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Foto do escritorThales Lima

Canais de Macapá são impactados com falta de investimentos em saneamento básico

Além do risco à saúde pelo contato direto entre o esgoto e as pessoas, existe ainda a preocupação quanto aos impactos ambientais como contaminação da água captada para distribuição.

Raimundo e sua família na ponte que atravessa o canal do bairro Perpétuo Socorro, zona norte de Macapá. Foto: Thales Lima

Macapá sempre vai se orgulhar de possuir o Rio Amazonas como cartão postal na frente da cidade. Além de banhar a orla, o rio possui diversos igarapés que adentram e cortam a cidade de norte a sul. Esses igarapés possuem papéis fundamentais historicamente, sobretudo nas relações comunitárias e de paisagem, como ocorre nos canais dos bairros Perpétuo Socorro, Santa Inês e Centro; também nas relações comerciais, a exemplo dos canais das Pedrinhas, Jandiá e Igarapé das Mulheres que desempenham atividade comercial.

No entanto, essa relação que a cidade vem demonstrando com seu cartão postal é abusiva, devido principalmente aos baixos investimentos no setor de saneamento básico. A falta de planejamento modifica a biodiversidade dos igarapés, comprime e canaliza seu fluxo natural. Com o crescimento populacional e a urbanização, as funções dos canais estão ligadas também ao escoamento e drenagem, como forma de evitar alagamentos.

Mas é só caminhar pelos canais do bairro Beirol/Pedrinhas, Perpétuo Socorro, Santa Inês, Canal do Jandiá e do Centro que percebemos a gravidade da situação que vem perdurando há anos. Se não bastasse a modificação de sua forma, os canais sofrem bastante com o despejo de esgoto e lixo.

Sem coleta, o esgoto é descartado de forma bruta nas galerias de águas da chuva, permitindo o contato direto com as pessoas. Esse tipo de descarte causa riscos à saúde pública – doenças propagadas por ratos, mosquitos, baratas e moscas; além das verminoses, virais ou bacterianas.

Esgoto sendo descartado de forma incorreta. Foto: Thales Lima

Raimundo Torres, 53 anos, morador próximo do canal do bairro Perpétuo Socorro, diz que seu esgoto vai para a cisterna, mas sabe que alguns moradores jogam diretamente no canal.

“Tem vizinho que possuem aquela encanação para a água da pia, aí a água vai pela canaleta, depois cai no canal”, relata. Raimundo diz também que anualmente é comum ele e seus familiares pegarem uma virose, mas não tem certeza o que possivelmente pode ser a causadora da doença.

Sem tratamento, o maior impacto ambiental é na poluição das águas, das vegetações e dos solos. Apenas 7,0% da população da capital têm acesso ao esgoto, colocando o Amapá nas últimas posições no atendimento urbano do sistema sanitário. Os dados fazem parte do Diagnóstico Anual de Serviços de Água e Esgoto 2019, do Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento - SNIS.

Outro problema que os moradores dos canais se queixam é quanto aos lixos vindos junto com a chuva e aqueles depositados por alguns moradores da redondeza. Ainda segundo os dados do SNIS, houve uma diminuição na cobertura de coleta domiciliar dos resíduos sólidos: em 2010, 97,2% tinham seus lixos recolhidos no Amapá; frente a 92,1%, no ano de 2019.

O acúmulo de sedimentos, que englobam areia, terra, lixos, contribui pra o assoreamento dos canais, tornando-os mais “rasos” e não suportando sua capacidade de água e escoamento natural.

“Nessa última enchente que deu em março, ela foi meia parede. Perdemos guarda-roupa, molhou outros móveis. As coisas a gente nem compra mais porque não adianta, perde tudo quando o canal transborda”, diz Ana Maria, 73 anos, que mora há 30 anos na frente do canal do bairro do Beirol, zona sul de Macapá, apontando com o dedo até onde a água chegou na sua parede. A aposentada diz que vizinhos que nunca tiveram ido “pro fundo”, agora estão enfrentando esse problema.

