. Toda hora eles estão com fone de ouvido, eles estão ouvindo um podcast, eles estão tendo acesso a essas informações. Então basicamente a rádio, aos poucos, foi se integrando como instrumento pedagógico da escola”, relatou o professor.
PodQuilíngua é uma matéria eletiva, ofertada no colégio, e desenvolvida pelo próprio professor André, em parceria com a professora Ana Carolina Araújo, na época docente de Língua Portuguesa e Redação, na escola. O objetivo é justamente utilizar a mídia de podcast como ferramenta para fomentar uma aprendizagem interdisciplinar. Juntando os estudos de química e português, os estudantes são incentivados a criar episódios com temáticas que visem englobar ambas as matérias.

O professor André destacou, ainda, que o ensino por meio desses projetos voltados à Educomunicação nas escolas não deve ser limitado e pode servir para trabalhar todas as áreas do conhecimento. Tanto o uso da rádio quanto a construção dos episódios de podcast servem para engajar o aluno na matéria, qualquer que ela seja. “O papel da rádio, ele está contribuindo com as disciplinas da Base Nacional Comum Curricular para que o estudante veja aquela disciplina com um olhar diferente. Então, através da rádio, através das ferramentas como podcast, edição de vídeo e outras coisas também que a gente trabalha, o estudante vê a potencialidade daquela disciplina a partir desse instrumento comunicativo, então por exemplo, eu consigo fazer uma avaliação de química na rádio com a minha turma”, explicou.
E mesmo com pouco tempo de atuação, o PodQuilíngua e a Rádio Colégio Amapaense já contam com um retorno muito positivo dos alunos que entraram em contato com os projetos. A estudante Júlia Santos da Costa relatou sobre a experiência em trabalhar com a linguagem radiofônica no âmbito escolar. Além de impulsionar os estudos da aluna,também serviu para incentivar o debate em sala de aula, dando local de fala para ela e seus colegas poderem se comunicar entre si e aprender por meio da partilha de opiniões e experiências. “A questão da rádio na escola foi muito boa para a ampliar o conhecimento de cada aluno, em questão de, em uma conversa a gente poder, além de falar de assuntos importantes na sociedade, também poder saber a opinião do outro sobre cada assunto”, relata empolgada.

Para a professora Diana Alves, doutora em educação, docente do Colegiado de Pedagogia da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), projetos como estes, além de essenciais para uma aprendizagem mais completa, também são um grande investimento no futuro profissional dos alunos, uma vez que desenvolvem habilidades indispensáveis no mercado de trabalho. “Estes projetos estão diretamente alinhados a competências gerais da BNCC (Base Nacional Comum Curricular) como a Comunicação, a Cultura Digital, a Argumentação e o Projeto de Vida, e certamente, contribuirão com a construção de habilidades valorizadas no mercado de trabalho que envolvem o planejamento, a execução, a organização de ideias e o trabalho em equipe, além de estimular o desenvolvimento da oralidade e da escrita que ajudará na aprendizagem em sala de aula”, avalia a doutora.
Ademais, ela argumentou que dar ao aluno o ‘papel principal’ nos âmbitos das rádios torna o ambiente escolar mais atrativo para esses estudantes, “este tipo de projeto ao adotar uma metodologia mais dinâmica, prática e com a participação ativa dos alunos proporciona maior engajamento porque o alunado deixa de ser um sujeito passivo, ou seja, apenas ouvinte do conteúdo ou das informações que são transmitidas pelo professor, e se torna um sujeito ativo na construção do próprio aprendizado, do próprio conhecimento, ao pesquisar, criar conteúdos conectados a realidade, roteirizar, gravar, além de outras ações mais práticas que tornam o aprendizado mais estimulante e significativo”, conclui.
Por mais que projetos como a Rádio Escola JP e a Rádio Colégio Amapaense ainda encontrem desafios no caminho como a pouca verba depositada pelo Governo, a falta dos recursos tecnológicos necessários e a escassez no quadro de discentes capacitados dispostos a tomar a frente, é inegável seu papel transformador na vida e educação dos alunos.
E é apostando no uso da Educomunicação, por meio das rádios e podcasts escolares, que os alunos amapaenses podem sonhar não somente com uma carreira na área da comunicação, mas também com uma sala de aula mais lúdica e inclusiva, onde sua criatividade é estimulada e suas opiniões são ouvidas.
Excelente matéria, que contribuirá bastante como fonte de pesquisa e informação sobre a importância da educomunieducomunicacao na educação contemporânea.