Dona Ana apontando o local onde o rapaz foi picado pela cobra. Foto: Thales Lima

Dona Ana fala também que o canal sujo atrai muitos animais, como cobra, rato e insetos.

“Um dia um menino estava ali mexendo no mato, quando viu gritou: ‘Ai meu Deus!’. Aí, a vizinha disse ‘olha, cobra picou ele’. Foram logo procurar ajudar no hospital porque a gente não sabe que cobra era”, comenta Dona Ana.

Sem atingir o mínimo de investimento necessário para o setor há anos, Macapá vem colhendo os problemas decorrentes da falta de saneamento básico, principalmente os relacionados à insalubridade e à contaminação do Rio Amazonas e das pessoas que moram na cidade.

O pesquisador Alan Cunha, especialista nas áreas de Ciências Ambientais e Saneamento, realiza diversas pesquisas sobre a qualidade da água do Rio Amazonas na região urbana de Macapá. Cunha, também possui um estudo chamado Emissários Subfluviais, que busca reduzir a carga de poluição do esgoto na frente da cidade e lançar esses resíduos direto no canal do Rio Amazonas, onde haveria mais capacidade de diluição. Dessa forma, a frente da cidade não seria contaminada nem ameaçava a estação de captação de água da Caesa.

“Se você me perguntar como é que está a situação do Rio Amazonas? não é boa! Toda nossa bacia hidrográfica está conectada aos nossos canais, que estão conectadas com águas subterrâneas, que vão criando esses aquíferos freáticos, eles são rasos e se comunicam com a rede de drenagem, vai contaminando os canais menores e vai se espalhando para os canais maiores. Se você fizer uma análise nos canais do Igarapé da Fortaleza, canal da Rua Mendonça Junior, canal das Pedrinhas e do Jandiá são muito impactados pela grande carga de esgoto sanitário despejado” diz Cunha.

Imagem de satélite da frente de Macapá, Canal do Centro. A mancha escura é o impacto do esgoto nas águas do Rio Amazonas. Reprodução: Google Maps

Com a contaminação dos canais, todo esse esgoto desemboca na orla da cidade e a sua dissolução com as águas do Rio Amazonas leva muito tempo.

“Esse esgoto sanitário, que não é tratado, volta para o sistema de captação de água. Apesar da imensa capacidade de limpeza que as águas do Rio Amazonas têm, esse esgoto não se dispersa para o oceano. O esgoto fica concentrado nas margens, na frente da cidade e depende muito do fluxo e refluxo das marés”, comenta o pesquisador.

INVESTIMENTOS EM SANEAMENTO

O setor de saneamento básico é responsável pelos serviços de distribuição de água potável, coleta e tratamento de esgoto, coleta de resíduos sólidos e drenagem urbana de águas da chuva. Esses serviços devem ser oferecidos pelo Estado para o pleno desenvolvimento de sua população.

Esse conjunto de serviços foram criados pela Lei 11.445/07, que estabelece as competências do Estado. O Governo Federal tem o compromisso de criar as políticas federais de implementação dos serviços. A cargo dos municípios, ficam a gestão e o planejamento dos planos municipais de saneamento básico.

Só que na realidade, quanto mais não há investimento, mais os serviços se tornam complexos e caros. As Prefeituras sem condições de arcar com todos os serviços sanitários, concede aos estados o direito de executarem parte dos serviços. Como acontece no caso do Amapá, com a Companhia de Água e Esgoto do Amapá – CAESA, empresa pública estadual encarregada pelo setor.

Segundo a CAESA, o Sistema de Esgotamento Sanitário (SES), do município de Macapá, é composto de pouco mais de 89 km de rede separadora convencional, quatro elevatórias de esgoto e uma estação de tratamento de esgotos, do tipo lagoa de estabilização, e incluem as principais ruas dos bairros Santa Rita, Buritizal, Trem e Centro.

Atualmente, a empresa está atuando na substituição da antiga rede de esgoto existente na capital, trocando os tubos de amianto pelo os de PVC, mais modernos e adequados. A obra foi orçada em R$ 13 milhões, incluindo verba federal e estadual, para serem desenvolvidos no ano de 2020. Devido a pandemia, as obras tiveram que ser interrompidas e retorna de forma gradualmente.

Obras no centro de Macapá para substituição de tubos. Foto: Thales Lima

Segundo o Ranking do Saneamento Básico 2021, do Instituto Trata Brasil, Macapá é a última cidade brasileira com os piores índices na disponibilização dos serviços básicos sanitários. Anualmente, a média investida por habitante é de R$ 3,78. A média das cidades brasileiras é de R$ 84,59.

De 2015 à 2019, a evolução nos investimentos aumentou 5,54%. Para atingir a meta de universalização, são necessários em média o investimento de 141 milhões por ano, um crescimento de 18%.

NOVO MARCO LEGAL E AS PRIVATIZAÇÕES

Em julho de 2020, o Governo Federal sanciona a Lei nº Lei 14.026/20, alterando a Lei 11.445/07, criando o Novo Marco Legal para o Saneamento Básico. Os principais pontos que tocam a nova lei são: a delimitação de novas metas, até 2033 para atingir a universalização, a definição para a regulamentação e a injeção de recursos privados.

Agora, os serviços de saneamento básico poderão ser privatizados, onde empresas concorrerão a uma licitação, apresentando estratégias, capacidade econômica para arcar com os serviços cumprindo a meta estabelecida para a universalização.

Com a nova lei, desde outubro de 2020, o Governo do Estado do Amapá – GEA vem discutindo a possibilidade de concessão para o setor privado a gestão dos serviços de saneamento básico. Juntamente, com o Banco Nacional de Desenvolvimento Social – BNDS firmaram o Programa de Parceria de Investimentos (PPI), juntamente com as Prefeituras dos 16 municípios do estado.

O projeto de desestatização já passou pelas etapas de consulta pública, construção de planos municipais de saneamento básico e agora está com o edital aberto para a licitação da empresa interessada em explorar o setor. Segundo o edital de concessão, a empresa ganhadora do certame ficará responsável da gestão dos serviços de captação e distribuição de água tratada e coleta e tratamento do esgoto, na área urbana. Áreas rurais e distritais ficaram sob a responsabilidade do governo estadual em executar investimentos.

“O objetivo da concessão no Amapá é de que em até 11 anos a cobertura de fornecimento de água tratada para a população urbana de todos os municípios passe dos atuais 38% para 99%, com investimento de R$ 900 milhões ao logo dos 35 anos de concessão. No caso de esgotamento sanitário, o projetado é que a cobertura passe de 8% para 90% em até 18 anos, com investimento total de mais de R$ 3 bilhões durante o período de atuação da empresa concessionária, até o ano de 2033”, informa o Governo do estado.

O edital lançado sexta-feira, 28/05, abre oportunidade para empresas internacionais concorrerem. O leilão deve ocorrer em 2 de setembro e estabelece como critério de escolha a combinação entre valores de outorga, de pelo menos R$ 50 milhões, e de menor tarifa, para definir o vencedor.

Aliás, a tarifa é uma das principais mudanças esperadas. O edital destaca, no anexo VI, com base nos estudos, a correção no valor da tarifa aplicada atualmente. O aumento seria de 70,65% para a classe residencial e de 87,72% para as demais categorias.

A insuficiência do saneamento básico está sendo a principal justificativa para a privatização do setor, na contramão da tendência global, que ao invés de privatizar está reestatizando como por exemplo: Berlim, Paris, Buenos Aires, e La Paz. Entre os principais motivos enfrentados por esses países, foram o não cumprimento das metas e o encarecimento das taxas.

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